12/06/08
Em Debate Especial: P.G.O.
As mudanças do Plano Geral de Outorgas
Renato Navarro Guerreiro Consultor em telecomunicações e ex- presidente da Anatel
Com relação ao Plano Geral de Outorgas a LGT já previa (Artigos 201 e 202, § 1°) que a transferência de controle entre empresas que atuassem em áreas de concessão distintas poderia ocorrer, decorridos cinco anos da privatização, se a Anatel considerasse que tal transferência não fosse mais considerada necessária para o cumprimento do PGO.
Tal possibilidade foi prevista para que a avassaladora evolução do setor não fosse obstaculada, no Brasil, por uma regra rígida, não condizente com o processo de transformação das telecomunicações no mundo.
Para tanto era necessário que, em 2003, quando se completaram os cinco anos previstos na LGT, o executivo tivesse realizado uma avaliação das perspectivas das telecomunicações no mundo e desenhasse um novo plano, que deveria ter sido usado como base na prorrogação dos Contratos, ocorrida no final de 2005.
Agora, passados mais de dois anos da prorrogação dos Contratos de Concessão, o Executivo, não só redefine as metas de universalização que já deveriam estar sendo implantadas desde 2006, como iniciou um processo de discussão das regras que orientam a modelagem do mercado brasileiro de telecomunicações, no que se refere à telefonia fixa, que deveriam ter sido fixadas, da mesma forma que o PGMU, antes da prorrogação dos Contratos, dado que afetam de forma relevante as perspectivas de negócio das empresas.
Pior ainda, ao invés de assumir a liderança do processo de discussão, o Executivo se omite e estimula que os agentes interessados, no caso as concessionárias, representadas pela Abrafix (Associação que as reúne), solicitem mudanças no PGO. Ora, o PGO é o instrumento que deve explicitar as políticas públicas setoriais, cuja concepção é de responsabilidade do Executivo. Assim, qualquer mudança no Modelo de Mercado deve responder ao interesse público, o que pode inclusive recomendar a mudança que favoreça a aquisição do Brasil Telecom pela Telemar/Oi.
Aliás, essa proposta não parece ser indesejável, sob vários pontos de vista que se avalie a questão: hoje, no mundo todo, as empresas de telecomunicações passam por um forte processo de consolidação, decorrente, principalmente, da evolução tecnológica que tem favorecido a convergência de redes e serviços, tornando as plataformas capazes de prover os mais diferentes serviços; na América Latina, de forma legítima, ocorre um processo de concentração liderado pela Telefônica, da Espanha, e pela Telmex, do México, que no Brasil controlam a Telesp/Vivo e a Embratel/Claro, respectivamente, deixando as duas outras grandes empresas que atuam no mercado brasileiro (Brasil Telecom e Oi) fragilizadas, sob o ponto de vista da capacidade competitiva. A nova empresa resultante da consolidação da Oi e da BrT passaria a deter cerca de 10% do mercado latino-americano, enquanto a Telefônica já detém 25% e a Telmex, 35%.
A Brasil Telecom e a Oi atuam, no Brasil, em alguns mercados de bom potencial econômico, porém, são as únicas responsáveis pelo atendimento das regiões mais carentes do território brasileiro, representadas por partes importantes das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, onde as telecomunicações são infra-estrutura fundamental para ajudar a alavancar o desenvolvimento econômico e social desses pedaços mais desassistidos do nosso País.
Por outro lado, a Oi e a Brasil Telecom, reunidas, adquirem um pouco mais de musculatura, que permitirá que a nova empresa se lance numa ação competitiva mais forte no mercado mais rico do país – o Estado de São Paulo – o que deverá estimular a Telefônica a ter uma atuação mais efetiva fora de São Paulo, fortalecendo a competição, o que certamente trará benefícios para os usuários do serviço.
Ainda mais, tendo como foco a América Latina, há que se oferecer condições para que a nova empresa possa se lançar nesse mercado para ampliar sua atuação de forma a criar uma infra-estrutura de telecomunicações que possa servir de plataforma para a difusão de produtos áudio-visuais e outros conteúdos em língua portuguesa, que já vem sendo produzidos no Brasil, com qualidade reconhecida em todo o mundo. Nas comunicações modernas os conteúdos assumem importância muito maior que o transporte.
Como se vê, as questões mais relevantes que envolvem o setor atualmente são substancialmente diferentes das prevalentes em 1998, daí porque se torna imprescindível que novas políticas públicas sejam estabelecidas para o setor, por intermédio de um novo PGO, com uma visão contemporânea, bem definida no escopo e no tempo e tendo como motivação o interesse público, alinhando os resultados que se pretende sejam alcançados.
As motivações devem ser, essencialmente, decorrentes dos benefícios e vantagens que poderão advir para a sociedade e para o País, representadas pelas novas políticas públicas. Questões como, por exemplo: a) promover um novo avanço para as telecomunicações e ampliar os investimentos; b) consolidar a competição; c) ampliar as vantagens que podem ser oferecidas aos usuários; d) fortalecer compromissos com a indústria brasileira de equipamentos e de conteúdos; e, e) alavancar a internacionalização da empresa brasileira resultante da aquisição da BrT pela Oi, devem ser objeto de reflexão pelo Executivo no estabelecimento das políticas públicas.
Isso tudo demonstra que uma atualização do PGO, assim como foi feito para o PGMU, é imperiosa! Só assim continuaremos a avançar nas telecomunicações brasileiras, respondendo pronta e adequadamente aos anseios da sociedade, refletidos nas políticas públicas que devem orientar o setor.
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Renato,
Sua apresentação no Teleco é magistral, e bem fundamentada tanto na sua experiência como numa visão global do que passa no mundo das TICs é muito oportuno, como foram suas intervenções num seminário recente do Instituto FHC.
Concordo com o que diz, e lamento a falta de visão dos governantes que deixaram só para agora tarefas que deveriam ter sido realizados anos atrás como previsto no LGT.
Porem, acho que sua exposição deve ser estendida a três assuntos que são fundamentais tanto para o debate atual como para criar uma moldura para debates que devem vir. Oxalá juntos, nos próximos meses: (1) a questão do unbundling (desagregação), (2) a tributação excessiva do setor das telecomunicações, e (3) o futuro do Fust, que foi concebido exatamente para fomentar a universalização de serviços de telecomunicações é só tem servido para fazer superávit primário (outro objetivo legítimo, mas não para ser realizado com um instrumento estratégico para o desenvolvimento socioeconômico, que é o Fust).
Sobre o unbundling, parece que é resistido pelas operadoras em tudo o mundo, mas é fundamental para a universalização da banda larga e a concorrência ampliada que você corretamente advoga. Ajudará a baixar os preços excessivamente altos, permitindo que um compartilhamento de redes, a entrada de provedores médios e pequenos onde as grandes não querem ainda entrar para servir mercados ainda não atrativos para os incumbents – e pode ser negociado com as operadoras no contexto maior do PGOU, PL 29, licitação ainda a vir do segundo lote terrestre do Gesac, e a legislação atualmente parado na Câmara dos Deputados (o Lei do Senador Mercadante sobre uso de recursos do Fust, e outras que tem visão mais amplo).
A questão da tributação excessiva, que contribui aos preços excessivamente altos do setor e vai contra os objetivos de inclusão digital dos governos em todos os níveis da federação brasileira, pode ser tratado dentro do PEC de reforma tributária que vaga pelo congresso. Merece mais destaque num debate maior sobre o papel das telecomunicações num projeto nacional de desenvolvimento socioeconômico que tem o uso intensivo das TICs como um de seus eixos principais, o que venho tentando fazer em matérias publicadas (exemplo no Banco Hoje de abril deste ano, anexo), com outras inclusive internacionais a serem publicadas em breve.
O Fust foi contemplado no LGT, e formalizado em legislação específica no ano 2000. Mas esta legislação deve ser modificada para permitir o uso do Fust para a meta de universalização mais importante de hoje – da banda larga. Assim existem vários PLs no Congresso, e entendo que já que o de Mercadante passou o Senado, seria o PL dele que deve ser o foco de discussão na Câmara agora. Foi contemplado por Julio Semeghini a formação de um Comitê Especial para agilizar o tratamento deste importante PL na Câmara, mas do que sei, até agora não saiu por falta de assinatura do Presidente da Câmara. Porque é um mistério, que pode ter atrás dele a voracidade do Leão (leia-se SRF) que não quer perder esta fonte de recursos para alcançar outro objetivo legítimo, a formação do superávit primário.
Acho que estes diversos assuntos devem ser enfocados na moldura de um debate geral sobre o papel das TICs no desenvolvimento socioeconômico, um tema que tratamos no Programa e-Brasil e Decálogo do Candidato e-Brasil e no livro que os contem, e-Desenvolvimento no Brasil e no mundo – subsídios e Programa e-Brasil (São Caetano do Sul, SP:Yendis e Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, 2007) (veja http://www.e-brasil.org.br/portal/defmod_brasil.aspx?p=42&n=87) .
Se o Governo Federal não provocar este debate, como deve ter feito (como você bem explica na sua matéria no Teleco), cabe ao setor TIC e os especialistas que pensam estrategicamente sobre temas de desenvolvimento socioeconômico nacional fomentá-lo. Acho que sua matéria é um excelente começo – parabéns.
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