Em Debate Especial: Licenças de Serviços de Telecomunicações

Publicado: 13/08/07

 

 

 

Desafios da Era da Convergência:

 

Panorama do Setor de Telecomunicações no Brasil e no mundo

 

 

Antonio Carlos Valente

Presidente do Grupo Telefônica no Brasil

 

Após um período de forte expansão e disseminação da telefonia fixa, podemos verificar que, em todo o mundo, a tendência do setor de telecomunicações é de estabilidade e leve queda da telefonia fixa, aliada ao crescimento da demanda por serviços de dados. Na Europa, as grandes operadoras, como Deutsche Telekom, Telefónica e Telecom Itália, apresentaram queda das linhas fixas entre 4% e 5% ao ano, nos últimos 3 anos. Em contrapartida, a base de clientes de banda larga destas empresas apresentou expansão superior a 30% ao ano, fruto de elevados investimentos na atualização de suas redes.

 

Nos EUA, o cenário não é diferente. Houve considerável redução na planta de telefonia fixa no país, acompanhada por expressivo crescimento dos serviços de telefonia móvel e de banda larga. Além disso, as operadoras de TV a cabo norte-americanas têm obtido forte êxito na oferta de pacotes de serviços integrados, colocando-se um passo a frente das operadoras fixas, que começaram a reagir e oferecer serviço de vídeo por suas redes.

 

No Brasil, alguns aspectos se repetem – após um período em que a telefonia fixa deu um importante salto na penetração dos serviços em todas as classes sociais do país, a base de clientes atingiu um nível de maturação bastante satisfatório comparando-se com países em desenvolvimento, e, paralelamente, houve um forte crescimento na telefonia móvel e banda larga. As operadoras que prestam estes serviços realizaram elevados investimentos e atualmente já detêm bases de clientes com relevância no cenário internacional de telecomunicações.

 

Outra movimentação pela qual o setor está passando é a da convergência, fruto da modernização tecnológica e da demanda do mercado. A evolução digital, associada às tecnologias da informação e da comunicação, possibilitou a convergência de plataformas e serviços, que antes eram tratados separadamente sob diversos aspectos – negócios, utilização pelo cliente, legislação e regulamentação. Desta forma, tornou-se possível que diversos conteúdos sejam distribuídos através de redes concorrentes ou alternativas.

 

Para ter a possibilidade de oferecer novos serviços sobre suas redes, as operadoras de telefonia realizaram elevados investimentos. A Telefonica investiu nos últimos anos cerca de R$ 20 bilhões na expansão e atualização tecnológica de sua rede de telefonia fixa.

 

Entretanto, comparando-se com redes e tecnologias mais recentes, que já foram criadas com a capacidade de transmitir dados em maior velocidade, as redes das Concessionárias apresentam importantes diferenças quanto à banda de transmissão de dados e demanda por espaço físico para sua implantação.

 

Desta forma, é de extrema relevância que haja liberdade para as operadoras investirem e atuarem através de diferentes plataformas tecnológicas, garantindo a entrega dos serviços que o mercado demanda com qualidade e de forma eficiente. Este é um fator fundamental para que as operadoras consigam manter a competitividade no mercado, pois no processo de convergência as empresas concorrem pelos mesmos serviços e usuários.

 

Analisando do ponto de vista concorrencial e de mercado, com o surgimento desta convergência entre plataformas, a oferta de serviços aos clientes em pacotes, seja por uma única empresa, seja por empresas parceiras, dificulta a delimitação dos mercados de telecomunicações, antes facilmente identificados como mercados de serviços específicos e independentes.

 

Para ilustrar o fato, é importante citar o exemplo dos reguladores estrangeiros, que cada vez mais reconhecem que a competição por pacotes está alterando o comportamento do consumidor. Recente pesquisa do OFCOM[1] aponta que a venda em “pacotes” é o fator mais importante para 27% dos consumidores quando se escolhe um provedor. O fator “preço” obteve o mesmo escore (27%), ficando atrás apenas do quesito “velocidade” (29%). Da mesma forma, o regulador espanhol[2], é categórico ao afirmar que o “empaquetamiento (...) se impuso como motor del crecimiento de la banda ancha”.

 

No Brasil, há apenas uma empresa de grande porte autorizada a oferecer o serviço triple play integrado (3P). No entanto, sua atuação, bem como a de seus concorrentes, que lançam pacotes apoiados em parcerias, já evidencia que o mercado brasileiro segue a tendência internacional: aqui também já vem se configurando a existência desse novo mercado. De fato, há indícios claros de que os benefícios advindos de uma aquisição conjunta têm estimulado a migração dos usuários para 3P, e o pacote 3P tem crescido rapidamente no segmento atendido pelas operadoras de TV por assinatura (alta renda).

 

Cabe observar que a convergência tecnológica, tal como vem se configurando no mercado brasileiro, tem sofrido uma evolução muito aquém dos potenciais impactos positivos que tem proporcionado na experiência internacional, revelando, uma vez mais, um sub-aproveitamento de oportunidades. É um processo que detém um grande potencial pró-competitivo, em vários aspectos, quando mais players ingressam nesse mercado.

 

Primeiro, o ambiente mais competitivo no mercado 3P favorece o repasse de ganhos aos usuários (preços menores devido aos pacotes e à concorrência). Isto é, na falta de competição, o ofertante de serviços 3P não terá incentivos para transferir eventuais reduções de custos aos consumidores.

 

Segundo, a entrada de empresas no mercado 3P deve acelerar a expansão do mercado para além das regiões e classes sociais atualmente cobertas pelo serviço de TV a cabo. Tudo isso, trabalhado conjuntamente, potencializa os ganhos de eficiência, estimula a demanda, pelo barateamento dos serviços, e, portanto, induz novos investimentos que são extremamente importantes para a expansão do mercado, inovação e incorporação dos avanços tecnológicos para a sociedade brasileira.

 

No entanto, as restrições à prestação de serviços de TV a cabo hoje presentes no Brasil tornam sua cobertura muito precária no país. Por exemplo, em São Paulo, 92% dos municípios não são atendidos por TV a cabo, e em somente 1% dos municípios existe concorrência entre mais de um operador.

 

Essa situação freia o repasse de ganhos ao consumidor. De fato, na comparação com países em desenvolvimento com condições sócio-econômicas semelhantes, o Brasil apresenta uma defasagem muito grande na penetração dos serviços de TV paga.

 

Modernização do Sistema Legal e Regulamentar

 

Um dos pontos mais importantes neste cenário de evolução tecnológica é a definição do papel do Estado no setor de telecomunicações. Exemplos de países desenvolvidos mostram que, em um ambiente dinâmico como o de telecomunicações, o processo de inovação deve ser estimulado, juntamente com a concorrência entre os players do mercado. Desta forma, cria-se um ciclo virtuoso entre investimentos, inovação e novos serviços.

 

Na grande maioria dos países desenvolvidos, não há restrições para operadoras fixas utilizarem suas redes para distribuição de conteúdo (IPTV), favorecendo este ciclo virtuoso. Nos EUA, as operadoras já oferecem serviços de TV de alta definição, com uma série de novos devices para seus clientes como, por exemplo, a interatividade. Na Europa, também já existem operações de IPTV em países como Reino Unido, França, Itália, Alemanha, Holanda, e outros, onde os Órgãos Reguladores não impuseram restrições de entrada de players neste mercado.

 

No Brasil, a situação é diferente – enquanto operadoras a cabo podem oferecer serviços de voz sobre suas redes, as concessionárias fixas são impedidas de utilizarem suas redes para prestação de IPTV nas áreas onde atuam e, portanto, o mercado deixa de usufruir dos benefícios da inovação tecnológica.

 

De fato, e como é amplamente reconhecido, no Brasil ainda persiste um quadro em que a regulação se baseia na tecnologia – ou na infra-estrutura – e não, como seria mais apropriado, no próprio serviço. Isso faz com que empresas que operem com diferentes tecnologias tenham marcos regulatórios distintos, mesmo quando atuam (ou estão aptas a atuar) nos mesmos mercados. Destaca-se, nessa direção, a necessidade de atualização do sistema legal e regulamentar brasileiro à realidade da convergência tecnológica e a este importante processo de inovação.

 

Não há dúvida, porém, que, a despeito das intenções da LGT, o objetivo de manter o sistema legal e regulamentar brasileiro “adaptado” ao surgimento de novas tecnologias e serviços e, dessa maneira, aderente à realidade de mercado, não tem sido atingido de forma satisfatória. E, em conseqüência, o regulador/legislador tem perdido oportunidades de fazer uso da regulação em benefício do consumidor.

 

Existem alguns casos interessantes de como os Reguladores de outros países estão tratando o tema de convergência, posicionando-se de forma receptiva e incentivando a inovação.

 

Em março de 2002, por exemplo, a União Européia definiu uma nova estrutura regulatória para balizar o setor de telecom dos países membros. Diversas diretrizes foram estabelecidas para o novo modelo regulatório para redes e serviços de comunicação eletrônica, que integra telecomunicações, radiodifusão e serviços baseados na Internet. Contrapondo-se à antiga “Diretiva de Licenças”, que utilizava um modelo de diferenciação entre os serviços, criou-se a “Diretiva de Autorização”, que garante a prestação de qualquer serviço de comunicação eletrônica com isonomia aos operadores, independente da infra-estrutura que utilizam.

 

Outro caso é o da Índia, que optou pela reformulação das licenças, criando uma Licença Unificada para voz fixa e móvel, dados, TV a cabo, DTH e radiodifusão, em julho de 2003. No antigo regime de licenças, existia uma série de assimetrias entre os serviços, que variavam dependendo da tecnologia utilizada. Essas diferenças de tratamento entre serviços e tecnologias empregadas resultaram em desentendimento entre as operadoras. Como solução, o governo indiano decidiu introduzir a Licença Unificada, com base no modelo adotado na União Européia.

 

Considerando todos os pontos comentados, fica evidente a necessidade de ajustes específicos no marco legal e regulatório brasileiro, para adaptá-lo ao cenário atual de convergência e estabelecer um maior equilíbrio e simetria entre as regras dos diferentes serviços e tecnologias. Assim, é importante que sejam considerados alguns princípios.

 

Primeiro, a legislação deve incentivar a diversificação, ampliação e inovação de serviços, dando liberdade aos agentes econômicos oferecerem sob suas redes todos os serviços disponíveis, obedecendo às normas de qualidade e procedimentos específicos de cada um. Segundo, o estímulo à competição no mercado convergente deve ser uma diretriz, para garantir ao mercado acesso a todos os benefícios advindos da convergência. Outro princípio importante é o de incentivo a novos investimentos e à modernização do setor, de forma que o ciclo virtuoso de investimentos seja estabelecido e mantido no setor.

 

Seguindo estes princípios, é de extrema relevância que, no curto prazo, sejam eliminadas as assimetrias existentes no atual arcabouço jurídico-regulatório. Através destas mudanças, o mercado (empresas e usuários) poderá usufruir dos benefícios gerados pela convergência tecnológica.

 

Em um segundo momento, após o alinhamento e maior equilíbrio entre as regras dos diferentes serviços e tecnologias, o setor já estaria melhor estruturado para promover outras alterações, e haveria espaço para discussão e proposição de uma unificação de licenças dos serviços de telecomunicações. Desta forma, o Brasil seguiria, como visto, a tendência regulatória internacional, adequando-se ao cenário de convergência digital.

 

[1] Office of Communications (OFCOM, Regulador do Reino Unido) – The Communications Market: Broadband. Digital Progress Report. April/07

[2] Informe Anual 2005, CMT

 

 

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Comentário de Antonio Carlos de Freitas

Muito bom o texto. Torna-se de imperiosa importância neste ramo de telecomunicações que nosso país, emergente como é, se desvencilhar de suas amarras históricas e enfrentar com altivez e ousadia a necessidade de velocidade nas decisões sobre as oportunidades tecnológicas apresentadas pela Convergência.

 

Certo está que nosso maior problema está ancorado em nosso Sistema Legal e Regulamentar, que já obsoleto, não consegue adquirir velocidade compatível com a modernização apresentada pelo setor de Telecomunicações no mundo.

 

Emperrados que somos por um setor Legislativo filosoficamente mal estruturado, onde os pensamentos e as ações de poder parlamentar somente vêem o progresso aliado a fortes tendências de “oportunidade de locupletação”, sinto que ainda teremos que esperar um bom tempo para tentarmos bater à porta da modernidade tecnológica, o que leva nosso país a conviver com a tecnologia, sem no entanto navegar em seus benefícios, visto não termos marcos regulatórios de competitividade e representatividade a nível internacional.

 

De novo estamos a reboque, e de novo, continuaremos com velocidade inferior à nossa necessidade de evolução.

 

Resta-nos portanto, como vemos no próprio texto ora apresentado, continuar lutando e demonstrando nossa capacidade de entendimento sobre o assunto, esperando que nossos políticos poderosos da atualidade se sensibilizem e permitam o crescimento e desenvolvimento de nosso país.

 

 

Comentário de Marco

Muito feliz o posicionamento do Sr Valente e, creio, deve expressar a opinião dos principais líderes empresariais do segmento..

 

A flexibilização da legislação só trás benefícios ao consumidor, às empresas mais competitivas e, por consequência, à economia do país.

 

Isso pode ser amplamente verificado no segmento de telefonia móvel, onde a disputa pelos segmentos de mercado aceleram a inovação tecnológica e oferta de novos em serviços e aparelhos, gerando redução de custos para o usuário final, mais e melhores serviços, mais empregos, enfim, alavancando o crescimento econômico de forma sustentável.

 

 

Comentário de Bruno Jahn

Está claro que precisamos realizar um volume de investimento muito grande para lograrmos ter uma internet de banda larga decente para a população brasileira. Se não fosse por iniciativa própria das operadoras de telefonia local e de TV a cabo, estaríamos hoje com Internet discada e banda largas restritas do radio. Se considerarmos os custos de infra-estrutura, comercialização e os preços cobrados pelas operadoras, creio que o negócio de banda larga possa estar sendo subsidiado pelas grandes margens dos serviços tradicionais.

 

Concordo plenamente com o solicitado pela carta. Estamos em um cenário com uma demanda crescente em quantidade e qualidade, por outro lado não temos uma estrutura regulatória definida. Concordo que precisamos de uma melhor estrutura tributária, redefinição de limites de competência das esferas governamentais, adequação dos custos de direito de passagem, novas outorgas e novas frequências. Mas precisamos também de uma definição clara nas outorgas das áreas de atuação, com objetivos claros das metas de qualidade.

 

Vivemos em um cenário de completa arbitrariedade. Será que o órgão regulador acredita que este setor possa se auto regular? Durante o ano de 2008 e o primeiro semestre de 2009 ocorreram algumas interrupções sérias do serviço de banda larga e de dados da Telefônica, provocando inclusive a paralisação de serviços públicos.

 

Provavelmente os contratos com grandes usuários deveriam ter alguma clausula de garantia de nível de serviço, provocando muita para o prestador de serviço. OK. E para o usuário residencial. Este não possui SLA e somente o órgão regulador poderia definir regras para tal.

 

A Telefônica ressarciu os usuários pelos dias parados conforme acordado com o Ministério Público. Em função das ocorrência a ANATEL penalizou a Telefônica com a interrupção da comercialização do Speedy por tempo indeterminado. A mesma realizou uma série de investimentos para melhorar a qualidade dos serviços e voltou a vender seu produto.

 

Sob qual arcabouço jurídico a ANATEL tomou esta decisão? Nenhuma! Uma completa arbitrariedade causando maior receio a futuros investimentos no país. A única regulamentação pertinente a prestação de serviço de banda larga é a licença de SCM, que não possui qualquer referencia a qualidade da prestação do serviço. Precisamos de regras claras para incentivar o investimento e termos um serviço de qualidade.

 

 

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