Em Debate Especial: Licenças de Serviços de Telecomunicações
Publicado: 20/08/07
Licença Única
José Fernandes Pauletti
Presidente Executivo da ABRAFIX e Vice-Presidente da TELEBRASIL.
Introdução
Desde os anos 1960, as tecnologias de comunicação e informação passam por um processo constante e acelerado de modificações radicais. A origem dessas transformações está na chamada revolução digital, isto é, o fenômeno da digitalização, caracterizado pela discrição do sinal analógico através da codificação dos sinais em seqüência de bits, que contribuiu para unir em uma única plataforma as diversas qualidades (voz, sons, dados, imagens) da informação transportada.
Foi esse avanço que deu origem à convergência tecnológica, que está dissolvendo as fronteiras entre as telecomunicações, a comunicação de massa e a informática. As diferentes tecnologias que eram necessárias para as várias transmissões analógicas – telégrafo para texto, telefonia para voz, radiodifusão para sons e imagens etc, - estão sendo substituídos por redes digitais integradas de usos múltiplos, como por cabo ótico, satélites ou rádio digital – eles próprios avanços tecnológicos fundamentais.
A convergência de redes passa por três estágios de evolução. Na plataforma dos anos 1990, os usuários usavam dispositivos separados com funções distintas. Nas plataformas atuais o usuário usa dispositivos cada vez mais intercambiáveis. Por exemplo: televisão digital, terminais pessoais de computador, terminais de videoconferência, telefones fixos ou móveis, transmissão de dados, etc). Nas plataformas do futuro, as redes convergirão para uma plataforma única, ainda não foi alcançada em nosso momento histórico por limitações de ordem técnica e econômica.
A digitalização dos conteúdos faz com que, do ponto de vista técnico, eles sejam todos iguais. Desse modo, uma mesma infra-estrutura abarca diversos serviços de telecomunicação, independentemente do tipo de informação a ser processada (voz, áudio, vídeo ou dados). Entende-se por serviço de telecomunicação, segundo o Regulamento dos Serviços de Telecomunicações da Anatel (RST – Resolução 73/98):
“O conjunto de atividades que possibilita a oferta de transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meio ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza”.
União Internacional de Telecomunicações (UIT)
De acordo com um estudo divulgado no ano passado pela UIT , é preciso seguir um caminho que permita uma boa evolução normativa, adaptando-se as legislações aos novos serviços, e fazendo-se um movimento gradual na direção de uma estrutura regulatória completamente nova. O estudo cita como exemplo a União Européia, com suas diretrizes.
Segundo a UIT, se os problemas não podem ser resolvidos com o atual modelo regulatório, pode ser necessário repensar as legislações analisando-se caso a caso, como forma de antever possíveis mudanças maiores. Para a UIT, quando uma reforma institucional torna-se necessária, seu objetivo deve ser claro e voltado à estabilidade, mas uma regulação de redes deve ser unificada e flexível, com melhoras sensíveis na legislação específica de competição.
Sobre um órgão regulador eficiente, a orientação geral da UIT é se mover em direção a um regulador convergente, tal como no Reino Unido após a criação da OFCOM. Para a UIT, a principal tendência para os assuntos regulatórios será se mover de leis ex-ante específicas ao setor em direção à aplicação ex-post das leis de competição.
A instituição considera que a convergência está levando a um novo mercado e que todos os competidores devem ser autorizados a operar sob as mesmas regras; e, assim, as atuais assimetrias na regulação (por exemplo, obrigações específicas a operadores com poder significante no mercado) devem ser gradualmente retiradas, possivelmente com a introdução de sunset clauses .
A UIT destaca ainda que a convergência entre serviços de telecomunicações tradicionais, serviços multimídia e elementos de tecnologia da informação já está ocorrendo em quase todos os países desenvolvidos. Segundo ela, os novos modelos regulatórios devem ser definidos a tempo, para serem eficientes.
A UIT recomenda, como forma de ação, proceder às reformas regulatórias com uma abordagem que leve em consideração o futuro. De acordo com o referido estudo, o período de transição, definido como o tempo no qual implementar reformas regulatórias, está se encurtando. Ela ainda recomenda proceder a uma regulação tecnologicamente neutra e incluir a regulação de convergência na política e planos de desenvolvimento atuais.
Tomando-se como base os resultados da pesquisa anual de regulação tecnológica da UIT realizada em 2003, vários aspectos regulatórios da convergência estão destacados nos exemplos abaixo.
Brasil e a Anatel
No Brasil, as outorgas de serviços de telecomunicações autorizam a exploração do acesso e / ou da infra-estrutura. Um importante impacto da convergência no arcabouço regulatório brasileiro seria a substituição do regime tradicional de licenças para um regime de licenças convergente.
Mas, antes de estabelecer uma licença única de serviço, a Anatel tem defendido, em declarações públicas de alguns de seus conselheiros, uma transição com a redução das atuais 36 licenças de serviços de telecomunicações para apenas quatro: STFC, SMP, SCEMA (que englobaria os serviços de TV a cabo, MMDS e DTH) e SCM.
A agência também vê a possibilidade de se eliminar a necessidade de emissão de licença para serviços de interesse restrito, abrindo a qualquer um a possibilidade de oferecê-los sem sua chancela. No entanto, os interessados teriam que seguir as regras implementadas.
Para instituir essas medidas, a agência não precisará de revisão legal, já que a Anatel tem competência para definir as outorgas. Contudo, restrições impostas em regulamentos da agência ou nos contratos de concessão terão que ser resolvidas.
Até o final do ano, a Anatel pretende, ao que consta, apresentar uma proposta de licença única às empresas do setor, com o intuito de atualizar o marco regulatório das telecomunicações. A agência tem ressaltado que uma eventual simplificação das licenças não significa que as operadoras terão liberdade irrestrita de atuação.
Segundo a Anatel, as operadoras continuarão submetidas às regras definidas pelo órgão regulador, mas espera-se que haja benefícios mútuos: a agência menos sobrecarregada e, enquanto isso, o potencial surgimento de verdadeiras empresas convergentes de telecomunicações, com possibilidade de atuar em vários segmentos com uma única licença.
Conclusão
A convergência tecnológica faz com que os limites entre as diversas licenças fiquem cada vez menos nítidos. Desta realidade emerge a inevitável fusão, no tempo, das antigas políticas setoriais em uma única política de comunicações.
Embora no Brasil o reconhecimento público dessa nova realidade só comece a ser discutido com propriedade agora, no resto do mundo já existem exemplos a serem considerados. Na União Européia um novo modelo regulatório foi adotado, como forma de responder à tendência convergente, cobrindo todas as redes de comunicação eletrônica e serviços em seu escopo.
A característica principal do novo sistema é que um modelo regulatório coerente será aplicado a todas as infra-estruturas de telecomunicações, não importando os tipos de serviços que por ela passam.
O novo modelo, assim, cobre todas as redes de comunicação eletrônica (incluindo aquelas utilizadas para carregar conteúdo de radiodifusão, como redes de TV a cabo, redes de radiodifusão por via terrestre e via satélite), estruturas compartilhadas e serviços de comunicações eletrônicas.
Cumpre ressaltar que serviços de conteúdo não são cobertos pelo modelo. Assim a regulação de conteúdo difundido por meio de redes de comunicação (ex: programas de rádio e TV) permanece fora do escopo do modelo.
Esse movimento da União Européia tende a reforçar uma tendência mundial de se adotar licenças convergentes, abandonando-se o regime tradicional de licenciamento. Examinemos, ainda que brevemente, o que já acontece em alguns países:
Em suma, a convergência tecnológica poderá promover substantivas mudanças nos diversos ambientes normativos das comunicações brasileiras: Constituição, leis, regulamentos, contratos de concessão, planos de outorgas, dentre outros dispositivos, que poderão ser revistos.
Mas, por ora, todo esse cenário de mudanças normativas potenciais, que poderão culminar na idéia da licença única, permanece restrito fundamentalmente ao órgão regulador, e a um ou outro foro eventual em que se discutem questões setoriais.
A Abrafix está estudando o tema, visto se tratar de uma questão normativa central para o desenvolvimento econômico sustentado das comunicações brasileiras, convergentes, nos próximos anos.
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