03/09/2007
Em Debate Especial: Licenças de Serviços de Telecomunicações
Manter a rota é essencial
Francisco Valim
Presidente da Experian América Latina e da Serasa Experian
Os brasileiros experimentam hoje os benefícios de acompanhar em tempo real toda transformação que a convergência tecnológica proporciona no mundo inteiro. Renovação de métodos de trabalho, agilidade, velocidade da informação, inclusão social e digital, mobilidade e, conseqüentemente, desenvolvimento socioeconômico são possíveis graças à facilidade de acesso.
As empresas que acreditaram no potencial do mercado brasileiro e investiram em infra-estrutura e operação das redes convergentes desempenharam papel fundamental na construção dessa nova realidade. No entanto, tudo não seria viável em tão pouco tempo se a legislação e a agência reguladora das telecomunicações no país não garantissem que as regras do jogo fossem cumpridas, criando um cenário propício para atrair novos investimentos.
A privatização do setor de telecomunicações teve como principal objetivo a universalização do acesso a partir do equilíbrio de forças no mercado. A universalização foi cumprida, porém o monopólio herdado pelas concessionárias fixas locais prevaleceu. As empresas-espelhos, idealizadas como alternativa de concorrência para os grandes grupos econômicos que herdaram as redes e os clientes do antigo sistema Telebrás, não tiveram fôlego para cumprir seu papel. Conseqüentemente, o grau de concentração de mercado que as concessionárias fixas locais detém hoje no Brasil ainda é altíssimo e representa uma ameaça ao desenvolvimento socioeconômico.
Expansão dos serviços, diversidade de ofertas e queda do preço ao consumidor são conquistas de um processo que garante a igualdade de condições, guardadas as proporções de capacidade de investimento. Se alguns participantes defendem a idéia de total reformulação na Lei Geral das Telecomunicações – sob o velado argumento de atualização – é porque defendem também a manutenção do monopólio econômico e da proximidade com o cliente. Ou seja, concentração de poder.
Num futuro não tão distante, será por meio da banda larga que voz, dados e vídeo trafegarão. Hoje, as plataformas que possibilitam a banda larga são as que carregam outros serviços de informação. Pesquisas recentes revelam que a penetração do acesso em banda larga no mundo inteiro é de 5,5%. Desse total, 66% são suportados por redes ADSL, 22% por redes de cabo, 11% por fibra ótica e 1% por tecnologias alternativas.
Um modelo de concorrência no qual uma única empresa detém todas as formas de acesso à banda larga nunca irá incentivar a competição, atrair novos investidores e garantir qualidade e preços acessíveis ao consumidor. Essa constatação deixa claro que não há nenhum motivo que justifique mudança de rota neste momento.
A facilidade do acesso está ameaçada e o desafio hoje não é diferente daquele que tivemos na época da privatização do setor: continua sendo incentivar a competição de modo a garantir o acesso, agora à banda larga. Aqueles que concentram as plataformas convergentes de diferentes tecnologias são detentores do acesso e das ofertas, o que é altamente danoso à concorrência isonômica. Configura-se o retrocesso em relação ao desenvolvimento.
A revisão dos aspectos regulatórios só se faz necessária à medida que os processos avançam. Uma possível revisão, portanto, deveria privilegiar a legislação da concorrência de plataformas tecnológicas para, em um segundo momento, formatar a legislação regulatória. Isso quer dizer que, para se garantir a continuidade do desenvolvimento socioeconômico e o acesso à informação em todas as classes sociais, é imperativa criação de um ambiente competitivo no qual players de diferentes tamanhos tenham igualdade de condições com plataformas distintas (Cabo, DSL, WiMax, 3G etc.).
O equilíbrio de oferta como resultado da justa competição, sem a concentração de poder, é o melhor recurso para se acelerar o crescimento do acesso em banda larga. Mas como conquistar esse equilíbrio?
Recentemente, a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo realizou um profundo estudo sobre esse tema a pedido das empresas NET e Sky. A conclusão da FGV-SP é que, para proporcionar a competição isonômica no mercado de telecomunicações em longo prazo, é necessária a implantação de algumas regras em etapas.
A primeira delas é definir claramente as regras de interação da operadora que detém poder de mercado significativo (no caso do Brasil, as concessionárias fixas locais) com as demais empresas que desejam competir no mesmo segmento. O ambiente ideal projetado pela FGV-SP é a restrição de uma única plataforma por empresa, aliada à restrição temporária às concessionárias fixas locais de ofertar serviços de TV por assinatura em suas áreas de concessão. Essa assimetria é necessária porque essas concessionárias detêm a base de clientes e as redes abrangentes que estão instaladas nas residências.
Outras variantes de grande poder de abertura de mercado são regras claras e efetivas de unbundling e da portabilidade numérica, que contribuiriam muito para fomentar o ambiente competitivo. Hoje, a prática de unbundling é inviável e a portabilidade numérica ainda engatinha no Brasil.
No âmbito da agência reguladora, uma das possibilidades de avanço previstas pela FGV-SP seria mais autonomia para solução de controvérsias e mais interação com outros órgãos fiscalizadores como, por exemplo, o CADE.
Definido esse ambiente, amadurecido o mercado com o sucesso da primeira fase, aí sim poderíamos dar um segundo passo para a concorrência salutar, ao se eliminar as barreiras impostas. O quadro, então, se configura na plena competição entre as plataformas tecnológicas. Porém, se a primeira etapa não obtiver sucesso por qualquer motivo, a estratégia de competição não surtirá o efeito esperado, uma vez que as concessionárias de telefonia fixa têm condições para aproveitar as imensas vantagens competitivas que possuem e dificultar a expansão de plataformas alternativas de serviços.
Essa tese se confirma pela experiência internacional, a qual provou que a competição entre plataformas tecnológicas diferentes, controladas por grupos econômicos distintos, é diretriz eficaz para a disseminação da banda larga. E a plataforma convergente que tem a banda larga proporciona qualquer outro serviço.
A análise elaborada pela FGV-SP destaca, por exemplo, as conclusões da International Telecommunications Union (ITU) sobre políticas de incentivo à difusão da banda larga – o “Promoting Broadband”. A ITU deixa claro que diferenças na taxa de adoção da banda larga entre diversos países se explicam, em grande parte, pelo ambiente de competição inter-modal (ou inter-plataforma).
O caso de Portugal ilustra bem essa conclusão. Se a rede pública de telefonia e a maior rede de TV por assinatura do país fossem de propriedade de grupos distintos, o preço do acesso em banda larga poderia cair pelo menos 14%. A estimativa foi publicada no estudo “The Impact on Broadband Access to the Internet of the Dual Ownership of Telephone and Cable Networks”, de autoria de Pedro Pereira e Tiago Ribeiro. A Portugal Telecom detém 75% do mercado de banda larga do país, com penetração de aproximadamente 10%. Com preço mais baixo, o acesso seria maior.
Outro resultado interessante, também destacado pela FGV-SP, é o do estudo “Strategy and Policy Consultants Network Ltd. – Broadband markets in the EU: the importance of dynamic competition to market growth”, de 2006, que relaciona a penetração da banda larga com o grau de concentração de mercado interplataforma (medido pelo índice HHI – Herfindhal-Hirschman Index). Em uma amostra de 21 países europeus, concluiu-se que, se todos eles tivessem uma concentração de mercado tão baixa quanto a da Suécia, haveria um ganho de aproximadamente 20 milhões de novos acessos, e a penetração de banda larga nesses países subiria de 14,9% para 18,2% em média.
Logo, percebe-se que a concentração do mercado, indubitavelmente, é nociva ao consumidor e ao desenvolvimento. O mercado de telecomunicações está num momento crucial, no qual as decisões determinarão o futuro não só das empresas do setor, mas do modelo de concorrência que desejamos para nosso País. Nesse ponto, há consenso: o melhor modelo é o que proporcionará ao consumidor capacidade de escolha no longo prazo e várias opções de preços, infra-estruturas, serviços diferenciados e qualidade.
Modelos que reforçam a condição monopolista de algumas empresas só trarão prejuízos ao consumidor final e ao desenvolvimento do Brasil no logo prazo.
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