Em Debate

Publicado: 29/10/2007

 

 

 

Televisão Digital no Brasil:
Os mitos por trás de uma escolha

Parte 2

 

 

José Roberto Bollis Gimenez

Gerente Geral de Redes da UNESP

Parte 1 :: Parte 2

 

Críticas à escolha do padrão brasileiro

 

No início da década de 70 o Brasil realizou um processo para a definição de um padrão para a transmissão de sinais de TV em cores. Este processo culminou com a definição do padrão PAL-M sob a justificativa de que este era um padrão tecnicamente superior. Devo concordar que era mesmo, pois incorporava algumas inovações para correção de desvio de fase da portadora de croma.

 

É possível que com isso os brasileiros assistiram a imagens de melhor qualidade nos últimos 30 anos, embora este diferencial técnico não seja muito perceptível na tela da TV. Porém, tiveram que amargar os problemas de incompatibilidade de sistema quando surgiram os primeiros aparelhos de vídeo cassete, que eram NTSC e necessitavam de conversores para serem utilizados.

 

Na década de 80 surgiu no Brasil uma verdadeira indústria de transcodificação, que adaptava aparelhos de vídeo importados, com saída NTSC, para o padrão de vídeo PAL-M. A mesma coisa se repetiu quando surgiram os primeiros vídeo games. Os DVDs já não encontraram este problema, por que a partir de certo momento os fabricantes brasileiros passaram a incorporar dois sistemas de cores nos televisores nacionais.

 

O Brasil insiste em repetir os mesmos erros do passado. Em breve os computadores portáteis terão todos um módulo para recepção de sinais de Televisão Digital. Não é necessário ter muita imaginação para prever isso, além de muitas outras facilidades que a convergência digital deve trazer muito em breve. Infelizmente, o brasileiro estará novamente sujeito aos inconvenientes da incompatibilidade de sistemas e escravo da extorsão de preços praticada pelo mercado nacional.

 

É possível que os produtos brasileiros passem a incorporar vários padrões para minimizar os efeitos dessa escolha. Porém, os países que adotaram padrões consagrados dificilmente pensarão em compatibilizar seus produtos com a nossa escolha. Por sorte o Japão é um grande exportador de produtos eletrônicos, de forma que ao menos os produtos de origem japonesa terão compatibilidade com o nosso sistema.

 

Muito se tem especulado sobre a opção brasileira, inclusive dizendo que o padrão escolhido beneficiaria tecnicamente as grandes emissoras de TV. É certo que houve um lobby muito forte destas emissoras e de todas as grandes corporações interessadas na nova tecnologia de televisão, porém, não é verdade que o padrão ISDB traria alguma vantagem técnica que poderia privilegiar este ou aquele setor.

 

Os fabricantes estão capacitados a produzir equipamentos qualquer que seja o padrão escolhido, não havendo razão para se preocuparem. As grandes emissoras, que claramente exerceram as maiores pressões em favor desse padrão, também teriam o mesmo trabalho e as mesmas dificuldades, não importando a particular escolha. Na certa teriam que se valer de fornecedores diferentes para se equiparem, e esta sim seria uma boa razão.

 

Talvez a maior preocupação das grandes emissoras é que surgisse alguma idéia inovadora que alterasse totalmente o modelo de retransmissão de sinais de vídeo adotado atualmente no país para algo mais eficaz e que mudasse o paradigma de distribuição existente.

 

Modelos que aproveitassem os recursos disponíveis pelas empresas de telecomunicações, que criassem novos atores no cenário da distribuição de sinais, ou que permitissem que os canais fossem transportados em bloco até o consumidor final, criando uma TV aberta nos mesmos moldes técnicos que funciona a TV por assinatura.

 

Entretanto, não obstante o clima de suspeita que acometeu todo o processo de escolha, houve ao menos uma pessoa que deixou sua posição absolutamente clara depois de encerrado o processo de escolha.

 

Foi o ministro das comunicações que, se esquecendo de sua função à frente de uma pasta que representa o poder público, passou a defender sem qualquer pudor os interesses das emissoras de TV, pretendendo alterar o padrão já escolhido de forma a incluir um mecanismo DRM, de proteção à cópia.

 

A pretensão do ministro, de incluir um mecanismo proprietário de restrição tecnológica em um sistema público de radiodifusão representa uma apoteose cômica para um processo iniciado sob a quixotesca bandeira da "inclusão digital".

 

É preciso ter bem claro o que é uma TV aberta e nunca esquecer que seus detentores são agentes que receberam uma concessão do estado para entretenimento público. Aquilo que passa na TV aberta é para ser público. E sendo público, o consumidor tem o direito de gravar. E tendo gravado, ele tem o direito de fazer edições para guardar este material da forma que melhor lhe aprouver.

 

Por outro lado, é um absurdo que um ministro de estado pactue com idéias que ferem frontalmente o direito dos consumidores. Quem adquire um equipamento para efetuar gravações pessoais tem o direito de usá-lo plenamente e de decidir sobre o que deseja e o que não deseja gravar. Não é a emissora que deve governar estas decisões, e sim o expectador.

 

Querer que ele pague mais caro para ter um sistema que somente funciona quando a emissora deseja é um disparate somente comparável ao de considerar a gravação de TV aberta como uma ação de pirataria. Ou então de imaginar que pirataria se combate com aborrecimentos aos consumidores.

 

O estado atual do sistema de Televisão Digital

 

Segundo o cronograma oficial de implantação da Televisão Digital no Brasil, as primeiras transmissões deverão ocorrer em dezembro deste ano, começando pela cidade de São Paulo.

 

Espera-se que em 10 anos o sistema analógico, atualmente em uso, esteja totalmente convertido e possa ser desativado. Durante este período as emissoras deverão realizar duas emissões: uma para os receptores convencionais e outra para os equipamentos digitais.

 

Ainda não existem televisores disponíveis para a recepção dos sinais digitais. Inicialmente as transmissões, que deverão privilegiar HDTV, serão recebidas usando-se set-top-boxes: pequenas caixas que convertem o sinal digital recebido pela antena para sinal de vídeo, a ser aplicado aos televisores.

 

Os receptores de plasma ou de LCD atualmente disponíveis nas lojas, mesmo aqueles que possuem alta definição, não serão suficientes para a recepção destes sinais, pois em geral não se adaptam ao padrão de Televisão Digital definido para o Brasil.

 

Conclusão

 

Muito embora o processo de definição do padrão de Televisão Digital tenha pecado no estabelecimento de seus objetivos e sofrido uma excessiva interferência de interesses alheios ao da população, é possível que o Brasil ainda assim tenha feito uma boa escolha.

 

Em meu entender um processo de padronização deve buscar a compatibilidade dos sistemas ao nível mais elevado possível, para que os consumidores obtenham plena utilização de seus equipamentos. Essa deveria ser a principal meta a ser perseguida.

 

Entretanto, pouca atenção foi dada a este aspecto, chegando-se ao extremo da principal autoridade envolvida no processo propor mecanismos para restrição, para bloqueio, para evitar que funcione, em uma total inversão do que se devia esperar de um mecanismo constituído para a definição de um padrão aberto.

 

Não acredito que a investida do ministro Hélio Costa contra a liberdade dos consumidores venha a ter êxito pelo flagrante absurdo que ela representa, mas fica uma sensação de que a sociedade deveria ter mais controle sobre questões de seu interesse, especialmente quando aspectos de complexidade técnica estão envolvidos.

 

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