Publicado: 17/04/06
Em Debate
Esta é uma nova seção do Teleco onde os seus colaboradores estarão colocando as suas posições sobre os mais variados temas do setor de telecomunicações.
Consulta Pública 682 da Anatel
Cristiano Torres do Amaral
crisweb@ig.com.br
Consulta Pública 682 da Anatel: Proposta de alteração no regulamento dos Sistemas de rádio Trunking e conseqüências para Segurança Pública.
A sociedade brasileira deve estar atenta e observar de maneira vigilante as propostas de regulamentação sugeridas pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). Neste órgão regulador verifica-se uma saudável movimentação para adequar a legislação nacional aos avanços tecnológicos do mundo moderno. Para tanto, as Consultas Públicas apresentam-se como um importante instrumento da democracia, pois com elas essa Agência recebe sugestões e críticas acerca da gestão das telecomunicações no país. Contudo, não são todos os setores da sociedade que acompanham as Consultas Públicas da ANATEL, e verifica-se um descuido de usuários e Academia neste diálogo que deveria ser constante.
Neste sentido, a ANATEL publicou no dia 14 de março do corrente ano a Consulta Pública n.º 682 que se propõe a alterar o Regulamento de Canalização das faixas de 460MHz, 800MHz e 900MHz. Este Regulamento contempla o Serviço Limitado Móvel Privado (SLMP) e o Serviço Limitado Móvel Especializado (SME), ou seja, os sistemas de radiocomunicação troncalizados (trunking) e telefone móvel com rádio incluso. Na proposta são consideradas as demandas da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (SENASP/MJ) e Polícia Federal que almejam radiofreqüências uniformizadas para utilização em âmbito nacional.
A Consulta Pública em epígrafe apresenta uma minuta da nova regulamentação, onde é possível inserir sugestões e críticas sobre a redação de cada artigo proposto. No entanto, a adoção das sugestões e críticas recebidas na minuta de resolução não é obrigatória por parte dessa Agência Reguladora, que possui plena autonomia para decidir sobre a redação final da nova resolução. Assim, mesmo que um setor da sociedade sinta-se prejudicado com as novas mudanças e apresente seus argumentos no processo de Consulta Pública, a ANATEL pode decidir por indeferir suas sugestões e desconsiderar as conseqüências das mudanças de regulamentação para aquele setor que sentiu-se prejudicado.
Nestes termos, verifica-se um cenário desolador para a Consulta Pública 682 da ANATEL, que em uma análise preliminar prejudica severamente uma parcela significativa da sociedade, em especial a Segurança Pública. Na Norma 002/1997, atualmente em vigor, existe um cuidado em reservar 230 canais para as comunicações de Segurança Pública, seja em âmbito Nacional, Estadual ou Municipal. Tal preocupação não se fez presente na minuta de resolução disposta na referida Consulta Pública. Ao contrário, a destinação de radiofreqüências limitou-se a míseros três canais na faixa de 821 a 824MHz e 866 a 869MHz conforme descrição no art. 13 do texto da proposta. O redator da referida Consulta Pública, insensível aos impactos provenientes na mudança da norma, acrescenta ainda no art. 14 da minuta:
“Art. 14 - Os sistemas que operem nas faixas de 806 MHz a 824 MHz e de 851 MHz a 869 MHz deverão empregar técnica digital de modulação. Consulta Pública n.º 682, de 14 de março de 2006”.
Tal determinação implica em severos investimentos de recursos para a mudança de tecnologia analógica, atualmente instalada, para digital. Do ponto de vista do legislador essa mudança seria muito interessante pois otimizaria o espectro de radiofreqüências e permitiria maior eficiência das comunicações. Para as empresas seria algo extraordinário, pois é a garantia efetiva que o mercado será aberto para a tecnologia digital. No entanto, aos usuários não foi questionado se existem recursos financeiros para custear esse investimento.
Os órgãos de Defesa Social, ou seja as Polícias e Corpo de Bombeiros, são usuários dos sistemas de rádio troncalizados, e possuem equipamentos analógicos instalados em todo o país. Esse parque instalado não segue um padrão nacional, e adota em cada região um sistema de comunicação definido em função do perfil sócio-econômico, e principalmente, da capacidade de cada Estado em investir na tecnologia de telecomunicações. Assim, é louvável a iniciativa da SENASP/MJ em propor uma padronização tecnológica para o setor, no entanto a ANATEL desvirtua a essência da proposta de origem, e sugere um texto esdrúxulo para a nova resolução.
A padronização do setor de radiocomunicação de Segurança Pública é polêmica no que se refere a tecnologia, pois um universo pequeno de empresas lutam para impor suas tecnologias no mercado global. As propostas de soluções digitais são embasadas nos padrões TETRA (Terrestrial Trunking Radio), TETRAPOL e o PROJETO 25. A padronização sugerida pela SENASP/MJ e ANATEL não apresenta-se como uma inovação, ao contrário, trata-se de um paradigma do setor público no âmbito das telecomunicações.
A definição de um padrão nacional de rádio digital para Segurança Pública deve ser discutida em um período de tempo muito superior ao proposto na Consulta Pública 682, ou seja, 44 dias não são suficientes para obtenção de uma solução com essa importância. Um bom exemplo é observado na Revista Radio Resource International (www.radioresourcemag.com), que em suas edições de 2006 apresenta a discussão acerca da interoperabilidade e de padrões de tecnologia abertos para o setor de radiocomunicação de Segurança Pública e redes governamentais (GRN):
“Imagine if an international standart for emergency communications – used by public safety forces in every country in the world – existed (...) The groups noted that na international standart for emergency preparedness does not currently exist, and the meeting will aim to reach na agreement applicable across industries by the International Organization for Standardization (ISO). Sandra Wendelken, Editor. (Radio Resource International, vol. 20, 2006, p.6) ”
Ainda no texto da Consulta Pública 682 da ANATEL verifica-se a adoção de inúmeros termos que sugerem a subjetividade de decisões que deveriam ser claras e objetivas, tais como “excepcionalmente”, “uso ineficiente” e “forma eficiente”. A legislação setorial não pode ser objeto de questionamento ou mesmo de nova regulamentação, isto é, trata-se de uma incoerência a necessidade normas específicas para regulamentar outras normas que deveriam ser específicas e definitivas.
Logo, ao setor de Segurança Pública, com escassos recursos de investimentos nos últimos anos, resta apenas propor para a ANATEL a mudança no infeliz texto da Consulta Pública 682, e aguardar com ansiedade a publicação definitiva da nova regulamentação. Os fornecedores de equipamentos digitais de radiocomunicação também estão ansiosos, e devem inserir propostas para antecipação do prazo de 31 de dezembro de 2010 como data limite de migração dos sistemas analógicos para digitais.
Nesta análise, deve-se supor que a SENASP/MJ e a ANATEL devem financiar os órgãos de Segurança Pública para as mudanças de tecnologia digital, haja vista que tal investimento em telecomunicações no setor público será um dos mais vultosos da história recente de um país da América do Sul. Não restam dúvidas que a atualização do setor de Segurança Pública para a tecnologia digital deverá proporcionar inúmeros benefícios para a sociedade, tais como criptografia e tráfego de dados. No entanto, toda essa tecnologia tem um custo, e no final, alguém deverá pagar a conta deste investimento. A Consulta Pública 682 estará recebendo sugestões pela internet até às 23:59 de 26 de abril de 2006, onde toda a sociedade poderá se manifestar.
Referências Bibliográficas
LUM, David. Radio Resource Magazine, vol.20, n.º 1 . Centennial: Pandata Corp, 2006, pg. 16-24.
WENDELKEN, Sandra. Radio Resource Magazine, vol.20, n.º 2. Centennial: Pandata Corp, 2006, pg. 6.
www.anatel.gov.br – Agência Nacional de Telecomunicações. www.apcointl.org – Associação Internacional de Oficiais de Comunicações Críticas (APCO). www.radioresourcemag.com – Revista de Radiocomunicação. www.project25.org – Página do Projeto de Rádio Digital proposto pela APCO. www.tetramol.com – Página do Padrão TETRA. www.tetrapol.com – Página do Padrão TETRAPOL.
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