Em Debate Especial: Política Industrial
Publicado em: 09/07/07
Política Industrial para Telecomunicações
Passado e presente, uma avaliação crítica
Raul Antonio Del Fiol
Diretor Presidente da Trópico Sistemas e Telecomunicações
“Em todas as economias, mesmo naquelas tidas como as mais liberais, em que prevalece a idéia do Estado mínimo, as ações dos governos são pautadas por políticas públicas com vistas à consecução de determinados objetivos e para atingir metas. No regime de livre iniciativa, os governos concretizam suas políticas industriais, de modo geral, e suas políticas tecnológicas, em particular, buscando induzir empresas a seguirem um curso de ação na direção desejada” (*).
É importante rever o passado, no mínimo para aprender com os erros cometidos e não mais repeti-los.
No setor de telecomunicações, os grandes fornecedores globais se fortaleceram graças à efetividade com que foram praticadas, de forma explícita ou não, políticas fixadas pelos governos de seus países sede. Até a primeira metade dos anos oitenta foi exercido o poder de compra pelas operadoras monopolísticas – estatais na Europa e privadas nos Estados Unidos e Canada – elegendo apenas um ou alguns poucos fornecedores nacionais, dando-lhes privilégios na aquisição de equipamentos, praticando reserva de mercado e preços que lhes permitiram competir com sucesso no mercado internacional.
Como resultado, com base inicial em seus mercados locais, as empresas tornaram-se dominantes em âmbito mundial e transformaram-se em verdadeiros símbolos de seus países. Esta política vem sendo atualmente aplicada com grande êxito pela China. Este modelo, adaptado às circunstâncias locais, foi também aplicado no Brasil.
Primeira janela de oportunidade
A primeira grande janela de oportunidade para desenvolvimento tecnológico e industrial em telecomunicações no país ocorreu nos anos setenta, com a criação do Sistema Telebrás. O governo brasileiro estabeleceu como objetivos, de forma coerente com a estratégia de redução de importações: a autonomia tecnológica, a redução dos custos de produção e instalação, a absorção de tecnologias estrangeiras e a transferência de tecnologias para indústrias controladas por capital nacional.
Um por cento do faturamento das operadoras do STB era destinado ao CPqD, a quem coube a geração, absorção e transferência de tecnologia para as indústrias locais - mediante remuneração pelo pagamento de royalties. Os produtos fabricados foram adquiridos pelas operadoras do próprio Sistema Telebrás. Em meados da primeira metade dos anos oitenta o Banco Mundial sintetizou num relatório os resultados dessa política: preços comparáveis com o mercado mundial, qualidade de acordo com padrões internacionais, indústria competitiva, necessidade de continuidade na concentração de esforços em desenvolvimento tecnológico.
Se o caminho era certo, porque não se desenvolveu uma forte indústria nacional com atuação global? Houve vários fatores que determinaram esta situação, dentre os quais se destaca o número excessivo de fabricantes para equipamentos com a mesma tecnologia nacional, competindo com os grandes fornecedores estrangeiros; estes,inicialmente com tecnologias próprias e, em alguns casos, com tecnologia transferida pelo CPqD!
Isto aconteceu devido à transformação de várias empresas estrangeiras em empresas de capital nacional, mediante redistribuição de ações, de modo que a maioria votante ficou em mãos de empresários brasileiros, embora o domínio da tecnologia e a efetiva gestão permanecessem sob controle estrangeiro. Outro fator foi não se ter dado ênfase ao mercado de exportação. O desenlace desta fase ocorreu a partir do Governo Sarney, quando critérios de natureza política partidária passaram a predominar na gestão do Sistema Telebrás e nos rumos da política industrial de telecomunicações. Como resultado, poucas empresas alicerçadas em tecnologia nacional sobreviveram.
A Lei de Informática possibilitou o surgimento de novos institutos de P&D, vinculados ou não a grandes indústrias. Apesar do volume elevado de recursos em P&D, na falta de uma definição estratégica do governo, sua aplicação vem, até hoje, sendo realizada de forma fragmentada, sem foco em grandes projetos de interesse nacional. Até o ano passado, desde a promulgação da Lei, foram aplicados mais de R$ 3 bilhões, sem que tivessem emergido produtos com grande penetração no mercado internacional.
Segunda janela de oportunidade
No processo de privatização do Sistema Telebrás, ainda que timidamente, foram estabelecidas diretrizes , coerentes com o novo ambiente, para a criação de oportunidades de investimento em desenvolvimento tecnológico e incentivos para P&D. Na Lei Geral de Telecomunicações foram previstos estímulos pela adoção de instrumentos de política creditícia, fiscal e aduaneira, foi criado o FUNTTEL, vinculado ao Ministério das Comunicações.
A preservação do CPqD foi garantida, transformado em fundação de direito privado, inicialmente com recursos assegurados por contratos de obrigações das concessionárias e recursos do FUNTTEL. Desde então o CPqD vem mantendo uma posição firme em atividades de mercado, complementadas pela execução de projetos de interesse do governo, cobertos por recursos do FUNTTEL.
A privatização poderia ter-se tornado a segunda grande janela de oportunidade para aplicação de uma política de desenvolvimento tecnológico e industrial mais eficaz, caso o objetivo maior não fosse maximizar caixa no prazo mais curto possível. O BNDES havia proposto que pelo menos 20% dos investimentos das concessionárias fossem aplicados em produtos com tecnologia desenvolvida no país. A área econômica do governo não aprovou, sob o argumento de que esta medida seria contestada na OMC e reduziria o valor ofertado nos leilões de privatização.
Porém, diante da perspectiva de opção das concessionárias por fornecedores privilegiados por suas matrizes, nos contratos de concessão foram estabelecidas condições mínimas para garantir uma justa competição no setor industrial. Assim, as concessionárias deveriam aceitar ofertas de fornecedores independentes(serviços, equipamentos e materiais), havendo equivalência (preços, condições de entrega e especificações técnicas) deveria ser dada preferência a empresas brasileiras e, nestas, preferência para produtos com tecnologia nacional. Na prática, entretanto, esta política revelou-se inócua, pois a denúncia de violação do regulamento deveria ser feita diretamente à ANATEL, pelo prejudicado ou por meio de associação de classe. Poucos ousaram fazê-lo e os que se atreveram perderam o cliente.
Terceira janela de oportunidade
O Governo Lula baixou decreto em junho 2003, com diretrizes para o desenvolvimento tecnológico e industrial para telecomunicações, basicamente definindo como obrigações do Ministério das Comunicações: estimular no setor o desenvolvimento industrial brasileiro, fomentar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico pela absorção e desenvolvimento local, norteados pelas leis do FUST e do FUNTTEL.
Em P&D deve ser dada prioridade na aplicação dos recursos do FUNTTEL para soluções voltadas preferencialmente para atendimento das necessidades e condições sócio-econômicas da população e para oportunidades geradas pela transição tecnológica e convergência. Com os recursos do FUST totalmente contingenciados desnecessário se torna qualquer consideração. Quanto ao FUNTTEL, apesar de também sofrer contingencimento, alguns projetos, em particular aqueles desenvolvidos no CPqD, vêm sendo bem sucedidos.
A política industrial voltada para a inovação surgiu recentemente, diante da constatação de que a concorrência chinesa, de forma generalizada, é a maior ameaça ao setor industrial brasileiro, dentro e fora do país. O conceito de inovação, fixado na legislação é bastante amplo: “Concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado”.
Os principais incentivos previstos abrangem o usufruto automático de benefícios fiscais, sem a necessidade de submissão dos projetos para aprovação prévia do governo federal, depreciação e amortização aceleradas, redução do IPI para equipamentos de pesquisa, crédito de imposto de renda retido na fonte sobre royalties e assistência técnica. Prevê-se também o instrumento da subvenção econômica - aporte direto de recursos públicos para projetos de inovação, mediante contrapartida das empresas beneficiárias - recursos via financiamento e mesmo por meio de participação societária.
Principalmente ao BNDES (MDIC) e à FINEP (MCT) cabe a operacionalização do financiamento aos projetos de desenvolvimento tecnológico voltados para a inovação. Cabe destacar entre as iniciativas para o desenvolvimento tecnológico o papel das Fundações de Amparo à Pesquisa, criadas em âmbito estadual, das quais a FAPESP é o exemplo mais bem sucedido.
O poder de compra do Estado, mecanismo amplamente utilizado nos países desenvolvidos, também está previsto na Lei de Inovação, na qual se estabelece a possibilidade de“ órgãos e entidades da administração pública, em matéria de interesse público, poderem contratar empresa, consórcio de empresas e entidades nacionais sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa e desenvolvimento, de reconhecida capacitação tecnológica no setor, visando à realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento, que envolvam risco tecnológico, para solução de problema técnico específico ou obtenção de produtos ou processo inovador”.
Além das políticas formais, a aplicação de contrapartidas tem se demonstrado um instrumento muito eficaz de política industrial. Por exemplo, nos processos de concessão, a inclusão de obrigações relacionadas ao desenvolvimento tecnológico e industrial no país. O Ministério das Comunicações recentemente, com êxito, utilizou-se deste mecanismo na definição do padrão para TV Digital. O BNDES já tem incluído em contratos com operadoras a disponibilidade de uma parte do financiamento, em condições vantajosas, exclusivamente para aquisição de produtos (hardware e software) com tecnologia nacional.
Em se tratando da aplicação de recursos públicos, por exemplo os recursos do FUST, quando liberados, deveriam ser condicionados à aquisição de produtos com tecnologia nacional. A FINEP deveria privilegiar projetos que, necessariamente envolvessem a atuação conjunta de Instituições Científicas e Tecnológicas e indústrias, a fim de que o resultado do desenvolvimento tecnológico fosse efetivamente transformado em produto para o mercado ou para uso da sociedade.
O arcabouço legal, agora disponível, desde que aplicado com agilidade, para que os produtos cheguem ao mercado no momento correto, pode se constituir no principal fator para que , finalmente , o país aproveite uma janela de oportunidade, desta vez aberta pela convergência nas telecomunicações.
(*) “Mecanismos de Apoio à Inovação Tecnológica”, autor Joel Weisz (PROTEC, MCT, SENAI).
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Artigo muito bom porque dá uma visão panorâmica do que ocorreu e ainda ocorre com a indústria de Telecom.
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