Em Debate
Publicado: 24/09/2007
Agências Reguladoras: Autonomia Técnica ou Gestão Política?
Cristiano Torres do Amaral
cristiano.amaral@pmmg.mg.gov.br
A regulamentação das telecomunicações no Brasil teve início significativo no período republicano, quando o presidente Getúlio Vargas criou uma Comissão Técnica de Rádio para gestão setorial [1]. Essa comissão foi composta por três profissionais, sendo esses indicados pelo Exército, Marinha e Ministério da Viação e Obras Públicas. Para ocupação desses cargos foi exigido como pré-requisito mínimo a formação técnica em radioeletricidade.
Em 25 de fevereiro de 1962 surgiu o primeiro, e único, Código Brasileiro de Telecomunicações, promulgado através da Lei Federal n.º 4.117 [2]. Desde então, o planejamento estratégico neste setor tornou-se prioridade, sendo até criado um Ministério das Comunicações através do Decreto-Lei Federal n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967 [3]. Também foi criado um Departamento Nacional de Telecomunicações (DENTEL), órgão que recebeu atribuições de fiscalização das telecomunicações a partir do Decreto Federal n.º 62.236, de 08 de fevereiro de 1968, ou seja, de maneira mais organizada e profissional que a antiga Comissão Técnica de Rádio [4].
Em seguida, foi instituído o Sistema Nacional de Telecomunicações (SNT) pela Lei Federal n.º 5.792, de 11 de julho de 1972 [5]. Em linhas gerais, essa norma definiu a criação de uma holding Estatal denominada Telecomunicações Brasileiras S/A (TELEBRÁS), formada por 27 (vinte e sete) operadoras de telefonia local estaduais e uma operadora de telefonia de longa distância, essa última denominada Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A (EMBRATEL).
Neste contexto, o Ministério das Comunicações, por meio do DENTEL, por um longo período ditava as regras do setor, as quais eram aplicadas ao SNT e todo o mercado nacional de telecomunicações. Consequentemente, esse modelo sofria interferências diretas dos governantes da época, uma vez que as pessoas que ocupavam os cargos nessas instituições eram indicadas pelos políticos da esfera executiva ou legislativa. Naquele tempo até os dirigentes das operadoras de telefonia regionais eram indicados pelos governos locais [6].
Esse modelo perdurou até 1995, quando se estabeleceu no país um governo neo-liberal. Na época, o presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu um sistema econômico baseado na premissa do “Estado Mínimo”. Era um modelo de gestão que atribuiu ao Estado funções regulatórias e independentes, além de conceder à iniciativa privada a possibilidade de prestação de serviços públicos de interesse coletivo ou privado. Tratava-se de um modelo de gestão bastante sedimentado em outros países, principalmente nos Estados Unidos, que há muito tempo adotava as agências reguladoras como organismos de controle e equilíbrio nas relações comerciais em determinados segmentos da economia.
No caso das telecomunicações brasileiras, este processo teve início em 06 de junho de 1995, quando a Emenda Constitucional n.º 8 alterou o artigo 21 da Constituição Federal, permitindo a quebra do monopólio estatal nas telecomunicações e a concessão de serviços públicos às empresas privadas. No ano seguinte foi promulgada a Lei Federal n.º 9.295, com título de Lei Mínima das Telecomunicações [7], viabilizando a flexibilização do setor. Mas apenas em 1997 que foi promulgada a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), por meio da Lei Federal 9.472, de 16 julho de 1997. Esta lei se transformou na carta magna das telecomunicações no Brasil, revogou grande parte da legislação anterior e alterou parcialmente o Código Brasileiro de Telecomunicações. A LGT criou a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e definiu suas competências regulatórias no mercado nacional.
Depois disso, o Decreto Federal n.º 2.534, de 02 de abril de 1998, criou Plano Geral de Outorgas (PGO), em perfeita sintonia com o Ministério das Comunicações, que através da Portaria n.º 172, de 28 de maio de 1998, autorizou o desmantelamento da TELEBRÁS, antigo monopólio das telecomunicações brasileiras. Em 29 de julho de 1998, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro realizou 12 grandes leilões para promover o PGO, arrecadando cerca de R$ 22 bilhões de reais com a privatização das empresas de telefonia fixa e móvel[8].
Entre 1995 e 1998, o modelo de gestão das telecomunicações mudou radicalmente no país, deixando décadas de administração pautada em critérios políticos para a adoção de um gerenciamento técnico e autônomo. Em tese, era um avanço muito grande, pois os investimentos capitalizados no mercado nacional e internacional seriam garantidos pelo desenvolvimento natural do setor.
Gradualmente a ANATEL assumiu seu papel de órgão regulador, estabelecendo regras claras para investidores e consumidores de telecomunicações no país. Foram realizados concursos públicos para ocupação dos cargos temporários e estabelecidas carreiras técnicas, tudo de maneira independente dos poderes executivo e legislativo.
São 11 anos desde a publicação da Lei Mínima das Telecomunicações e os investimentos no setor não param de crescer no país. A planta básica de telefonia fixa aumentou significativamente, o número de telefones móveis aumentou geometricamente, e as emissoras de rádio e televisão aguardam ansiosas pela digitalização [9]. Do ponto de vista dos investidores, a ANATEL tem cumprido seu papel, uma vez que estabelece regras claras para o setor, transmitindo segurança para o fluxo de investimentos nas empresas de telecomunicações.
Mas nem tudo são flores, uma vez que para alguns especialistas, a ANATEL tem problemas para intermediar conflitos entre consumidores e prestadores de serviços de telecomunicações. Algumas Organizações Não-governamentais (ONGs) de defesa do consumidor alegam que a ANATEL defende apenas os interesses dos investidores do setor. Outros críticos vão além, e comentam, que em alguns segmentos, ela se preocupa mais com as arrecadações obtidas nos leilões de blocos do espectro radioelétrico, Preço Público pelo Direito de Uso da Radiofreqüência (PPDUR) e a Taxa de Fiscalização e Instalação (TFI) que a fiscalização e regulação propriamente dita. Outra polêmica é observada no caso telefones móveis (baterias e radiação), torres de telefonia celular e seus mitos difundidos na sociedade. Neste fato muitos críticos argumentam que existe um distanciamento ou uma omissão consentida da agência reguladora para as questões ambientais.
Apesar das críticas e considerando o pequeno tempo de existência deste modelo de gestão pode verificar-se alguns avanços significativos. Por exemplo, o recente arrastão de fiscalização feito em algumas regiões do país para coibir emissoras de rádio FM clandestinas que infestam os grandes centros urbanos. Além disso, e o mais importante, a adoção das doutrinas do Código de Defesa do Consumidor no novo Regulamento do Serviço Móvel Pessoal (SMP).
Com a publicação do novo regulamento do SMP [10], verifica-se que a ANATEL demorou cerca de 10 anos para acatar os clamores da sociedade por essa regulamentação. Ressalta-se ainda a regulamentação dos novos centros de atendimento ao consumidor, onde as operadoras de telefonia móvel deverão disponibilizar lojas para atendimento presencial de seus clientes, dispensando-os dos famigerados e temíveis calls-centers. São mudanças significativas, mesmo que sejam implementadas de maneira parcial e gradual.
Em síntese, tais fatos refletem o desenvolvimento da regulação independente das telecomunicações no Brasil. Houve acertos e erros que serão julgados pela sociedade no futuro. No entanto, os números recentes indicam que o desenvolvimento alcançado neste período é relevante, e foi obtido, entre outros fatores, por meio de um modelo de gestão no qual o Estado teve papel meramente regulatório.
Contudo, a sociedade assiste estarrecida a crise estabelecida no setor aéreo brasileiro nos últimos anos. Para muitos especialistas, o caos aéreo ocorreu em função de inúmeros problemas gerenciais na Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), isto é, possível incompetência de seus diretores para gerir este importante segmento da economia nacional. Mas, caso exista algum problema na gestão do setor aéreo, tal fato pode ser atribuído aos seus dirigentes? Esse problema ocorreu em função do modelo de gestão de mercado idealizado para as agências reguladoras? Seria justo atribuir um provável equívoco setorial a todo um modelo gerencial? São questões polêmicas que carecem de uma reflexão mais aprofundada.
Na atual conjuntura, o debate sobre a regulamentação das agências reguladoras é colocado à mesa no meio executivo e legislativo. O presidente da câmara, Dep. Arlindo Chinaglia (PT/SP) tem defendido na mídia mudanças nos critérios de nomeação dos dirigentes das agências. Para o ministro das Comunicações, Hélio Costa, os dirigentes das agências reguladoras não devem ser inimputáveis e por isso deveriam ser submetidos à intervenções legais. Trata-se de um discurso polêmico, o qual tem encontrado resistências até mesmo dentro do próprio governo. Por exemplo, o atual ministro da Defesa, Nelson Jobim, é mais cauteloso e assume um tom moderador, admitindo mudanças, mas que não comprometam a autonomia técnica dos órgãos reguladores, isto é, ausência de interferência política em sua administração.
Ao que tudo indica essa discussão não deve ser concluída em breve, pois tramitam na esfera legislativa algumas propostas de emendas constitucionais para regulamentação das agências reguladoras desde o início da década. Discutir a autonomia das agências reguladoras é polêmico e constrangedor, mas assumir que elas são dotadas de total perfeição ou completa incompetência é uma postura muito radical e equívoca para compreensão de uma questão essencialmente complexa.
No âmbito das telecomunicações verifica-se que a agência reguladora tem cumprido sem papel, de maneira questionável para alguns especialistas, ou louvável para outros, mas sem interferências políticas aparentes. A retrospectiva histórica sugere cautela, por isso as decisões acerca da independência das agências reguladoras devem ser tomadas à luz do conhecimento técnico, sem a pirotecnia do ambiente político.
Referências:
[1] BRASIL, Decreto n.º 20.047 – 27 de maio de 1931. Regula a execução dos serviços de radiocomunicações no território nacional.
[2] BRASIL, Lei n.º 4.117 – 27 de agosto de 1962. Código Brasileiro de Telecomunicações .
[3] BRASIL, Decreto-Lei n.º 200 – 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências.
[4] BRASIL, Decreto n.º 6.236 – 8 de fevereiro de 1968. Estabelece a estrutura básica do Ministério das Comunicações, define áreas de competência dos órgãos que a integram e dá outras providências.
[5] BRASIL, Lei n.º 5.792 – 11 de julho de 1972. Institui a política de exploração de serviços de telecomunicações, autoriza o Poder Executivo a constituir a empresa Telecomunicações Brasileiras S/A. - TELEBRÁS, e dá outras providências.
[6] PRATA, José. Sérgio Motta, o trator em ação. São Paulo: Geração Editorial, 1999.
[7] BRASIL, Lei n.º 9.295 – 19 de julho 1996. Lei Mínima das Telecomunicações.
[8] Consulta a página de internet do BNDES em 14 de outubro de 2007, no endereço eletrônico: Link Aqui
[9] Consulta a página de internet da ANATEL em 14 de outubro de 2007, no endereço eletrônico: Link Aqui
[10] ANATEL - Resolução n.º 477, de 7 de agosto de 2007. Regulamento do Serviço Móvel Pessoal.
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