25/11/2013

Em Debate

 

Construindo uma Infraestrutura Regional para o Futuro da Internet na América Latina

 

Dr. Raul Katz

 

Presidente da Telecom Advisory Services, LLC

Dr. Ernesto Flores-Roux

 

Diretor da Telecom Advisory Services, LLC.

 

Colaboraram Maria Cristina Duarte, Fernando Callorda, e Taylor Berry, consultores da Telecom Advisory Services LLC.

 

Introdução

 

A Internet tem sido fundamental para o desenvolvimento econômico e social. Como resultado, o tráfego de Internet tem crescido e continuará crescendo nos próximos anos. Enquanto as redes nacionais e internacionais de transporte tem se adaptado para acomodar suficientemente este tráfego, este estudo identificou uma grande e urgente necessidade de expansão da infraestrutura de interconexão na América Latina. Este aprimoramento levaria ao aumento de eficiência, reduzindo assim custos de trânsito e latência e ao mesmo tempo encorajando o intercâmbio do tráfego regional e o desenvolvimento de conteúdo local.

 

Este estudo foca especialmente no desenvolvimento de infraestrutura de interconexão na América Latina. Ao fazer isso, apresentamos primeiro uma visão da internet da região e do ambiente PTT, o qual leva a uma avaliação dos custos de trânsito internacional e regional da Internet. Estes custos demonstram a necessidade de desenvolvimento de PTTs regionais, e identificamos os locais ideais para estes novos PTTs.

 

Por fim, concluímos que o desenvolvimento de PTT regional terá impacto econômico positivo, com a redução do preço ao usuário final de serviços de banda larga e o aumento de velocidade contribuindo positivamente para o crescimento do PIB da América Latina.

 

 

Tendências da América Latina no Uso da Internet

 

Um exame do uso da Internet na América Latina e na região do Caribe mostra uma adoção crescente. No final de 2012, a região abrigava 256 milhões de usuários de Internet, o equivalente a uma taxa média de penetração da Internet de 44.7% (veja a figura 1).

 


Figura 1: Usuários de Internet na América Latina (milhões)

Fonte: ITU (2012)

 

 

Este número tem crescido rapidamente na última década: de 2000 a 2012, a taxa composta de crescimento anual chegou a 24,7% e os últimos três anos (2008-2012) viram um crescimento anual de 14,6%.

 

Além do crescimento no número de usuários, o consumo de tráfego de Internet por usuário também cresceu, aumentando 62%, comparado aos 42% da média internacional. O crescimento do número de assinantes agravado pelo aumento do uso por aparelho resulta em um crescimento global no tráfego de Internet. Até o final de 2012, o tráfego gerado pelos principais países consistia de 1.300 milhões de gigabytes por mês, crescimento de 42% por ano (veja a figura 2).

 

 

Figura 2: América Latina: Tráfego Total de Internet

(*) (em petabytes por mês) Nota: 1 PB= 1 Petabyte= 10^15 = 1 milhões de Gigabytes (*) Os países incluídos representam 85% do total do tráfego latino americano Fonte: Modelo de Tráfego desenvolvido pelo TAS

 

 

O crescimento no tráfego não exigirá somente maior capacidade das redes, mas também uma interconexão eficiente. A implantação de fibras ópticas em cabos submarinos e terrestres tem permitido o aumento da capacidade do trânsito internacional dentro e fora da região. Entretanto, a implementação da infraestrutura de interconexão é considerada ainda desigual.

 

 

O Ambiente de PTTs da América Latina

 

Com uma notável exceção, quase todos os países de porte médio da América Latina tem um PTT (Ponto de Troca de Tráfego ou IXP), embora a criação e desenvolvimento de um PTT possa variar de acordo com o país (veja a figura 3). Em alguns casos, no passado, o Estado não considerou a criação de um PTT como sendo relevante para sua agenda (ex.: México) enquanto em outros a criação destes pontos resultaram de um mandato de regulamentação e política agressivas (ex.: Brasil).

 

                                           

Figura 3: PTTs existentes na América Latina

Fonte: Compilado pelo TAS

 

 

A implementação desigual de infraestrutura é visível. De um lado, países como Brasil e  Argentina tem uma infraestrutura de interconexão de internet altamente desenvolvida capaz de acomodar conteúdo local e internacional, resultando em menor custo no trânsito suportado pelos ISPs. Por outro lado, em todo o México há carência de infraestrutura de interconexão, em parte devido a estrutura de seu setor de telecomunicações e também devido ao custo mais baixo de trânsito para os Estados Unidos. Países com desenvolvimento parcial do PTT são posicionados entre esses dois extremos (veja quadro 1). Na Colômbia, apenas um PTT fornece interconexão para tráfego local. No caso do Chile, a interconexão privada é predominante. Bolívia e Paraguai tem completa falta de infraestrutura de interconexão enquanto o Equador e Peru tem alguma infraestrututra local, mas no momento falta meios para acomodar o futuro crescimento in trânsito da Internet.

 

País Nº de PTTs Situação
Argentina 11 Planos para implantar mais 10
Bolívia 0 3 planejadas
Brasil 31 Planos para implantar mais 16
Chile 8 Peering Privado
Colômbia 1 Somente para tráfego local
Equador 2 Somente para tráfego local
El Salvador 1 Operando parcialmente
Guatemala 0 Ainda sem planos
Honduras 0 Ainda sem planos
México 0 Uma em construção
Nicarágua 1 Hospedado em uma universidade
Panamá 1 Acordo informal entre ISPs
Paraguai 1 Concessionária não interconectada
Perú 2 Uma operada por consórcio
Venezuela 0 É planejado

Tabela 1: PTTs existentes na América Latina

Fonte: Compilado pela TAS

 

 

Tráfego de Internet na América Latina e os Custos de Trânsito

 

Como resultado de um desenvolvimento desigual de PTTs, uma grande porção do tráfego de Internet da América Latina ainda está interconectando nos Estados Unidos. É estimado que 63% do tráfego latino americano está direcionado a outros países dentro da região ou próximo, primariamente aos EUA (veja figura 4).

 

Figura 4: Fluxo de tráfego estimado na América Latia (2017, em PetaBytes)

Fonte: TAS

 

 

Como um exemplo de causa e efeito deste tráfego, os EUA é o principal destino para a insfraestrutura de transmissão internacional. No final de 2012, a capacidade instalada tinha uma média de utilização de 23%, alcançando 45% em horários de pico. Dado a alta taxa de crescimento do tráfego de Internet e o fluxo estimado entre países, a menos que haja um aumento na implantação de redes de backbone e cabos submarinos, a capacidade atual será insuficiente em médio prazo. Dito isso, o desenvolvimento de uma infraestrutura regional de interconexão poderia diminuir esta tensão e subsequentemente reduzir latência e a necessidade de aumento de capacidade. Isto poderia também reduzir a necessidade de utilização da capacidade existente para o tráfego dentro da região. De fato, aproximadamente 14% do tráfego de Internet direcionado aos EUA compreende os fluxos de comunicação entre países latino americanos (veja tabela 2).

 

 
Argentina Brasil Chile Colômbia México Panamá Perú Venezuela Total
Argentina   27 3 0,9 1 0 1,4 0 33,3
Brasil 11   3 1,1 1,2 0,01 0,9 0,6 17,8
Chile 6 8   1,2 0,6 0,09 2 0,03 17,9
Colômbia 2 4 1   2,3 2,48 0,8 0,6 13,2
México 1 6 1 1,6   0,35 0,5 0,4 10,8
Panamá 0 0 0 1,6 0,3   0,2 0,4 2,5
Perú 5 4 2 1,4 0,4 0,02   0,5 13,3
Venezuela 1 4 0,5 3,4 1,5 0,7 0,6   11,7
Outros 43 305 54 37,2 193,3 18 24 43 717,5
Total 83 359 65 48 199 22,3 30 50 856,3
Média AL 31% 15% 16% 23% 4% 16% 21% 15% 14%

Tabela 2: Fluxo de Tráfego Internacional na América Latina em 2012 por Mês (em PB)

Fonte: Modelo de tráfego desenvolvido pela TAS

 

 

No mais, 20% do tráfego latino americano é usado para acessar conteúdo internacional (veja tabela 3). Admitidamente, uma grande parte deste tráfego já é hospedado regionalmente a fim de reduzir custos de acesso.

 

País Tráfego Total Tráfego de Conteúdo
Internacional
Percentual
Argentina 127 38 30%
Brasil 652 130 20%
Chile 109 33 30%
Colômbia 75 22 29%
México 235 12 5%
Panamá 25 7 28%
Perú 47 14 30%
Venezuela 56 3 5%
Outros 1.326 253,3 20%

Tabela 3: Fluxo de Tráfego Internacional na América Latina em 2012 por Mês (em PB)

Fonte: Modelo de tráfego desenvolvido pela TAS

 

 

Apesar destes exemplos de hospedagem regional, nem todos os países tem as mesmas capacidades. O já citado desenvolvimento desigual do ambiente de PTTs na América Latina continua a resultar em alto custo no transporte de dados, com total estimado anualmente em US$ 1,8 bilhões (veja tabela 4).

 

País Custo do acesso a
conteúdo internacional
Custo do suporte
ao tráfego da Am. Latina
Custo do tráfego
internacional
(ex Am. Latina)
Total
Argentina US$ 0 US$ 37,10 US$ 87,65 US$ 124,75
Bolívia US$ 41,16 US$ 20,58 US$ 27,48 US$ 89,22
Brasil US$ 0 US$ 89,53 US$ 509,43 US$ 598,96
Colômbia US$ 89,48 US$ 45,89 US$ 147,98 US$ 283,35
Costa Rica US$ 18,66 US$ 3,65 US$ 38,52 US$ 60,83
El Salvador US$ 18,66 US$ 3,65 US$ 38,52 US$ 60,83
Guatemala US$ 8,11 US$ 1,59 US$ 16,75 US$ 26,45
Honduras US$ 10,61 US$ 2,07 US$ 21,88 US$ 34,56
México US$ 7,47 US$ 2,05 US$ 138,76 US$ 148,28
Nicarágua US$ 6,03 US$ 1,18 US$ 12,44 US$ 19,65
Panamá US$ 5,57 US$ 11,4 US$ 50,1 US$ 67,07
Paraguai US$ 44,45 US$ 22,23 US$ 29,63 US$ 96,31
Perú US$ 100,74 US$ 29,83 US$ 55,68 US$ 186,25
Total US$ 350,94 US$ 270,75 US$ 1.174,82 US$ 1.796,51

Tabela 4: Custo Anual do Trânsito de  Internet na América Latinas (em US$)

Fonte: Análise da TAS Analysis

 

 

Não é surpresa então que estes custos adicionais tornem a banda larga mais cara - e, em vários casos, fora do alcance - para o consumidor. Os altos custos de trânsito do tráfego internacional transferem à banda larga preços de varejo, limitando a acessibilidade do serviço. Em alguns casos, a banda larga é economicamente viável apenas para um décimo da população os quais tem alta renda, o que significa que milhões de domicílios não podem ter o serviço. Como mostrado em um outro estudo, mesmo um país como o Brasil, onde um maior percentual de domicílios pode pagar pelo serviço de banda larga, mais de 15 milhões de domicílios ainda não o tem (veja tabela 5).

 

  Argentina Brasil Colômbia Equador México
Tarifa Mensal do Plano Básico de Banda Larga (em US$) US$ 23,99 US$ 14,75 US$ 20,77 US$ 20,16 US$ 14,58 *
Tarifa Mensal da Oferta Média do Plano de Banda Larga Fixa US$ 25,94 US$ 29,65 US$ 22,61 US$ 27,89 US$ 29,16
Decis de renda que podem adquirir serviço de banda larga 6 a 10 4 a 10 7 a 10 9 e 10 3 a 10
Número de domicílios que não podem adquirir banda larga 6.555.000 15.300.000 5.940.000 3.040.000 6.320.000

Tabela 5: Exemplos de Viabilidade Limitada na América Latina

Fonte: Katz, R.; Callorda, F. "Viabilidade da banda larga na base da pirâmide na América Latina".
GSMA, 2013

 

 

Como evidenciado por estas figuras, esta situação requer uma solução imediata. A região precisa investir urgentemente no desenvolvimento de PTT a fim de reduzir custos do trânsito international, assim, tornando os serviços de banda larga economicamente viáveis e acessíveis. Embora um PTT possa não funcionar para todos os custos associados com acesso a banda larga, ele pode ter um grande papel na redução dos já mencionados US$ 1,8 milhões do custo de trânsito internacional. Ao desenvolver, mais PTTs, a América Latina poderia ver uma aceleração na localização de conteúdo internacional e um aumento no percentual do tráfego interconectado na região.

 

 

Implantação, Investimento e Benefícios Econômicos do PTT Regional

 

Uma análise mais aprofundada do tráfego regional nos permite identificar as comunidades de interesse ("clusters") baseado no destino primário do tráfego de cada país. Por exemplo, excluindo os EUA, a Colômbia envia uma grande quantidade de tráfego para a Venezuela, México, Panamá, and Perú. Para a Argentina, os países top são Brasil, Chile, and Perú (veja a tabela 6). Por fim, estas descobertas nos levam a dividir a região em duas comunidades de interesse: 1) A América do Norte / Andina / América Central, and 2) cluster do cone sul. Como visto na tabela 6, México, Panamá, Colômbia e Venezuela compreendem o cluster da América do Norte / Andina / América Central enquanto Chile, Argentina e Brasil compreendem o cluster do cone sul. O Perú interconecta os dois clusters.

 

Tabela 7: Percentual de Tráfego de Saída na América Latina

Fonte: Análise da TAS

 

 

Baseado na análise do cluster, determinamos que Panamá, Perú e Brasil deveriam sediar  nós de PTTs interregionais, oferecendo conectividade ao longo de múltiplas redes terrestres e cabos submarinos. Estes três PTTs trabalhariam “in tandem” com uma rede de pontos domésticos em vários países e infraestrutura complementar pré existente. Enquanto esses locais não incluem um PTT interregional no cone sul, o NAP de Buenos Aires (implantado dentro da CABASE) serve, na verdade, como um PTT interregional, já fornecendo interconexão para o Uruguay e passando por testes com o Brasil (veja a figura 5).

 

Figura 5: Infraestrutura de Transporte Regional

Fonte: Compilado por TAS do Almanaque de Cabo Submarino; ISA Internexa; Siepac; Interviews

 

 

Estes PTTs interregionais apreendem uma grande porção do tráfego internacional da região que atualmente vai para os Estados Unidos. É estimado que a implantação deles reduziria o já mencionado custo US$ 1.8 billion de trânsito do tráfego internacional na América Latina em US$ 462 milhões. A redução resultante nos custos de trânsito e latência teriam impacto econômico positivo, indiretamente contribuindo para o crescimento econômico do PIB (veja figura 6). Para determinar o impacto econômico, nós consideramos os efeitos acumulativos de uma maior acessibilidade à banda larga  e um aumento na velocidade, constatando que a introdução dos PTTs regionais e a consequente redução nos custos do tráfego suportado pelas ISPs tem dois principais benefícios:

 

Figura 6: Impacto Econômico da implantação do PTT

Fonte: Análise da TAS

 

 

Devido a essas dinâmicas que ocorrem simultânemamente, a economia se beneficia dos efeitos combinados delas. Um aumento na velocidade da banda larga irá gerar uma estimativa de US$ 915 millhões, como o segmento da população que já utiliza banda larga irá se beneficiar do aumento da velocidade de acesso [1]. Entretanto, o benefício real vem do aumento na penetração da banda larga, já que os benefícios serão mais amplamente distribuídos entre a população, o equivalente a US$ 3,56 bilhões. Em outras palavras, custos mais baixos de trânsito são parcialmente transferidos para o preço ao consumidor final, que por sua vez resulta em aumento da penetração, reforçando assim a contribuição econômica da banda larga para o crescimento do PIB. Baseado neste modelo, então, os efeitos econômicos agregados da implantação do novo PTT na região irão variar entre US$ 3,5 e US$ 4,4 bilhões (veja figura 7).

 

Figura 7: Impacto Econômico Agregado

Fonte: TAS Analysis

 

 

Conclusão

 

Em suma, através de uma análise da situação atual do câmbio Internet na América Latina, o estudo determina que há uma necessidade imediata de implantação de PTTs regionais. Ao fazer este diagnóstico, são oferecidas recomendações quanto à colocação desta nova infraestrutura, assim como uma estimativa dos custos associados a este empreendimento. No entanto, estes custos são insignificantes em comparação ao potencial de contribuição econômica de US$ 3,5 a US 4,4 bilhões resultantes da implantação do PTT regional.

 

 

 

Notas

 

[1]Veja Rohman e Bohlin (2012). “Does broadband speed really matter for driving economic growth?” Pesquisando países do OECD, http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2034284 e Rohman e Bohlin (2013), http://www.ericsson.com/news/1729555

 

 

 

 

Comente!

Para enviar sua opinião para publicação como comentário a esta matéria para nosso site, clique aqui!

 

Nota: As informações expressadas nos artigos publicados nesta seção são de responsabilidade exclusiva do autor.

 

 

 

GLOSSÁRIO DE TERMOS

NEWSLETTER

Newsletters anteriores

Enquete

Qual a velocidade de acesso à Internet que seria suficiente para você no celular?

  <10 Mbps
  10 a 50 Mbps
  50 a 100 Mbps
  100 a 500 Mbps
  500 a 1 Gbps
  <1 Gbps

EVENTOS

 

 

Mais Eventos

TelecomWebinar

Mais Webinares

NOTÍCIAS

SEÇÃO HUAWEI