17/05/2010

Em Debate:

 

 

 

 

 

2.5GHz, uma discussão em busca de foco e de solução

 

 

Mario Baumgarten

Vice Chairman do UMTS Forum para a America Latina

 

 

 

 

 

 

 

A discussão do acesso ao espectro em 2.5GHz, que tudo parecia ter para poder ser bem equacionada, a despeito dos ânimos compreensivelmente acirrados daqueles que hoje o utilizam e que dele não desejam abrir mão, acabou por desaguar em discussões muito mais políticas do que técnicas. Procura-se definir quais dos operadores (MMDS e móveis) podem ter acesso a que porções do espectro, em 2.5GHz.

 

Pura briga territorial. Boa parte da imprensa não cansa de colocar o tema nessa perspectiva, que entendemos não ser a mais adequada. Para complicar ainda mais a situação, a discussão brasileira do uso do espectro em 2.5GHz acabou recebendo ingredientes diversos, como o da guerra tecnológica LTE versus WiMAX, assim como a adição de temperos os mais variados, que se estendem da necessidade da promoção de mais competição até a elaboração de políticas industriais e sociais. E neste contexto demasiado amplo e extremamente difuso, cada interessado cuidadosamente modula algum tipo de argumento para, a partir dele, reivindicar o direito de explorar algum latifúndio eletromagnético exclusivo. Preferencialmente o maior possível.

 

Certamente que não será dentro desse ambiente reivindicatório e exclusivista, pouco voltado à busca do bem comum da Nação, que se chegará a decisões justas sobre quem poderá utilizá-lo. Sob um prisma mais neutro e internacional, pautado pela escassez de espectro, o foco de toda essa discussão deveria ser  “quem mais pode fazer pela sociedade brasileira em termos de Banda Larga Wireless, com menos espectro”. E é dentro desse enfoque que procuramos tratar do tema na seqüência, oferecendo uma solução para a discussão do espectro em 2.5GHz, sintetizada nos parágrafos finais deste artigo.

 

A Natureza do Problema: escassez crescente do espectro radioelétrico

 

Nas Telecomunicações de hoje, o Estado tem o desafio de induzir a construção de uma sólida infra-estrutura de Banda Larga, uma das bases para a prosperidade da Nação. E esta Banda Larga, como se sabe, se tornará cada vez mais larga, exigindo para a conectividade do tipo wireless, uma quantidade cada vez maior de espectro radioelétrico, um bem sabidamente escasso.

 

Como o espectro radioelétrico também é inelástico, resulta que ele se tornará cada vez mais rarefeito à medida que for sendo utilizado pelos operadores wireless, que dele necessitam para construir e evoluir as suas redes de Banda Larga. Ao nível da realidade tecnológica que hoje conhecemos, infelizmente haverá um limite a partir do qual a Banda Larga wireless, dependente de espectro em quantidades crescentes, terá dificuldades para expandir-se.

 

Trata-se de um fenômeno físico, ainda sem solução.  Por isso é que se torna tão importante estabelecer regras técnicas claras de uso eficiente do espectro, pois qualquer desperdício no seu uso poderá ser contabilizado como prejuízo certo para a sociedade. E é nesse sentido que a UIT vem fazendo, com o apoio dos países signatários como o Brasil, as devidas recomendações para uso otimizado e eficiente desse bem tão escasso e valioso.

 

Um segundo capítulo, completamente diverso, mas pertencente à mesma equação, é o acesso dos atores do mercado ao espectro radioelétrico. Dada a situação da escassez crescente do mesmo, esse acesso precisa ser garantido prioritariamente àqueles operadores que melhor uso dele puderem fazer, em benefício do bem comum. Não mais existe espaço para que o Estado conceda privilégios de uso do espectro eletromagnético, a que título for, para atores pouco preparados para massificar a Banda Larga wireless. A arte aqui é fazer as escolhas certas através de regras bem claras e transparentes.

 

Temos, portanto, dois grandes temas em pauta: regras técnicas para uso eficiente do espectro e regras de acesso ao espectro, pelos atores do mercado. Ambos os aspectos deveriam ser voltados à maximização de benefícios para a sociedade, e, para maior transparência, tratados individualmente.
Na Brasil, o que temos de momento, é a Consulta Pública 31 da ANATEL , que não separa os temas acima. Trata-se, de qualquer forma, de um nobre e hercúleo esforço da Agência, o qual procura conciliar todos os interesses técnicos e de mercado em jogo. Certamente uma tarefa dificílima, visto que há mais pretendentes ao uso do espectro do que espectro disponível para todos eles.

 

Por outro lado, isso não deixa de ser uma situação absolutamente normal nos dias de hoje e que começará a repetir-se com muita freqüência nessa nova década. E por isso, a persistir o impasse ocasionado por aqueles que não desejam o acordo proposto pela Consulta Pública 31 da ANATEL, nada mais adequado do que começar a estabelecer critérios bem transparentes de desempate no acesso ao uso do espectro, partindo das definições técnicas de uso eficiente do espectro, estabelecidas pela UIT.

 

Indicamos na seqüência, dentro das melhores práticas internacionais conhecidas, os dois passos a serem dados para que se garanta uso eficiente do espectro em 2.5GHz, antes de tudo em benefício da população.

 

Passo 1:  Assegurando o uso eficiente do espectro


No contexto da crescente escassez de espectro radioelétrico a UIT vem definindo regras de uso eficiente do mesmo. Para tanto não só identifica quais as faixas de freqüências de uso internacional comum, mas também estabelece um desenho internacionalmente harmonizado para o uso dessas faixas, de forma a assegurar:


No caso da faixa de 2.5GHz, identificada pela UIT com a participação brasileira no ano de 2000, a UIT e a Citel
recomendam o uso harmonizado na configuração 2x70MHz FDD + 1x50MHz TDD . Essa configuração alinha-se com todos os objetivos acima, assegurando que pelo menos 140MHz do espectro (2 x 70MHz FDD) sejam adequados simultaneamente para as comunicações móveis e as comunicações fixas de longo alcance. O ideal é que toda a faixa pudesse ser FDD, mas isso não se dá por impossibilidades técnicas e econômicas.

A porção de 50MHz TDD restante é ótima  para as  comunicações fixas de curta distância (uma característica TDD), possuindo por isso mesmo um valor significativamente menor para as telecomunicações públicas, como todos os leilões internacionais de acesso ao espectro tem confirmado. A faixa TDD tem grande utilidade como complemento às aplicações FDD e também encontra uso em nichos de mercado, como nas aplicações fixas de Banda Larga para áreas de baixa densidade populacional. Não existem operações TDD públicas relevantes ao redor do mundo e isso é um fato.

Assim sendo, num primeiro passo, é necessário deixar claro que o país estará harmonizando a sua faixa de 2.5GHz às recomendações UIT (e Citel). Não só assegurando o uso eficiente do espectro como impedindo táticas de desvalorização forçada do mesmo. Vale aqui ainda ressaltar, que não existe a figura da “meia harmonização” às recomendações da UIT, como alguns defendem.

Quaisquer modificações com relação à recomendação da UIT, por menores que sejam (por exemplo, aumentar a porção de 50MHz TDD para 60MHz TDD ou mesmo 90MHz TDD, como hoje transpira pela imprensa),  destroem a possibilidade de uso realmente eficiente do espectro, exigindo, entre outros, a criação de uma indústria de terminais móveis especiais, isolada do resto do mundo. Adotar tais configurações provavelmente seria o estopim da desmontagem da indústria exportadora global de celulares, hoje existente no país.


Passo 2: Assegurando o uso do espectro em benefício da população

Tendo-se como base o uso internacionalmente harmonizado e eficiente do espectro, é necessário estabelecer-se as regras isonômicas para que todas e quaisquer operadoras possam competir pelo acesso ao espectro escasso, em absoluta condição de igualdade.Na faixa de 2.5GHz, prevista para a implanta ção da quarta geração, é recomendável que se permita o acesso a porções mínimas de espectro, sem o que, as grandes velocidades e capacidades da Banda Larga não poderão ser atendidas (100Mb/s e acima).

A recomendação é que se estimule o acesso a porções que cheguem a 20+20MHz FDD de espectro contínuo, por operadora, em sintonia com o que vem sendo praticado internacionalmente. Restrições a essa possibilidade certamente acabarão desvalorizando o espectro, uma vez que menores benefícios trarão aos usuários finais. A parte TDD mínima, por sua vez, dado o menor valor comercial dessa faixa, é usualmente fixada em função de variáveis circunstanciais, tendo variado nos leilões, de blocos de 5MHz a bloco único de 50MHz.

Quanto à área de abrangência das licenças, é possível defini-las de tal sorte que a quarta geração e suas grandes velocidades cheguem inicialmente aos grandes centros urbanos. Dessa forma os resultados iniciais do negócio das operadoras poderão financiar a sua interiorização, progressivamente. Não parece razoável planejar-se a implantação da quarta geração (e o uso do espectro FDD em 2.5GHz) desde o primeiro dia, em todos os rincões do país.

Em seguida é necessário atribuir-se um preço mínimo às porções do espectro que irão a leilão. Por preço entenda-se uma cesta de valores monetários e não monetários composta de valores a serem pagos ao Estado, inclusive em forma de promessa de cobertura mínima do novo serviço.

Cada vez mais tem sido praxe reduzir o valor monetário em favor do aumento do valor não monetário, como o aumento da cobertura do serviço, privilegiando-se, dessa forma, os interesses dos consumidores finais. Certamente outros custos não monetários podem e eventualmente devem ser estabelecidos para acesso ao espectro, como níveis de qualidade mínima do serviço, evitando que operadoras construam cobertura sem oferecer qualidade de atendimento à população.


Síntese: foco na eficiência espectral e nos benefícios para o usuário final


Com base nas melhores práticas internacionais é possível resolver de forma rápida e transparente os impasses estabelecidos na faixa de 2.5GHz, caso eles continuem persistindo:


1. Em primeiro lugar harmoniza-se o espectro às recomendações da UIT para que seu uso seja obrigatoriamente eficiente, evitando-se que táticas colusivas possam favorecer o uso ineficiente do mesmo, assim como a sua proposital desvalorização;


2. Em segundo lugar disponibiliza-se o espectro harmonizado a quaisquer operadores que maiores promessas farão no sentido de popularizar a Banda larga Wireless.  Através de leilão, por escrito e em contrato.


Simples assim.

 

Num cenário de espectro cada vez mais escasso, por mais duro que possa parecer, é necessário oferecê-lo àqueles que maior competência possuem para usá-lo na construção da banda larga massificada e em favor da prosperidade da nação. Quaisquer outros critérios de cessão de uso do espectro a atores do mundo privado tornam-se secundários diante da elevada escassez desse bem pertencente ao Estado, e dificilmente resistiriam à força dos tribunais. Tem sido assim, mundo afora.

 

Referências

 

¹UMTS Fórum – entidade promotora e facilitadora da evolução das telecomunicações para a terceira e quarta gerações das comunicações móveis, em colaboração com a UIT e outras organizações internacionais;  www.umts-forum.org


²UIT – União Internacional das Telecomunicações, órgão da ONU (Organização das Nações Unidas) e instância máxima do planejamento das Telecomunicações Mundiais.


³ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações


4Citel - Comissão Interamericana de Telecomunicações, órgão assessor especial da OEA (Organização dos Estados Americanos) para as Telecomunicações nas Américas.


5FDD - Frequency Division Duplex, método robusto de comunicações que separa a transmissão e a recepção em bandas separadas, dando-lhe uma vantagem de 3db sobre o TDD na realização de projetos de cobertura em domínio público.

 

6TDD – Time Division Duplex, método duplex de transmissão na mesma banda, otimizado para comunicações fixas e indoor, permitindo ajuste da proporção do fluxo de informações em cada sentido. Exigindo rigoroso sincronismo entre operadores adjacentes, não se mostra apropriado para grandes coberturas que, se realizadas, exigem antenas externas pelo lado do usuário.

 

 

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