14/07/2008
Em Debate
O Processo de Alteração das Metas de Universalização
Flávia Lefèvre Guimarães
Advogada
No dia 7 de abril deste ano foi editado o Decreto Presidencial 6.424, por meio do qual foi alterado o Plano Geral de Metas de Universalização – PGMU, do Sistema de Telefonia Fixa Comutada – o STFC.
Já em 2003, foi editado o Decreto 4.769 que traz, além de obrigações relativas a acessos individuais e coletivos – mantidas pelo recente Decreto 6.424, de 7 de abril de 2008, as obrigações consistentes na ativação de Postos de Serviços de Telecomunicações, contando com Terminais de Uso Público (TUP’s) e Terminais de Acesso Público (TAP’s) à internet, e possibilitando o atendimento pessoal ao consumidor, que, depois da alteração legal, os PST’s só serão implementados em áreas rurais. Segundo estimativas apresentadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e empresas, seriam instalados mais de 8 mil PST’s. Essas metas deveriam ser implementadas paulatinamente a partir de janeiro de 2007 e alcançar todos os municípios até 2011.
Ocorreu que as concessionárias, que mal tinham acabado de assinar as prorrogações dos contratos, em dezembro de 2005, começaram a fazer um lobby pesado, por meio da Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (ABRAFIX), junto ao Ministério das Comunicações, com a finalidade de se liberarem da obrigação dos PST’s e trocarem essas obrigações pela construção de uma rede de acesso (denominada pelo Decreto Presidencial de backhaul) ao serviço de comunicação de dados – o grande filão do mercado.
Ou seja, as concessionárias esperaram a prorrogação dos contratos de concessão, que lhes garante posição privilegiada quanto ao uso dos backbones até 2025, para, então, passarem a envidar esforços junto ao Ministério das Comunicações ( MINICOM), no sentido de se livrarem da obrigação de instalação dos PST’s, com o objetivo de criarem condições para SE utilizarem dos recursos do próprio STFC e do Fundo Social das Telecomunicações (FUST, art. 81, LGT), para estenderem suas redes de suporte para o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). Foi assim que surgiu a negociação, exitosa, diga-se, para as concessionárias, incluindo os backhauls nos contratos de concessão, na condição de metas de universalização.
Para promover troca dos PST’s pelos backhauls, acordadas entre o Governo e as concessionárias em novembro de 2007, foi instaurada a Consulta Pública 842/2007, cujo prazo para apresentação de contribuições pela sociedade foi de 10 dias. Além disso, a ANATEL não disponibilizou nenhum estudo técnico ou econômico, para justificar o ganho social com a mudança ou a equivalência econômica entre os custos de implantação dos PST’s e dos backhauls.
Concluída a consulta pública, a minuta dos aditamentos, firmados para formalizar a concordância das empresas com a alteração das metas, trazia cláusula onde expressamente se incluíam os backhauls na lista de bens reversíveis, expressa no Anexo I aos contratos de concessão.
De acordo com o art. 35, da LGT, cabe ao Conselho Consultivo da ANATEL (CC) opinar sobre as metas de universalização, antes que o Decreto que o estabeleça seja editado, por força do que, depois de mais de um ano sem se reunir, o CC, no dia 18 de março deste ano, foi convocado e recebeu a incumbência de se pronunciar até o dia 25 do mesmo mês a respeito da alteração das metas de universalização nos termos definidos pela ANATEL.
Da relação de documentos encaminhados ao CC constava a minuta do aditamento com a cláusula que garantia segurança sobre a reversibilidade dos backhauls. Todavia, os estudos de viabilidade econômica, essenciais para demonstrar que não estaria ocorrendo desequilíbrio em desfavor do interesse público não foram encaminhados ao Conselho. Diga-se, aliás, que até hoje os custos dos PST’s ainda não foram apresentados à sociedade.
Para piorar a lista das graves ilegalidades que reveste todo o processo de alteração das metas, frisamos que dos aditamentos assinados pelas concessionárias foram extirpadas as cláusulas que garantiam a reversibilidade dos backhauls ao final da concessão.
Por solicitação do CC, funcionário da agência esteve presente em reunião, quando pediu desculpas por ter sido enviada para análise minuta que não correspondia àquela que, de fato, seria e foi assinada. Na mesma ocasião, informou que a decisão de retirada da cláusula teria se dado por Circuito Deliberativo ocorrido no dia 7 de abril – véspera da cerimônia de assinatura dos aditivos, e insistiu que o receio sobre a situação de insegurança não se justificava, pois havia consenso quanto à reversibilidade dos bens. Surpreendentemente, o mesmo funcionário, dias depois desta reunião, havia se demitido da agência e trabalha hoje para a ABRAFIX, que, por sua vez, tem se pronunciado publicamente no sentido de que a reversibilidade do backhaul não é ponto pacífico.
Levantando as contribuições apresentadas pela Oi, CTBC e Telesp, durante a consulta pública, encontramos o seguinte texto (contribuição n° 32, ID 34224): “O anexo 1 do Contrato de Concessão já contempla todos os bens e equipamentos que podem ser considerados reversíveis, independentemente se utilizados para atendimento dos compromissos de universalização ou não, vez que relacionam todos aquelesindispensáveis para a prestação do serviço. Incluir este novo item ao rol de bens reversíveis pode abrir um precedente para que no futuro outros bens que possam ser agregados a outros compromissos de universalização,mas não indispensáveis a prestação dos serviços sejam equivocadamente classificados como tal”.
Ou seja, o documento oficial das concessionárias deixa muito claro, ainda em novembro de 2007, que os backhauls, por não serem indispensáveis para a prestação do STFC, não poderiam ser classificados como bens reversíveis. Porém, injustificada e surpreendentemente, o parecer emitido pela Advocacia Geral da União (AGU), a respeito da alteração que lhe fora apresentada pela ANATEL, afirma que a retirada da cláusula éirrelevante, com base na justificativa da Oi, que compartilha da mesma linha de entendimento da Telesp e CTBC.
Ora, o backhaul não é mesmo essencial para o STFC. A despeito de o Decreto 6.424/2008, defini-lo como “infra-estrutura de rede de suporte do STFC para conexão em banda larga, interligando as redes de acesso ao backbone da operadora”, sabemos que a telefonia fixa não depende do backhaul para funcionar. Sendo assim, nos termos do art. 100, da LGT e da cláusula 22.1 dos contratos de concessão, os bens só retornam para o patrimônio da União ao termo do contrato, aqueles que foremindispensáveis para a prestação da telefonia fixa ou se estiveremexpressamente descritos na lista de bens reversíveis.
A legalidade da troca das metas já está sob a apreciação do Poder Judiciário, posto que é ilegal subsidiar serviço prestado em regime privado com recursos provenientes da exploração do serviço prestado em regime público (art. 103, § 2°, da LGT). A Pro Teste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor ajuizou Ação Civil Pública, pois entende que, além de ilegal, a troca é socialmente injusta, pois há estados do Brasil, como o Maranhão, onde a teledensidade dos acessos individuais não chega a 7 telefones por cada 100 habitantes; a teledensidade média do Brasil, segundo a ANATEL, é de menos de 21%. Ou seja, promovida a universalização da infra-estrutura, que de fato é essencial para o STFC, em virtude do que sempre se justificou o alto preço da assinatura básica, milhões de brasileiros foram excluídos da condição de consumidores de um serviço essencial. Assim, agora seria o momento de se reduzir o valor das tarifas e não de se impor novas obrigações às concessionárias, que servirão, como sempre ocorreu, de justificativa para a manutenção do valor inadequado das tarifas ao poder de compra da grande maioria dos cidadãos brasileiros.
Resta agora ao Ministério Público Federal apurar os fortes indícios de improbidade administrativa. Discordamos da AGU, pois o tema sobre a retirada da cláusula de reversibilidade dos aditivos assinados não é irrelevante. Ao contrário, estamos tratando da utilização de recursos públicos para financiar uma rede que, os riscos são muito grandes, ao final da concessão, poderá ficar incorporada ao patrimônio das empresas privadas.
Além disso, não podemos deixar de reconhecer que a alteração se deu de forma sorrateira e sem respeitar a transparência e o princípio da impessoalidade, pois, sem licitação, concedeu-se às concessionárias a possibilidade de implementarem uma nova infra-estrutura para o serviço de dados, em detrimento da abertura do mercado para novos agentes econômicos.
Além disso, essa alteração é a base para que se concretizem novas alterações no Plano Geral de Outorgas, pois será a construção dos backhauls na região da BROi (fusão da Brasil Telecom com a Oi), que justificará a utilização dos recursos do FUST para a extensão da rede de banda larga. Portanto, é extremamente prejudicial que as duas discussões estejam ocorrendo de forma estanque, pois a segmentação cria uma cortina de fumaça a impedir que a sociedade identifique as reais intenções do Governo e das empresas envolvidas.
O apagão do serviço de dados da Telefonica e os mais novos capítulos envolvendo o Sr. Daniel Dantas, Oportunity e empresas de Telecom são fortes sinais de que a prudência nesse momento é a melhor conselheira. Esperamos que a ANATEL e o MINICOM estejam sensíveis para as perplexidades que poderão acometer suas ações e/ou omissões e escutem a voz da cautela e a voz do povo; afinal, o Brasil é um país de todos!
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O artigo da Doutora Flávia Lefèvre sobre a alteração das metas de universalização do STFC é muito apropriado e oportuno, não só por trazer à discussão a questão da troca de PST’s, essenciais a consumidores e cidadãos, por Backhauls que até a presente data não esta bem claro o que é, mas também por servir como alerta de que esta havendo um retrocesso por parte da agência reguladora no que refere-se aos direitos dos cidadãos.
Quem tiver a oportunidade de fazer uma breve análise comparativa entre o Plano Geral de Metas de Universalização(PGMU) de 1.998, e os posteriores, 2003 e 2008, constatará com desalento, que diversas alterações foram cometidas que atenderam exclusivamente o interesse empresarial, citando-se como exemplo a telefonia pública (TUP’s) que tinham como uma das metas estabelecidas a densidade telefônica de 8,0/1000 habitantes, foi acintosamente reduzida para 6,0/1000 habitantes.
Cabe às instituições de fiscalização mobilizarem-se no sentido de estancar e até mesmo reverter este forte movimento que vem ‘atropelando’ o devido respeito que se deve aos interesses sociais.
Boa tarde,
Em primeiro lugar gostaria de parabenizar a a Drª Flávia pela excelente matéria.
Às vezes me sinto como uma sardinha no meio de um mar de tubarões. É muito bom saber que ainda existem pessoas esclarecidas dispostas a expor todas as falcatruas operadas pelo governo.
É inadmissível que hoje, na era do esclarecimento (graças a Internet), ainda sejamos vítimas das falácias de uns poucos políticos (ou não) integrantes do primeiro escalão. As pessoas que deveriam estar zelando pelo interesse da sociedade limitam-se a defenderem os interesses das grandes companhias telefônicas. Eu me pergunto, já sabendo a resposta, o que (quanto) eles ganham com isto? Não pode ser pensando no bem estar da coletividade que descaradamente mudam regulamentos e violam leis para favorecer uma minoria.
O Brasil continua sendo terra de ninguém, ou melhor, de uns poucos. E nós brasileiros continuamos a nos vestir de pierrôs.
E que levante a mão aqueles que acreditam que as metas e obrigações exigidas na privatização serão cumpridas (que por sinal são os mesmos que acreditam em papai noel e coelhinho da páscoa).
Parabéns novamente e deixa eu ir me trocar antes que pensem que não sou mais brasileiro.
Comentário de Ricardo Lopes Sanchez
Presidente da Abrappit
O artigo da Dra. Flávia demonstra que temas de grande importância para a sociedade brasileira, como a alteração do Plano Geral de Metas de Universalização - PGMU e o Plano Geral de Outorgas - PGO, estão sendo discutidos em separados o que dificulta a percepção do conjunto das alterações. Além disso, a forma como foram conduzidas a Consulta Publica e a Audiência Publica da alteração do PGMU, consagra a falta de transparência no processo, o que prejudica o debate com a sociedade.
Assim, o artigo reforça a necessidade de repensar, enquanto governo, os mecanismos adotados para participação da sociedade ( Consulta Pública e Audiência Pública) e a forma como estão sendo conduzidos pelas instituições.
Dra. Flávia parabéns pela clareza e objetividade do artigo.
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