Em Debate Especial

Abordando uma polêmica: Telecomunicações versus Audiovisual

 

 

Eduardo Prado

Consultor

A Convergência tem impactado fortemente o mercado das comunicações pelo mundo afora.

 

O Órgão Regulador britânico de telecomunicações (Ofcom) publicou recentemente um dado interessante sobre temas emergentes no mercado de convergência em comunicações (ver relatório Communications Report 2008). Entre eles destacam-se:

Como podemos constatar, o Conteúdo e a Mobilidade serão 02 temas muito presentes nas Telecomunicações (e por conseguinte na vida da sociedade moderna) nas próximas décadas! Quem viver, verá e crerá! ... “Tem fé Tomé!”.

 

Infortunadamente, as repercussões regulatórias em face do rápido desenvolvimento dos mercados de comunicações e as múltiplas superposições (overlaps) entre conteúdo e infra-estrutura têm provocado várias polêmicas no mundo todo (nós aqui no Brasil tamos carecas de saber pois por aqui nós já temos nosso quinhão neste latifúndio que é o famoso Projeto PL 29).

 

Na Organização Mundial de Comércio – OMC (WTOWorld Trade Organization), o comércio de serviços começou a ser endereçado apenas na Rodada do Uruguai (esta foi a oitava Rodada da OMC e durou de Setembro de 1986 até Abril de 1994 - Chronology of the World Trade Organization) aonde os Serviços de Telecomunicações foram um componente importante devido ao interesse do mundo (e muito, principalmente, dos EUA) na abertura multilateral do mercado de telecomunicações (ver Telecomunicações: Condições do Brasil em Doha, Yi Shin Tang, Página 107, da publicação Comércio de serviços na OMC, Umberto Celli Junior (Coord.), Curitiba, Juruá, 2005).

 

A versão de serviço  do tratado GATT (General Agreement on Trade and Tariffs) – o GATS (General Agreement on Trade in Services) [0] – foi criada em Janeiro de 1995 como resultado da Rodada do Uruguai. Foi também nesta Rodada que foi criada a célebre – e muito polêmica – distinção entre Serviços Básicos de Telecomunicações e Serviços de Valor Adicionado (que causa muita polêmica nas “chamadas” hoje vendas casadas do Serviço de Banda Larga em ADSL e o Provedor de Acesso a Serviços de Internet (conhecido como PASI) para um assinante qualquer de banda larga naquela tecnologia (vale lembrar que o simples serviço de Autenticação feito pelo PASI é perfeitamente dispensável visto que esta Autenticação poderia ser ofertada pelo fornecedor de ADSL sem nenhuma necessidade do PASI!).

 

Além da polêmica acima (Serviço Básico de Telecom versus SVA), a Rodada do Uruguai nos brindou com a separação entre Telecomunicações & Audiovisual. Embora esta distinção setorial vertical fizesse todo o sentido para a época em que ela foi adotada no princípio das negociações dos serviços,([1] e [2]) atualmente ela soa completamente desalinhada em uma época de progressiva Convergência nas comunicações. [3] A rígida delimitação da lista de classificação W/120 acima para “Serviços de Telecomunicações” [4] e “Serviços de Audiovisual” [5] falta uma definição clara. Além do mais, os sub-cabeçalhos dos Serviços Audiovisuais são bastante amplos,[6] amontoando juntos serviços relacionados a som/música e Conteúdo visual (nenhuma distinção é feita, por exemplo, entre música e aplicações multimídia). [7]

 

É então difícil classificar alguns novos serviços (por exemplo, VoD = Video on Demand) sob qualquer uma das categorias da lista de classificação W/120.[8] Por outro lado, certos serviços de Internet poderiam satisfazer a ambos e ser categorizados como ou audiovisual, telefonia, ou serviços de transmissão de circuitos ou de pacotes, dependendo do caso particular. Existem também um número de serviços de TI (Tecnologia da Informação) propensos a Convergência que complicam este quadro. [9] Jogos Eletrônicos Online, por exemplo, poderiam ser contemplados nas categorias de “Computer and Related Services”, “Value-added Telecommunications Services”, “Entertainment” ou “Audiovisual Services”.

 

Como resultado de toda esta confusão de defeitos nas definições da classificação de serviços no GATS, alguns serviços não estão aptos a aproveitarem dos acordos feitos no setor de telecomunicações por que eles seriam classificados INADEQUADAMENTE como de radiodifusão (broadcast). [10] Enquanto ainda é debatido se o Reference Paper [11] aplica-se aos Serviços Básicos de Telecomunicações somente ou também aos Serviços de Valor Adicionado, [12] ele definitivamente ele cobre não os Serviços Audiovisuais. Estes serviços também não cobertos no Annex on Telecommunications [13] Tais limitações diminuem a efetividade dos instrumentos de telecomunicações em um ambiente de Convergência, e deixa qualquer material relacionado com Conteúdo, mas genuinamente Serviços de Transporte de Comunicações, fora do escopo das cláusulas.

 

No caso da estrutura da Comissão Européia, a implementação da distinção regulatória entre Conteúdo e Redes foi considerada como a resposta adequada para a Convergência. [14] O regime atual da Comissão Européia regula somente o último (Redes), enquanto o primeiro (i, e., as atividades relacionadas ao Conteúdo) é tratado dentro do escopo da Diretiva “Television without Frontiers” Directive (New "Audiovisual without Frontiers" Directive, 09.mar.2007 e  Television without Frontiers Directive). [15] A separação de Conteúdo/Redes, que clarifica as escolhas de Políticas em relação a estas duas esferas de atividades, talvez não seja alterada e, até mesmo, deve ser reforçada pela nova diretiva Audiovisual Media Directive da Comissão Européia. [16]

 

Vários aspectos desta separação entre Conteúdo e Redes/Distribuição dentro do espaço regulatório da Comissão Européia conflitam com as regulamentações tradicionalmente existentes de Telecomunicações/Audiovisual a nível internacional. Seria interessante ver se (e como) medidas para endereçarem os processos de Convergência seriam tomadas pela OMC – Organização Mundial de Comércio (WTOWorld Trade Organization).

 

As discussões destes tópicos é intensa na perspectiva da Comissão Européia, por que a comunidade européia é particularmente sensível ao escopo desta distinção entre Telecomunicações & Audiovisual em uma época de crescente Convergência. A Comissão Européia consequentemente não tem feito nenhum comprometimento com o Setor de Audiovisual [17] e tem agendado uma série de isenções MFN (most favourable nation) [18] como também tem declarado que não tem nenhum interesse em desistir delas [19] com o propósito de resguardar determinadas políticas culturais.

 

E a polêmica entre Telecomunicações & Audiovisual ainda continua na nona Rodada da OMC - a Rodada de Doha ... esta Rodada de negociações da OMC começou em novembro de 2001 em Doha (Qatar), com previsão de término em 2004. Até agora, esta Rodada continua (e ainda está muito enrolada em função de conflitos existentes entre Países Desnvolvidos e Países Emergentes por causa de subsídios agrícolas).

 

Tanto a Rodada do Uruguai, quanto nas negociações após esta Rodada, alcançaram-se resultados bastante  expressivos para a liberalização dos Serviços de Valor Adicionado e Serviços Básicos de Telecomunicações, como também, o acesso às redes de telecomunicações para outros serviços. Na Rodada de Doha, os países membros estão trabalhando duro para alcançar níveis maiores de liberalização.

 

Ao contrário da Rodada do Uruguai aonde os serviços de telecomunicações estrearam pela primeira vez, a Rodada de Doha, já começou a endereçar alguns tópicos mais evoluídos como a Convergência em telecomunicações.

 

Embora a Rodada do Uruguai e as negociações posteriores tivessem  tido um relativo sucesso, ainda existia muito espaço para alcançar progressivamente níveis maiores de liberalização nas negociações de Doha, expandindo o número e escopo dos comprometimentos multilaterias, como também, removendo as limitações existentes.

 

Existem 03 itens de classificação que podem ser endereçados nas negociações de telecomunicações em Doha, a saber: (1) a adequação da classificação W/120 existente na Rodada do Uruguai (ver Tabela 1.1 aqui; WTO S/C/W/74, 8 December 1998  e  Services Sectoral Classification List, MTN.GNS/W/120, WTO, 10.jul.1991) dos serviços dada a Convergência dos serviços de telecomunicações; (2) a cobertura de novos serviços de telecomunicações em função de comprometimentos existentes; e (3) a classificação dos “Serviços de Acesso de Internet” como Serviços Básicos de Telecomunicações ou Serviços de Valor Adicionado (ver Índice do The WTO and Global Convergence in Telecommunications and Audio-Visual Services, Proceedings of Cambridge University Press, 2004). Nesta matéria trataremos aqui apenas o item (1).

 

Convergência de Serviços de Telecomunicações .... o primeiro item de classificação que pode ser endereçado nas negociações de Doha é o impacto da Convergência tecnológica na classificação dos serviços de telecomunicações da classificação W/120 (ver  Secretariat Note on Telecommunication Services, S/C/W/74  at paragrahs 8-10 and 33 e  GATS Council-Special Session, Communication from Chile, The Negotiations on Trade in Services, S/CSS/W/88, 14 May 2001).

 

Na economia moderna, as empresas de telecomunicações estão aumentando cada vez mais o investimento em redes, buscando ofertar um grande leque de serviços integrados (voz, dados, e vídeo) através de uma variedade de tecnologias utilizando plataformas sem fio (fixa, móvel, terrestre, e satélite) e fixa (ver Market Access in Telecommunications and Complementary Services: The WTO´s Role in Accelerating the Development of a Globally Networked Economy, S/CSS/W/30, 18 Dec. 2000). Os serviços móveis e fixos, estão sendo combinados, os serviços de telefonia de voz estão sendo ofertados via Internet (telefonia IP), e novos sistemas de comunicação via satélite estão sendo implantados. Distinções entre Serviços Básicos de Telecomunicações e Serviços de Valor Adicionado como também distinções entre os tipos específicos destes 02 estão tornando-se difíceis de serem mantidas (ver  Secretariat Note on Telecommunication Services, S/C/W/74  at paragrahs 9-10).

 

Apesar desta realidade, o Conselho do GATS não tem endereçado seriamente o assunto de classificação dos Serviços de Telecomunicações. A dificuldade em distinguir entre os diferentes sub-setores de telecomunicações é composta pela Convergência dos serviços de telecomunicações com os serviços computacionais e serviços de áudiovisual (ver  Secretariat Note on Telecommunication Services, S/C/W/74  at paragrah 11).  Os serviços de web hosting e application service provider  (ASP) são, por exemplo, uma combinação de vários sub-setores de serviços computacionais (e outros relacionados) com serviços de telecomunicações (ver GATS Council, Communication from the EC, Negotiating Proposal on Computer and Related Services, S/CSC/W/35, 24 Oct. 2002). O Video on Demand (VoD) sobre a Internet é uma combinação de serviços de telecomunicações e serviços audiovisuais. A distinção entre Conteúdo e Distribuição é um dos temas onde os negociadores de diversos países têm se esforçado bastante – por razões óbvias – com ela, desde a Rodada do Uruguai e, continua a provocar fortes posições dos Países Membros, particularmente entre aqueles com “sensibilidades culturais”.

 

Na referência  GATS Council, Background Note on Audiovisual Services, S/C/W/40 de 15 June 1998  é explicado que especialmente para a sub-categoria de Serviços de Transmissão de Rádio e Televisão (CPC 7524), torna-se algumas vezes difícil determinar a fronteira entre os serviços classificados como telecomunicações e aqueles classificados como serviços audiovisuais.  A Comunidade Européia, por exemplo, tem argumentado que: “Os serviços de telecomunicações são o transporte de sinais eletro-magnéticos – som, imagem de dados e combinação deles, excluindo o broadcasting.  Portanto, os comprometimentos neste cronograma não cobrem a atividade econômica de fornecimento de conteúdo que requer serviços de telecomunicações para o seu transporte. O fornecimento daquele conteúdo, transportado via um serviço de telecomunicações, está sujeito a comprometimentos  específicos empreendidos pela Comunidade Européia e seus países membros em outros setores relevantes”. Mas outros países Membros, como por exemplo o EUA, não concordam que uma diferenciação clara entre telecomunicações e conteúdo é apropriada no mundo digital (ver The WTO and Global Convergence in Telecommunications and Audio-visual Services, Damien Geradin and David Luff, Cambridge University Press, 2001 from Google Library).

 

E para finalizar gostaríamos de levantar a seguinte questão: E se um determinado País Membro do GATS não cumprir o acordo celebrado com os outros Países Membros, o que acontece com ele? NADA ... não existe nenhuma sanção para um País  Membro que não cumpra um acordo do GATS! Convém ressaltar apenas que,  não é “inteligente” um País Membro não seguir uma ratificação internacional deste quilate pois em um cenário típico de telecomunicações & alta tecnologia (não estamos falando aqui de proteção a exportação de produtos agrícolas!), a QUASE TOTALIDADE da indústria mundial estará atuando nesta direção.

 

Não seguir um caminho desta estirpe tecnológica, significa ficar a deriva do cenário mundial e também ultrapassado em termos de uma economia digital.[20] Ainda tem uma outra situação sui generis tais como: o caso do País Membro que não adere a um acordo e, depois, toma uma série de atitudes aderentes ao acordo ratificado no GATS. Este foi o caso do Brasil na Rodada do Uruguai. Nosso país (juntamente com “outros grandes companheiros” como Cingapura, Filipinas, Dominica e Papua Nova Guiné ... você conhecia estas pérolas de Dominica e Papua Nova Guiné? Não? Pois é né!) não ratificaram o Quarto Protocolo desta Rodada.

 

Para compreender o que que estamos falando, ver na referência -  Telecomunicações: Condições do Brasil em Doha, Yi Shin Tang, Página 107, da publicação Comércio de serviços na OMC, Umberto Celli Junior (Coord.), Curitiba, Juruá, 2005 - as posições do nosso país em relação a diversos tópicos importantes dos serviços de telecomunicações, a saber: no item 3.2.1 nas páginas 116-117 a nossa posição sobre os Compromissos sobre participação estrangeira: acesso a mercado e tratamento nacional; no item 3.2.2.1 na página 120 a nossa posição sobre o Controle de Ilícitos Concorrenciais: as Salvaguardas de Concorrência; no item 3.2.2.2 nas páginas 121-122 a nossa posição sobre Interconexão e Obrigação de Compartilhamento de Infra-Estrutura; no item 3.2.2.3 na página 123 a nossa posição sobre a Universalização e Licenciamento; e no item 3.2.2.4 na página 124 a nossa posição sobre a Autoridade Reguladora Independente.

 

Gente ... pois é ... “Desde que Mundo é Mundo e Madalena é Madalena” muita “água ainda vai rolar debaixo desta ponte”. A polêmica entre Telecomunicações & Audiovisual ainda vai ser muito forte, os 02 grupos que têm interesse no assunto são muito fortes – Distribuição (Telecomunicações) & Mídia (Conteúdo) – e ambos têm muito traquejo e know-how no trato com o consumidor final.

 

Esperamos que Governo Federal veja que o assunto é bem mais complexo que o tal do PL29 e que tente ajudar a nossa sociedade brasileira para que ela não fique a deriva desta sociedade da informação que se delineia no mundo. E finalmente, vamos orar para que Deus ilumine a “mente de grande estrategista internacional” do Nosso Guia (sic!) (veja aqui a Carta que Sérgio Motta mandou para Lula, de Élio Gaspari no Blog Imprensa Marron).

 

Consulte também as recentes referências sobre o artigo!

 

Eduardo Prado é Publisher da Revista de WiMAX.

 

 

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