Em Debate Especial

Balanço da Regulamentação de Telecomunicações

Série especial com a visão dos advogados sobre a Regulamentação de Telecomunicações do Brasil a ser publicada no Teleco.

 

 

O Modelo Setorial e os Novos Desafios.

 

 

Eduardo Augusto de Oliveira Ramires

 

Sócio do Escritório de Advocacia Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques – Advocacia

 

Publicado em: 03/01/05

 

 

Um balanço do modelo de regulação setorial inaugurado pela Emenda Constitucional nro. 8/95 e consolidado com a edição da Lei Geral de Telecomunicações (Lei nro. 9.472/97), deveria começar constatando que a implementação daqueles marcos institucionais produziu avanços fundamentais nos dois sentidos eleitos como pilares da organização setorial: a universalização dos serviços considerados essenciais e a ampla competição entre os prestadores. De fato, o serviço eleito para ser universalizado, o Serviço Telefônico Fixo Comutado - STFC, nunca foi tão acessível, em que pesem as circunstâncias que impedem uma redução substancial de seus preços e, por outro lado, formaram-se mercados extensos de serviços de telecomunicações em ambiente largamente competitivo, tais como os serviços móveis e os serviços fixos de longa distância.

 

Para um balanço prospectivo da regulação setorial, entretanto, é fundamental anotar não apenas os êxitos, mas as dificuldades enfrentadas pelo modelo, tanto em relação às expectativas geradas na sua formulação, como em relação aos novos desafios postos pela evolução tecnológica.

 

Para uma visão abrangente das questões que animam o debate atual do setor, dividimos nossa análise em dois planos: o institucional onde se debate o papel da Agência reguladora e o da estratégia regulatória onde se colocam as tarefas específicas da regulação do setor de telecomunicações.

 

Sob uma perspectiva institucional caberia reconhecer, sobretudo no setor de telecomunicações, o sucesso do modelo de "regulação setorial independente", entendido como aquele baseado na delimitação legal do setor de atividade econômica regulado, nas competências da Agência de Regulação Independente para a promoção do equilíbrio setorial, e demais objetivos determinados pelas políticas públicas produzidas no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo, por meio do manejo de poderes normativos, de fiscalização administrativa e de arbitragem de conflitos intra-setoriais.

 

O setor de telecomunicações assistiu, nos últimos anos, um exemplo formidável de sucesso na definição de políticas de estado de longo prazo, fixadas pelo Congresso Nacional, com a estruturação legislativa do setor para a transição entre o monopólio público e o futuro regime de competição controlada, seguido por definições de política governamental que elegeram determinadas estratégias para a privatização dos ativos, a realização de investimentos em infra-estruturas, e etc. O formato institucional de desenvolvimento das políticas públicas para o setor, portanto, mostraram-se bastante adequados, a despeito das eventuais discordâncias com as estratégias circunstancialmente adotadas.

 

A despeito do inegável sucesso daquele arranjo institucional, o fato é que seus contornos legais encontram-se em cheque no Projeto de Lei n. 3337/04 elaborado com o propósito de regulamentar o modelo institucional das agências reguladoras no Brasil. Argumentando-se com a necessidade de 'recuperar' para o Poder Executivo a competência para a formulação de políticas públicas para o setor, propõe-se a redução significativa da autonomia de ação das Agências em geral e da Anatel em especial, com destaque para a supressão de sua competência para promover a outorga do direito de exploração dos serviços (sejam concessões, permissões ou autorizações), passando o Executivo a exercer, diretamente, o papel de Poder Concedente, hoje atribuído à Agência, entre outras modificações cuja tônica reside em ampliar o condicionamento da capacidade de atuação da Agência às decisões do Poder Executivo central.

 

Ao lado dessa perspectiva de redução da 'independência' de ação regulatória da Agência vem se colocando problema não menos grave que é o comprometimento da autonomia orçamentária da Agência através do contingenciamento de seus fundos orçamentários específicos, circunstância que vem impedindo o funcionamento adequado das Agências de Regulação Setorial , em geral, a despeito da existência de recursos orçamentários arrecadados exclusivamente com a finalidade de promover seu pleno funcionamento.

 

As mudanças propostas representam um evidente recuo ao antigo modelo das autarquias de fiscalização setorial com suas conhecidas limitações, com destaque para sua excessiva sensibilidade para as vicissitudes da política palaciana e a maior complexidade do processo de tomada de decisões (leia-se maior suscetibilidade às injunções gerais da política partidária e, portanto, decisões mais demoradas e menos direcionadas à economia setorial, redundando em menos capacidade de decisão).

 

Antes mesmo de abordar as questões mais específicas do setor de telecomunicações, portanto, é mister ressaltar que o desempenho recente da Anatel no desenvolvimento de suas competências para a regulação do setor jamais justificaria o recuo pretendido, antes indicaria um aprofundamento da implementação dos mecanismos institucionais de tomada de decisões regulatórias independentes, que deveriam tornar-se cada vez mais rápidas e públicas, uma exigência fundamental para a manutenção dos níveis desejáveis de investimento e inovação no setor de telecomunicações.

 

Para a produção de políticas públicas não faltam competências institucionais, nem tarefas urgentes aos Poderes Executivo e Legislativo. A digitalização iminente das redes de suporte dos serviços de radiodifusão de sons e imagens e as possibilidades da internet nos colocam diante da necessidade urgente de um cenário institucional futuro para o setor de comunicações como um todo. É urgente a formulação de uma proposta de organização econômica e institucional do setor que assegure a evolução para as novas possibilidades abertas pelo desenvolvimento tecnológico. A formulação desse cenário institucional e das etapas que deverão se suceder é uma tarefa para o Executivo e para o Legislativo, cabendo à Agência municiar e favorecer esse processo.

 

Tarefa não menos urgente no plano institucional reside na formulação de políticas de inclusão digital e na implementação efetiva do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações - FUST, mais um dos vultosos recursos específicos do setor que aguarda o emprego adequado às finalidades pelas quais foi arrecadado.

 

Ainda no plano institucional, não poderíamos deixar de mencionar a inaceitável eleição pelos Estados Membros da Federação, dos serviços de telecomunicações, ao lado de outros serviços e produtos essenciais como eletricidade e derivados de petróleo, para veículos de uma arrecadação fiscal exorbitante, inibidora do desenvolvimento e promotora de exclusão social.

 

Anote-se, a propósito, que esse desprezo solene pelo caráter estratégico dos serviços públicos essenciais para a inclusão social e para o desenvolvimento econômico, permanece ignorado no debate público e, ao invés de arrefecer, como seria de se esperar da unanimidade política em prol da inclusão social e do desenvolvimento econômico, vem recrudescendo, com o aumento reiterado das alíquotas que já chegam a representar entre 40% e 62,9% do valor final da conta de telefonia /1/.

 

Trata-se de um grave problema institucional, em que se condiciona o acesso dos consumidores aos serviços e produtos essenciais às conveniências da arrecadação fiscal. Desarmar essa armadilha fiscal é um dos maiores desafios para a universalização dos serviços de telecomunicações no Brasil de hoje.

 

No plano da estratégia regulatória em vista das expectativas que cercaram a formulação da regulação vigente é usual mencionar-se que as maiores dificuldades enfrentadas pelo modelo se revelaram na promoção da competição, sobretudo no mercado de telefônica fixa local, ainda excessivamente concentrado. O que nem sempre se tem presente, entretanto, é o fato de que a opção estratégica adotada - à época da implementação inicial do Modelo - foi no sentido de incentivar, fortemente, os investimentos em redes e infra-estruturas, vinculando a possibilidade de exploração de novos mercados (via novos serviços e novas áreas de prestação) ao cumprimento das metas de universalização do STFC, estas, por sua vez, fixadas em termos ambiciosos.

 

A política, nesse caso, partiu do diagnóstico - indiscutivelmente correto -, de que o País necessitava, àquela altura, de substanciais investimentos em infra-estruturas para que a oferta dos serviços pudesse alcançar a demanda desatendida.

 

A ênfase na competição baseada em infra-estruturas marcou a etapa inicial da implantação do modelo de regulação setorial como um todo, determinando a exigência de obrigações de cobertura de rede, mesmo por parte de operadores autorizados, e a multiplicação de redes como forma de surgimento da competição. O resultado, como já se mencionou, foi o incremento formidável da oferta de serviços e a razoável diversificação dos prestadores, dentro dos limites do mercado existente.

 

Uma vez atendida a demanda existente (ou o mercado existente) seja pelo incremento da oferta tradicional, seja pelo surgimento de novos produtos e novas soluções tecnológicas, mais baratas, coloca-se a questão dos limites de crescimento do mercado de consumo dos serviços de telecomunicações, determinado pela relação entre os preços e a renda disponível aos usuários. Para manter os níveis de crescimento do setor, portanto, será necessário que a estratégia regulatória controle a expansão dos custos, com olhos para as possibilidades de expansão do mercado e o incremento do acesso ao serviço universal.

 

Uma conseqüência importante da tônica regulatória nos investimentos em infra-estruturas é a pressão sobre os preços por parte dos 'custos regulatórios' (via investimentos obrigatórios e obrigações acessórias), que a partir de certos níveis acaba por produzir efeitos negativos desproporcionais com as vantagens perseguidas, tais como inibir o ingresso de novos prestadores, inibir reduções mais significativas nos preços nos segmentos de mercado mais concorridos e manter elevados os preços nos mercados menos concorridos.

 

É fundamental compreender que a regulação implica em custos que serão refletidos na tarifas de público. A ênfase regulatória no incremento de redes e infra-estruturas ou nos níveis de serviço, portanto, deve ser cotejada com os objetivos de acessibilidade dos serviços ao público. A existência de volumosos estoques de linhas fixas, remanescentes dos investimentos exigidos pelas metas de universalização do STFC, representa uma demonstração eloqüente da medida em que o custo dos serviços estabelece uma barreira para o acesso do usuário. Não basta haver disponibilidade do serviço se os preços não são compatíveis com a renda de quem deles necessita. Já nesse ponto se vê que a estratégia da regulação setorial passa por um momento de inflexão.

 

O incremento do acesso de novos usuários aos serviços dependerá, crescentemente, da redução dos preços e da inovação tecnológica. Dessa forma, a proporcionalidade entre os benefícios e os ônus produzidos pela regulação deverá ocupar um lugar central na preocupação do regulador, sob pena de que o objetivo primacial da universalização do acesso se veja prejudicado por objetivos secundários ou acessórios como o incremento de obrigações regulatórias as mais diversas, entre as quais se destaca a limitação do ingresso de prestadores no mercado.

 

Embora seja inegável o sucesso do enfoque estratégico na competição baseada em infra-estruturas até o presente, os conflitos e as decisões que hoje se colocam diante do Regulador exigem uma maior ênfase nas técnicas de incentivo à "competição baseada em serviços", tais como a regulamentação da 'oferta de atacado' para revenda ( Wholesale Resale ) ou a cessão de uso da linha de assinante ( Local Loop Unbundling ), ou a fixação de tarifas de interconexão orientadas a custos incrementais de longo prazo ( Long Term Incremental Custs ), a portabilidade do número do terminal de assinante, etc., todas essas técnicas que já se encontram na agenda da Agência e do Poder Executivo, mas que demandam uma mudança geral do enfoque estratégico da regulação para que venham a produzir os efeitos esperados.

 

A estratégia regulatória baseada na ênfase na "competição baseada em serviços" exige uma desregulação crescente do ingresso de novos operadores no mercado. Veja-se, para tanto, o modelo adotado no âmbito da União Européia que dispensa a necessidade de prévia autorização para o ingresso no mercado de telecomunicações, bastando a prévia comunicação ao órgão regulador do início e das características das atividades do prestador.

 

A regulação com ênfase na "competição baseada em serviços", portanto, tende a priorizar os controles sobre a camada de provimento de infra-estruturas da cadeia de valor da indústria de telecomunicações, buscando acentuar a tendência de desagregação vertical impulsionada pela convergência tecnológica das plataformas, ao mesmo tempo em que tende a relaxar os controles sobre a camada da prestação dos serviços, onde se espera que a multiplicação dos agentes produza o equilíbrio típico do mercado competitivo.

 

Essa perspectiva regulatória, por outro lado, é aquela aparentemente mais adequada ao enfrentamento dos desafios colocados pelo fenômeno da convergência tecnológica das plataformas de suporte aos serviços de telecomunicações.

 

Na medida em que os padrões tecnológicos das infra-estruturas se padronizam, as possibilidades de inovação e aprimoramento dos serviços passam a depender da variedade dos serviços finais, ou de sua orientação às necessidades específicas dos nichos de mercado. A regulação orientada para esse futuro deveria garantir os mais diversos arranjos possíveis na "camada dos serviços" da cadeia de valor, a fim de viabilizar inovações e investimentos. A detalhada delimitação regulatória de cada modalidade de serviço, portanto, tende a se tornar um empecilho cada vez mais evidente ao desenvolvimento setorial. Nesse ponto, nossa cultura jurídica excessivamente apegada às formas será de pouca valia e deverá nos propor permanecermos aferrados à noções como a de 'telefonia fixa comutada' pelas próximas décadas.

 

Em resumo, entendemos que a despeito do balanço largamente positivo da regulação vigente no setor de telecomunicações, a manutenção do processo de investimento e crescimento acelerado, até hoje experimentado do setor, dependerá da adoção de novas e importantes definições regulatórias. No plano institucional esperamos pelo aprimoramento da regulação setorial independente, reconhecendo as vantagens do caráter independente das Agências, sem prejuízo algum para o desenvolvimento das grandes tarefas de formulação de políticas públicas que se encontram na agenda do Executivo e do Legislativo, sobretudo, a imprescindível definição do futuro arranjo econômico e institucional do setor de comunicação como um todo, projetando as bases para a ampla competição e diversidade de informação que se espera do futuro. No plano da estratégia da Regulação Setorial se espera a habilidade na mudança do enfoque para o incentivo da 'competição baseada em serviços' e a perspectiva de ampla competição entre as diversas modalidades de serviços no futuro, pautando-se o debate em torno da eventual necessidade de reforma legislativa ou de reformulação de políticas públicas.

 

 

/1/ Levantamento feito pela Folha de São Paulo, pela jornalista Elvira Lobato, e publicado em 25/12/2004, mostra que 14 Estados aumentaram o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre a conta telefônica nos últimos cinco anos. O Rio de Janeiro e mais seis Estados do Nordeste consideraram o serviço "supérfluo" e aumentaram a alíquota para financiar os fundos estaduais de combate à pobreza.

O levantamento da Folha mostra que seis Estados elevaram sua alíquota para 27% (Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Norte e Sergipe). Goiás passou para 26%, Pernambuco para 28%. Rio de Janeiro, Pará e Mato Grosso se nivelaram no patamar de 30%, que em janeiro passa a valer também na Paraíba. Rondônia subiu para 35%. Acre e Piauí, que cobravam 17%, estão no grupo dos 14 Estados que cobram 25%. Em Rondônia, os impostos representam 62,9% do valor do serviço faturado pela empresa concessionária de telefonia local, a Brasil Telecom. A alíquota é de 35%, mas o impacto do ICMS no bolso do consumidor é muito maior, por causa da forma de cálculo, chamada "cobrança por dentro". Nos Estados com alíquota de 25%, como São Paulo, o impacto real é de 40,1%.

 

 

Eduardo Augusto de Oliveira Ramires é Sócio do Escritório de Advocacia Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques – Advocacia.

 

 

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