25/05/2020

Em Debate

 

 

 

Contribuições SINDISAT à CP 9

 

Luiz Otavio V. Prates

Presidente da Associação das Empresas de Telecomunicações por Satélite – ABRASAT

 

Sumário

 

Na presente Consulta Pública, a Anatel propõe realocar a faixa de 3,625 a 3,700 GHz para uso de sistemas IMT. Esta banda, conhecida por Banda C Estendida é atualmente alocada ao serviço fixo por satélite e vem sendo utilizada há mais de 50 anos no Brasil. Trata-se, portanto, de uma faixa de frequências amplamente utilizada no Brasil, país de dimensões continentais, cujo uso é de fundamental importância.

 

Os fatos acima, de per si, já indicam que esta intenção da Anatel deve ser precedida de estudos aprofundados de toda natureza, sejam eles, técnicos, comerciais e regulatórios, além do necessário cuidado com temas voltados à segurança jurídica no Brasil.

 

O Sindisat não entende que tais estudos, na profundidade necessária, tenham sido realizados até o presente momento, razão pela qual vem, sistematicamente, solicitando a prorrogação da presente Consulta Pública e, frente a atual crise do COVID-19, a suspensão temporária da referida consulta. Entraremos em mais detalhes no decorrer dessa nossa contribuição.

 

Em função do exposto e todas os comentários e contribuições que se seguirão, o SINDISAT informa que contratou consultoria para dar suporte a essas questões envolvendo a liberação da faixa e os custos envolvidos e desde já, solicita que as considerações advindas desses estudos em andamento sejam consideradas pela Anatel, mesmo após o término dessa Consulta Pública, solicitando o prazo adicional de 90 dias para a apresentação desses estudos.

 

Justificativa

 

1. A faixa de 3.625 a 3.700 MHz jamais esteve na pauta de discussões

 

Importante registrar que, quando se observa passo a passo a evolução do processo de discussões e preparação das condições para a publicação de um edital voltado para a implantação do 5G no Brasil, observa-se que a faixa de 3.600 a 3700 MHz jamais esteve na pauta em discussão. De fato, entre o nascimento do processo na Superintendência de Planejamento e Regulamentação em princípios de 2018 e a reunião do Conselho Diretor que decidiu incluir tal faixa no escopo da futura licitação, em fevereiro de 2020, apenas às vésperas da derradeira reunião do Conselho Diretor foi informada ao setor satelital a intenção de compreender estes 100 MHz. Nesse meio tempo, o processo tramitou por diversas áreas da Anatel em meio a Análises Preliminares de Impacto Regulatório, informes técnicos e pareceres jurídicos que tratavam de temas variados e faixas de espectro consideradas para exploração pela indústria IMT, sem que o segmento entre 3.600 e 3700 MHz jamais fosse estudado ou mesmo cogitado. Os estudos que foram realizados até fins de 2019 estavam concentrados nas faixas de frequências entre 3.300 MHz a 3.600 MHz.

 

Realce-se que esta agência promoveu a Consulta Pública nº 43/2018, que culminou com a edição da Resolução 711/2019, cujo objeto se voltou exatamente a limpar faixas para essa licitação. E ao fazê-lo não incluiu as faixas entre 3.600 e 3.700 MHz.

 

Apenas, portanto, na segunda metade de janeiro de 2020 o setor de satélites foi instado a se manifestar sobre as cogitações de desocupação da Banda C Estendida, a partir de uma análise técnica da Anatel. Em um prazo absolutamente exíguo, o setor por meio deste Sindicato logrou prover um quadro de desafios regulatórios, jurídicos, técnicos e comerciais. Em sua missiva, o Sindisat registrou reconhecer a importância da implementação dos serviços 5G no Brasil e, em meio aos desafios apresentados, reiterou que o satélite tem um papel de destaque nesse cenário em desenvolvimento. Tais considerações não foram consideradas na decisão que aprovou o texto a constar da Consulta Pública nº 9.

 

Vale dizer, portanto, a título de mera constatação, que o setor satelital não foi incluído na reflexão e no debate sobre a inclusão de referida faixa entre 3.600 e 3.700 MHz, muito embora seja precisamente o setor que hoje ocupe e explore referida banda com base em direitos de exploração concedidos onerosamente pela Anatel e mediante substanciais investimentos e esforços que consideram renovações de direitos, extensas vidas úteis dos satélites empregados e compromissos contratuais de larga duração. Vale dizer, o principal setor afetado.

 

A cronologia dos fatos revela que a própria intenção de incluir essa faixa de radiofrequência surgiu na undécima hora do processo. Isso foi o que prejudicou o processo de análises e discussões.

 

Vale realçar que os processos de discussão de editais envolvendo faixa de radiofrequência envolvem sempre, e necessariamente, aspectos prospectivos, de análises voltadas ao futuro quanto ao uso da faixa e somadas a análises das práticas internacionais, análises comerciais e econômicas quanto ao novo uso (e nesse particular há muito de discricionário na decisão do órgão regulador). Ocorre que na maioria das vezes, sempre que há uma proposta de novo aproveitamento do espectro radioelétrico que exige a retirada de direitos de atuais prestadores que fazem uso de faixas de radiofrequência, há também um essencial aspecto do processo decisório que envolve o respeito às situações consolidadas que se pretende alterar por meio da licitação e o tratamento a ser dado a elas. Nesse segundo aspecto a discricionariedade cede lugar à necessidade de uma análise motivada e fundamentada dos impactos e ao respeito aos direitos individuais daqueles que serão atingidos pela mudança. Essa segunda parte da análise é essencial, e prejudicial à primeira, pois é requisito para que se possa dispor (no futuro) sobre o uso desse bem público escasso que são os recursos do espectro radioelétrico equacionar o processo de desocupação (considerado direitos outorgados no passado) das faixas respeitando os seus ocupantes, seus clientes e os usuários últimos da faixa e ainda assim estabelecer um equilíbrio na dinâmica imposta.

 

De certa forma, assim atuou a agência ao promover a Consulta Pública nº 43/2018. Como constitui antecedente lógico necessário do edital a desocupação da faixa, essa consulta foi precedida de alguma análise de impacto regulatório. Nessa análise, foram avaliados os aspectos históricos relativos ao uso e à regulamentação da faixa de 3,5 GHz, inclusive o uso da faixa de frequência de 3.600 a 4.200 MHz e foram analisados aspectos históricos relativos à destinação da faixa de 3,5 GHz. A agência explicitou que sua intenção era fazer uso das faixas de radiofrequências de 3.400 a 3.600 MHz, entendendo que "o principal problema a ser equalizado é [era] o estabelecimento de condições de coexistência entre o sistema IMT com os serviços TVRO operando no Brasil na faixa de 3.625 a 4.200 MHz", ou seja, expressamente manifestava a intenção de manter os serviços então prestados na faixa de 3.625 a 4.200 MHz.

 

Destaque-se o seguinte trecho da análise de impacto regulatório:

 

"Em decorrência da deliberação do Conselho Diretor, e com a motivação de otimização e uso racional dos recursos escassos do espectro de frequência, tendo em vista ser essa uma faixa subutilizada, ao longo dos últimos meses de 2016 e primeiros meses de 2017, a Gerência de Espectro, Órbita e Radiodifusão realizou estudos para verificar a convivência entre sistemas LTE-Advanced instalados na faixa de 3.400 a 3.600 MHz com a aplicação TVRO na faixa de 3.625 a 4.200 MHz. Ao final desse trabalho, optou-se por submetê-lo para crítica da comunidade científica internacional. Dessa forma, foi elaborado o artigo "Coexistence Conditions of LTE-Advanced at 3400-3600 MHz with TVRO at 3625-4200 MHz in Brazil", que foi publicada na revista Wireless Networks, integrante do grupo Springer. Este trabalho também motivou a inserção da reavaliação das condições de uso da faixa de 3.400 a 3.600 MHz na Agenda Regulatória da Agência para o biênio 2017-2018, tema do presente relatório de Análise de Impacto Regulatório. "

 

Também é fundamental destacar que não eram desconhecidas da agência, em 2018, iniciativa em alguns países voltadas a estudar o uso de faixas até 3.700 MHz para o IMT. Esse uso foi expressamente mencionado na AIR que antecedeu a Consulta Pública 43/2018, mas essa hipótese foi descartada pela Anatel na AIR, sustentando que "a Atribuição vigente no território nacional, na faixa de 3.400 MHz a 3.600 MHz, está alinhada com a adotada pela Região 2 (Américas) da UIT."

 

Depois de considerações como estas, o AIR reconheceu como "grupos afetados" pela decisão de utilizar a faixa de 3.400 a 3.600 MHz para o IMT, não só a ANATEL, mas também Radiodifusores, Exploradoras de satélites, Prestadoras do Serviço Móvel Pessoal – SMP, Prestadoras do Serviço de Comunicação Multimídia - SCM e do Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC, Radioamadores, Usuários de TV por satélite na banda C – TVRO, Usuários do Serviço Móvel Pessoal – SMP e Fabricantes de equipamentos.

 

Promoveu-se, então, análise para responder à seguinte pergunta: "Quais são as opções regulatórias consideradas para o tema? " e identificou "algumas alternativas para viabilizar o uso da faixa de 3.400 a 3.600 MHz no Brasil, em alinhamento com a atribuição existente para o serviço fixo por satélite (satélites operando na banda C)." Só então, com esse foco definido e claro é que analisou cinco alternativas: (A) Manutenção das condições de uso atuais, sem disponibilização da faixa, (B) Manutenção das condições de uso atuais, com disponibilização da faixa mediante licitação, deixando às partes a livre coordenação, (C) Disponibilização da faixa mediante licitação, estabelecendo-se as novas condições de uso no Edital, (D) Estabelecimento de novas condições de uso mediante ajuste na regulamentação vigente, com posterior disponibilização da faixa mediante licitação e (E) Alteração da destinação das faixas para permitir o convívio dos serviços.

 

Todo esse estudo, repete-se, foi feito para viabilizar o uso da faixa de 3.400 a 3.600 MHz no Brasil para o IMT.

 

E o que resultou desse processo foi a aprovação da Resolução 711/2019, em maio do ano passado.

 

A proposta veiculada na Consulta Pública nº 09, porém, não se limitou às faixas de radiofrequências médias que até não apenas haviam sido objeto de debates internos à agência, mas a processo público de consulta à sociedade e aos interessados.

 

A Agência incluiu o que chamamos de banda C estendida, ou seja, a faixa de frequência de 3600-3700 MHz, o que demandou que, menos de um ano depois de editada, já estejam sendo propostas alterações na Resolução 711/2019. Essa nova proposta altera o cenário de interferências que havia sido objeto de estudos e, em consequência, passou a afetar muito mais intensamente a todos os operadores de satélites, brasileiros e estrangeiros, que hoje operam no Brasil. Vale anotar que hoje temos mais de 30 satélites operando em banda C no Brasil, sendo que 15 operam na banda C estendida. A nova proposta não apenas exige a já relevante e complexa tarefa de solucionar interferências do novo IMT com faixas operadas por satélites no país (a convivência do IMT nas faixas até 3.600 MHz com a continuidade das operações via satélite nas faixas acima de 3.600 MHz). Passou a exigir não apenas a descontinuidade das operações via satélite nas faixas entre 3.600 e 3.700 MHz como as interferências geradas pela previsão de convivência do IMT nas faixas até 3.700 MHz e as operações via satélite nas faixas contíguas – a partir de 3.700 MHz.

 

Importante destacar que todos esses aspectos deverão ser considerados e corretamente endereçados nas definições constantes no Anexo IV-A e IV-B respectivamente.

 

A complexidade bastante superior e os impactos gravíssimos gerados pela nova proposta em comparação com a anterior contrastam com a ausência de uma AIR sequer nos moldes daquela que foi promovida antes da divulgação da proposta da agência na Consulta Pública 43/2018. É o que se destacará no tópico seguinte.

 

2. A inexistência de uma Análise de Impacto Regulatório

 

Como passamos a expor, nos encontramos diante de uma situação em que o próprio processo carece de documentação e fundamentação para a inclusão desta faixa no certame, notadamente pela inexistência de uma Análise de Impacto Regulatório que aborde as consequências da inclusão desses 100 MHz adicionais no leilão e que mapeie seus impactos e enderecem de forma correta e justa suas consequências. Tudo o que se tem, destaque-se, é um informe técnico voltado para a existência ou não de outras capacidades dentro da frota de cada operadora afetada, a suportar uma possível migração.

 

A nosso juízo, a AIR é condição de legitimidade e até mesmo de validade de qualquer alteração normativa ou de caráter substancial que se queira realizar no ambiente regulatório, trata-se de compor a motivação de garantir a proporção entre o objetivo visado e as medidas que se pretendem tomar para alcançá-lo. E é precisamente o que se está realizando com o processo de aprovação de um edital que pressupõe importantes mudanças normativas, como a alteração da Resolução nº 711/2019, a qual deveria ter sido posta em processo de consulta pública de forma antecipada e apartada deste. Imprescindível a condução de uma completa análise de impacto regulatório prévia à alteração que se pretende implementar. Aliás, a forma como a Anatel propõe a modificação da Res. nº 711/2019 e o seu conteúdo são merecedores de comentários apartados, feitos neste documento oportunamente.

 

Observe-se que não se trata de simples opinião. Isso se reflete no Manual de Práticas Regulatórias da Agência e no seu próprio Regimento Interno em vigor, cujo artigo parágrafo único do art. 62 estabelece que "Os atos de caráter normativo a que se refere o caput, salvo em situações expressamente justificadas, deverão ser precedidos de Análise de Impacto Regulatório."

 

Como se pode então conceber que se pretenda alterar a destinação de uma faixa sem que se produza uma prévia análise das consequências sobre o setor atingido, um setor que ocupa e explora referida faixa legitimamente e suportando atividades e serviços de inegável interesse coletivo. A AIR serviria não só para subsidiar essa tomada de decisão, que não pode ser arquitetada com tamanha lacuna, mas também para trazer conforto jurídico ao processo que ora está sendo realizado. Não há como explicar a ausência de uma AIR específica e expressa a respaldar a súbita inclusão da faixa de 3.600 a 3.700 MHz no objeto deste processo.

 

Corroborando tais fatos, deve-se notar que a Análise de Impacto Regulatório apresentada pela Anatel não traz nenhum estudo relacionado a essa questão, apenas abordando questões anteriormente estudadas sobre as interferências na TVROs, sem nenhum estudo relacionado ao abandono da referida banda C estendida. Confirmando este fato, deve-se observar que o Anexo II ao Informe 204/2019 – Análise de Viabilidade Técnica da Disponibilização de Espectro Adicional na Faixa de 3,5 GHz, destaca que a proposta que vinha sendo debatida na Agência e objeto de estudos centrava-se em 3.300 MHz a 3.600 MHz apenas, sendo a faixa adicional de 100 MHz incluída a posteriori.

 

Repete-se: a própria agência reconhece, não apenas abstratamente em seu Manual de Práticas Regulatórias, mas na conduta adotada antes e durante a Consulta Pública 43/2018 que a proposta que foi submetida à presente Consulta Pública 09/2020 não foi precedida de verdadeira Análise de Impacto Regulatório. A comparação entre o que se viu no presente processo e o que consta dos autos do processo nº 53500.060856/2017-16, em especial no documento SEI 2518596 revela uma abissal diferença no modo como procedeu esta agência.

 

Cabe realçar que até mesmo no âmbito daquela consulta pública, as operadoras de satélite, por intermédio do Sindisat, manifestaram a necessidade de análises mais detidas, que se viram prejudicadas pelo curto prazo concedido para contribuições e críticas durante o processo de consulta pública, mas não deixou – no tempo oportuno – de manifestar sua concordância com a proposta, o que só pode fazer após análises mais detidas (por meio de carta endereçada à ANATEL em 06/dez/2019, conforme documento SEI 4996076).

 

Em face do novo processo de consulta pública, o setor de satélites entende que o próprio processo carece de documentação e fundamentação para a inclusão da faixa de 3.600 a 3.700 MHz para a prestação do IMT, notadamente pela inexistência de uma Análise de Impacto Regulatório que aborde as consequências da inclusão desses 100 MHz no leilão, o que, de per si, já se reveste de uma gravidade ímpar. Outro fato relevante e já mencionado anteriormente é que este AIR endereçaria uma série de problemas e soluções que deveriam constar explicitamente neste Edital, trazendo a segurança jurídica para todos os atores. A nosso juízo, repete-se, a AIR é condição de legitimidade e validade de qualquer alteração normativa ou de caráter substancial que se queira realizar no ambiente regulatório, trata-se de compor a motivação de garantir a proporção entre o objetivo visado e as medidas que se pretendem tomar para alcançá-lo.

 

3. Inclusão da faixa de 3.600 a 3.700 MHz de forma tardia na proposta

 

Importante destacar que os 100MHz localizados entre as faixas de 3.600MHz e 3.700 MHz foram incluídos tardiamente nesta proposta, sem sequer estar no radar do setor satelital essa possibilidade.

 

Reforça-se a necessidade de estudos aprofundados para indetinficar os serviços que serão afetados, bem como a solução de mitigação que deverá ser adotada afim de minimizar os impactos dessa decisão. Os valores correspondentes dessas ações devem ser de conhecimento prévio do setor satelital, possibilitando assim, uma análise bilateral da solução e da aplicabilidade desta.

 

Não se trata aqui de se opor de forma automática a que qualquer faixa seja estudada, mas sim do fato de que as prerrogativas da Anatel devem ser exercidas com observância de todas as garantias processuais a seus administrados e em especial aqueles que são direta e significativamente afetados por suas decisões. Trata-se de respeito ao princípio do devido processo legal.

 

Ponto adicional encontra-se no fato de que, na WRC-19, a administração brasileira teve a oportunidade e a prerrogativa de manifestar-se neste sentido (de identificação de referida banda para o IMT) e não o fez, o que justifica ainda mais a surpresa e o estranhamento diante da rapidez com que a faixa acabou sendo incluída sem ser precedida de uma análise minimamente aprofundada, a exemplo daquela promovida antes da edição da Resolução 711/2019.

 

Por outro lado, ainda como fator de surpresa e a reforçar que o procedimento da Anatel não está suficientemente embasado, observe-se que meses antes a Anatel chegou a expedir a CP nº 64, visando à outorga de novos direitos de exploração de satélite nos quais contemplava a faixa de 3.625 a 3.700 MHz. Nesse mesmo sentido, à mesma época a Anatel publicou a CP nº 59, que visava a estabelecer novos limites de potência para o STFC, SCM, SLP e SMP entre as faixas de 3.300 e 3.600 MHz. Ou seja: a faixa de 3.600 a 3.700 MHz nunca esteve sendo efetivamente considerada publicamente! Isto nunca esteve na visibilidade do setor, ampliando a imprevisibilidade da medida ora proposta.

 

Desta feita, desde um ponto de vista processual, entendemos que a proposta não deveria prosseguir sem que as devidas análises sejam endereçadas e as soluções encontradas também devidamente endereçadas.

 

4. Aspectos Técnicos e de Interferência

 

Cabem, incialmente, as seguintes definições:

 

Interferência co-canal: devido a emissões não desejadas dentro da faixa alocada para o próprio serviço. Seria o caso se o serviço IMT compartilhasse a mesma faixa de frequências que o FSS (se não houver a desocupação da faixa de 3625 a 3700 MHz atualmente utilizada pelo FSS); só poderia ser mitigada se a distância de separação requerida entre o transmissor IMT e o receptor de satélite é garantida em todo momento.

 

Interferência de "Faixa Adjacente": devida a emissões fora da faixa alocada efetivamente considerada publicamente! Isto nunca esteve na visibilidade do setor, ampliando a imprevisibilidade da medida ora proposta.

 

Deve ser observado que, mesmo na proposta original com o IMT de 3.300 MHz a 3.600 MHz, a questão de interferência devida a emissão fora de faixa carecia de uma análise criteriosa e que estava sendo endereçada através dos testes que eram conduzidos junto a Anatel, suspensos em razão da pandemia de COVID-19 que afetou o país.

 

Baseado em estudos apresentados durante a discussão sobre o IMT em 3,5 GHz nos Estados Unidos, a mínima banda de guarda requerida seria de cerca de 40 MHz.

 

É importante reiterar que todos os estudos até agora realizados apontam para a incompatibilidade de convivência do serviço fixo por satélite com sistemas móveis com ubiquidade, como é o caso do 5G, sem a devida solução dos problemas intereferentes. Não somente a própria Agência vem concluindo estes resultados como vem desenvolvendo testes (que, por sinal, estão interrompidos por conta da crise do COVID-19), mas relatórios diversos concluem que, para prevenir interferência prejudicial entre os serviços, existem condicionantes de separação geográfica severos, o que traz limitações à expansão dos sistemas IMT e inviabilizariam o seu desenvolvimento, entre outras conclusões. Entendemos que a Anatel reconhece e concorda com este entendimento.

 

A Anatel está propondo a desocupação da subfaixa por parte dos operadores de satélite e a migração dos atuais clientes para faixas superiores de banda C ou outras faixas de frequência dos satélites existentes. Aqui também ressaltamos que tais medidas exigem estudos ainda mais aprofundados diante de diversas questões de toda ordem, como iremos expor em detalhes, o que até o presente momento não ocorreu na profundidade necessária, particularmente pela própria Agência, além de ter o correto endereçamento destes pontos na presente minuta.

 

Ressaltamos que ainda restará a questão de interferência dos sistemas IMT na faixa de 3.700 a 4.200 MHz, impondo a necessidade de limites estritos de emissões fora da faixa para o IMT (conhecidos como OOBE), bandas de guarda, filtros e definição critérios de proteção. Alguns destes pontos já foram tratados pela Sindisat em sua resposta apresentada na CP nº59 de 2019. Novamente, nada desses temas foi estudado ainda na profundidade necessária pela própria Anatel, lembrando mais uma vez que os testes de campo foram suspensos. Este tema será abordado em mais detalhes adiante.

 

Mitigação para Proteção de TVRO Doméstica

 

Os testes de laboratório realizados no CPqD e de campo realizados no CRT (Centro de Referência Tecnológica) da Claro no final de 2019 / início de 2020, utilizando uma ERB (estação Rádio Base) 5G do IMT e sistemas de recepção TVRO domésticos indicaram a possibilidade de convivência com o uso de novos LNBFs. Foram desenvolvidos protótipos desses novos equipamentos pela indústria, projetados para recepção a partir de 3700 MHz com operação do IMT até 3600 MHz, e que pudessem ser produzidos a um custo compatível com sua utilização prevista. Novos testes de laboratório e de campo, já considerando a extensão da operação do IMT até 3700 MHz e com novos protótipos de LNBF não puderam ser concluídos em decorrência da pandemia de Covid-19.

 

Cabe destacar, no entanto, que a banda de guarda de 100 MHz entre o final da faixa de frequências de transmissão do IMT e de início de recepção (de sinais de TV) via satélite mostrou-se adequada para permitir a convivência dos serviços. Porém, os LNBfs não se encontram ainda disponíveis comercialmente e em quantidade que possa atender à demanda esperada e é importante considerar que na nova dinâmica de mercado, que será estabelecida pós pandemia, essas datas poderão não ser compatíveis com a realização do leilão ainda este ano, como prevê a Agência.

 

Assim, omitimos cálculos detalhados para o caso de proteção de serviços de TVRO domésticos.

 

Mitigação para Proteção de Serviços por Satélite Profissionais na faixa adjacente

 

Este assunto já foi levantado pela Sindisat na resposta na CPnº59 de 2019. Para este caso devem ser analisadas, como já anteriormente citado, as situações de interferência de canal adjacente e de interferência co-canal (emissões fora da banda do IMT).

 

Para evitar degradação por saturação do amplificador de baixo ruído é necessária uma atenuação do sinal interferente. O valor da atenuação só pode ser calculado conhecendo-se a EIRP do sinal IMT bem como a banda de guarda proposta.

 

Para evitar degradação por emissões fora de faixa do IMT, onde a utilização de filtros não é possível, pois a interferência agora se dá dentro da própria faixa de recepção de sinais do satélite, o afastamento necessário entre transmissor e receptor a distância pode ser da ordem de 10 km. Dessa forma, de modo a evitar a necessidade de tal distância de afastamento, é imperativo que as emissões fora de faixa do sistema IMT sejam drasticamente limitadas. É importante enfatizar que outros reguladores, como nos Estados Unidos e na Europa, reconheceram este problema e incluíram em suas regulações nacionais valores estritos de cumprimento de emissões fora de faixa para assim minimizar o risco de intereferencia do IMT.

 

5. Pagamentos pela liberação da faixa

 

Aspecto de fundamental importância diz respeito às indenizações que caberão aos atuais detentores de direitos nessa subfaixa, como de resto na banda C por inteiro (pelas consequências que essas decisões trarão), caso se prossiga com essas intenções. Cabem aqui duas ponderações importantes. O documento liberado na Consulta Pública cita que as indenizações deverão considerar tão somente os preços pagos pelos direitos de exploração. Nada tão distante da realidade econômica de um projeto de satélite e das questões envolvendo desocupações de faixas e migrações.

 

A indústria de provimento de capacidade espacial apesenta características econômicas que as diferenciam das demais indústrias.

 

O investimento em um satélite de comunicações é o componente mais relevante para qualquer discussão econômica relacionada a esta indústria: seus custos operacionais variáveis são praticamente inexistentes e os custos operacionais fixos são relativamente baixos quando comparados com os custos de investimento no satélite. Além disso, os investimentos em um satélite são considerados um dos mais marcantes exemplos de "custos afundados" (sunk costs). Isso porque, uma vez lançado, o satélite não serve para outro uso que não o provimento de capacidade espacial na posição orbital planejada e para o mercado, aplicações e geografia para qual foi projetado e construído.

 

O projeto e construção de um satélite geoestacionário de grande porte tipicamente consome um prazo de quatro anos e a vida útil é superior a quinze anos, logo o investimento em satélites requer um ambiente regulatório e legal seguro e estável, com um mínimo de previsibilidade por cerca de vinte anos. Este alto investimento demanda uma remuneração adequada ao capital investido na operação ou não haverá continuidade no provimento de capacidade a longo prazo. Este conceito de "custos afundados" é um fator importante no entendimento e na regulamentação do setor, em particular neste tema de migração de clientes e desocupação da faixa conhecida como banda C estendida e seus custos decorrentes, por representar quase a totalidade da estrutura de custos de uma empresa operadora.

 

No caso dos satélites brasileiros, os interessados, ao participar de licitações para receber direitos de exploração de posições orbitais e suas faixas de frequência correspondentes no Brasil, segundo a regulamentação brasileira, tiveram que observar algumas exigências e condições regulatórias e econômicas, as quais passamos a descrever.

 

No caso de satélites estrangeiros, as operadoras que possuem autorizações emitidas por outras administrações nacionais têm ao longo dos anos investido em ampla cobertura sobre o território brasileiro, propiciando o atendimento a diversas necessidades comerciais e governamentais do país. Tal investimento tem sido realizado ainda que tais coberturas estejam sujeitas a acordos de coordenação em que não tenham prioridade, além de reduzir a cobertura que poderia ter sido destinada a outros mercados, incluindo em alguns casos investimentos em coberturas que incidem exclusivamente sobre o território brasileiro. Dessa forma, possíveis realocações de faixa para outros serviços igualmente esterilizam ou ao menos reduzem a capacidade de atendimento à demanda nacional e consequentemente a geração de receitas.

 

Cabe enfatizar que a ANATEL não tem precedente algum de desocupação de faixas anteriormente destinadas à prestação de serviços de telecomunicações por meio de autorizações de uso de radiofrequência vinculada a direitos de exploração de satélite brasileiro ou estrangeiro para transporte de sinais de telecomunicações.

 

Isso implica dizer que os precedentes da agência nunca enfrentaram nem a situação fática nem os pressupostos jurídicos próprios, aplicáveis à tutela dos recursos da órbita, constantes da Lei Geral de Telecomunicações.

 

6. Migração de clientes para outras faixas de frequências

 

Quanto à migração de clientes para faixas superiores de banda C ou outras faixas de frequências, cabe enfatizar que tal migração traz embutidos custos envolvendo diversas questões técnicas, comerciais e de negócio, com consequências nos custos daí decorrentes, os quais não podem deixar de ser entendidos e considerados.

 

Apenas para citar algumas, devemos ter em conta: (i) banda de guarda entre a faixa de banda C estendida e a banda C padrão necessária e ainda não definida, (ii) proteção de todas as antenas profissionais na faixa de 3.700 a 4.200 MHz com instalação de filtros (troca de LNBs) em dezenas ou centenas de milhares de antenas não registradas ou modificação dos existentes no caso de não filtrarem a faixa de 3.600 a 3700 MHz, (iii) definição de níveis de emissão (incluído níveis estritos de OOBE) do 5G para definição da solução tecnológica de proteção da faixa, (iv) efeito da liberação do espectro em clientes com operações em vários países, (v) impacto no plano de reagrupamento das emissões em cada satélite, (vi) migrações já planejadas dentro das frotas e restrições técnicas de cada cliente, (vii) satélites operando com banda C com cobertura utilizando feixes do tipo "spot" perderão cobertura em alguns destes spots e portanto deixarão de ter cobertura nacional ou terão significativa redução de banda disponível sobre determinadas regiões, (viii) uso de small cells e indoors para 3.700 a 3.800 MHz sem devidos estudos e impactos de interferência trazendo insegurança adicional à operação dos sistemas de satélite geoestacionários, dentre outros, (ix) atenção aos compromissos contratuais existentes sobre serviços hoje suportados por capacidade espacial na faixa em questão.

 

A própria decisão de mudar a destinação deve, em obediência ao art. 159 da LGT, considerar não apenas o emprego racional e econômico do espectro, mas também "as atribuições, distribuições e consignações existentes".

 

No caso concreto, ao atribuir a interessados (no caso, operadores de satélites), por prazo determinado, o direito de uso de radiofrequência, a ANATEL induziu a investimentos pesadíssimos, de longa maturação e amortização. Decidir suprimir esses direitos exige o respeito às situações jurídicas consolidadas ou o seu correto e justo equacionamento.

 

Na eventualidade de que, finalmente, sopesados os ônus e bônus da utilização da faixa de 3.600 a 3.700 MHz para o IMT e os impactos que referida alteração produz sobre os serviços de interesse público prestados via satélite e também sobre as atuais ocupantes dessa porção do espectro, à solução que exigirá a saída dos atuais operadores, deve ser debatida abertamente, com a definição de uma metodologia de compensação que respeite as situações consolidadas.

 

Anote-se, ainda, que o regulador tem o dever, adicionalmente, de indicar o prazo razoável para desocupação de uma faixa sempre que promove uma alteração de destinações (Art. 160, parágrafo único, da LGT) e a verdade é que não se localizou uma única análise fundamentada, nem disposição na proposta de resolução que pretende reformar a Resolução 711/2019, indicando qual é esse prazo razoável.

 

Se o órgão regulador pretende promover uma desocupação rápida da faixa, inclusive considerando os desafiadores prazos para implantação dos serviços terrestres de 5G, é imprescindível que enfrente de maneira ampla e abrangente não só o tema do prazo razoável (que deve considerar o disposto no art. 172 da LGT), como igualmente os ressarcimentos devidos para viabilizar essa desocupação em bases justas e razoáveis. A Anatel conhece e aprova as metodologias técnicas de cada satélite brasileiro em operação, é consciente da dimensão dos investimentos feitos e planos de negócio desenvolvidos pelas operadoras que consideram – reconheçamos –, não apenas o prazo inicial do direito de exploração como a própria vida útil dos satélites em operação (costumeiramente superior aos prazos dos direitos de exploração), o que se manifesta nas expectativas de prorrogação de tais direitos, inclusive. Ou seja: a Anatel tem todo o conhecimento e o instrumental para chegar a critérios corretos de indenização pelos custos, pelo capital investido e pelas efetivas perdas a serem sofridas.

 

Jamais, no Brasil ou – que se conheça – na experiência internacional deixou-se de prorrogar os direitos de exploração de satélites, exatamente a partir dessa legítima expectativa de que os investimentos irrecuperáveis têm vida útil que demanda aproveitamento. Contraria o art. 2º da Lei Geral de Telecomunicações, que prevê constituir dever do Poder Público em seu inciso I, estimular a "expansão do uso" de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira, e não a inutilização dessas mesmas redes. Também é dever do Poder Público "fortalecer o papel regulador do Estado" e não o tornar precário e incapaz de prover segurança jurídica (o que ocorreria se precarizadas fossem, em regra, as outorgas concedidas pelo Estado). Constitui dever, ademais, "criar oportunidades de investimento" e essa criação não pode se dá com olhos postos apenas nos ganhos e nas oportunidades presentes, sem que se provejam mecanismos de estímulo a investimentos de longo prazo (dentre os quais os investimentos em infraestrutura satelital são dos mais significativos), respeitando aqueles que foram atraídos e estimulados por oportunidades de investimentos formuladas no passado.

 

Se assim não proceder, a agência retardará os benefícios da implantação do 5G e ao mesmo tempo desestimulará fortemente quaisquer futuros investimentos na infraestrutura de satélites dentro do novo ambiente regional por conta da insegurança jurídica e regulatória.

 

Não se pode admitir que todo um ambiente de estabilidade regulatória, direitos vigentes e expectativas de direito possam ser neutralizados sem que se considere o desafio que supõe a eventual desocupação de faixa em todas as suas dimensões e a justa e razoável indenização pelos custos decorrentes.

 

Os estudos que foram realizados até fins de 2019 estavam concentrados nas faixas de frequências entre 3.300 MHz a 3.600 MHz, como já comentado. Para uma operadora satélite poder evoluir num plano de desocupação da faixa e realocação de emissões nas frequências mais altas do espectro a primeira etapa seria interagir com os clientes e avaliar suas preocupações e requisitos para manutenção dos serviços após este processo. Daí seguem providências as mais diversas, demandando tempo e custos.

 

Um dos pontos a serem levantados são os dados de localização das estações terrenas de recepção não registradas na Anatel. Naturalmente este é um processo demorado pois os clientes das operadoras de satélites muitas vezes dependem de informações de seus clientes finais e estes dados não estão facilmente disponíveis.

 

Em termos de espectro a migração de emissões da faixa estendida para a faixa padrão, assim como os requisitos de migração de outras emissões por conta de um requisito de banda de guarda, poderá exigir uma grande reconfiguração dos planos de frequência dos transponders da banda C, e será necessário identificar blocos de faixa suficiente e nas polarizações corretas para atender as emissões a serem transferidas considerando todas as obrigações contratuais dos clientes de toda a faixa de banda C e suas possíveis expansões.

 

Desta forma, para realizar um plano completo de desocupação da faixa deveríamos entender dos clientes suas disposições em implantar novas tecnologias para um upgrade dos sistemas de compressão de vídeo e assim reduzir os requisitos de faixa associados a cada cliente. Em alguns casos como os sistemas de transmissão analógica, a adoção de tecnologias como HECV (High Efficiency Video Coding"), novas configurações de moduladores e demoduladores etc, poderia trazer benefícios de redução de faixa e custos para o cliente.

 

Os upgrades de tecnologia, porém, não seriam os mesmos para todos os clientes e nem sempre se aplicariam da mesma forma, devendo ser customizados por cliente, buscando os maiores investimentos nos casos em que os ganhos de faixa e custo são mais representativos no total da faixa sendo utilizada em cada satélite.

 

Tal como comentado anteriormente, muitas das antenas de recepção operando no território brasileiro irão requerer filtros (ou troca do LNB) para poderem seguir operando sem risco de interferência em presença das emissões de 5G terrestre que podem saturar estas recepções mesmo estas operando em faixa acima de 3,7 GHz. Estimamos existirem algumas dezenas ou centenas de milhares de estações apontadas para os satélites operando em banda C no Brasil, além dos milhões de antenas de recepção de sinal de TV aberta. O número mais preciso somente poderá ser definido após a coleta de dados junto aos clientes e registro das estações conforme descrito anteriormente.

 

A situação se agrava quando se considera ainda a possibilidade de que a eventual migração não seja feita "simplesmente" para a Banda C "padrão", mas que, por necessidade, tenha que ser para outras bandas do espectro, como por exemplo a Banda Ku, tornando ainda mais desafiador o processo de realocação de clientes e manutenção de compromissos, em termos de prazos e custos a serem reembolsados, na medida em que se discute uma substituição de equipamentos mais radical.

 

Finalizando, o edital proposto pouco fala sobre a forma como se dará a compensação, limitando-se a estabelecer critérios relacionados a preços e prazos remanescentes dos atuais direitos. Há muito mais em jogo, muito mais do que simplesmente o ponto de vista da gestão do espectro, e mais uma vez preocupa o fato de que tal discussão seja levada a cabo em um prazo tão exíguo e sem estudos de impacto (e testes de campo) que a respaldem.

 

Sendo assim, o Sindisat entende ser necessário que esses pontos sejam devidamente endereçados no corpo desta minuta, fazendo constar de forma clara e transparente (i) valores respectivos de indenização de cada empresa detentora de satélite que venha a ser afetado, (ii) soluções que serão adotadas para mitigação da interferência na recepção da TVRO, (iii) outras soluções necessárias para convivência dos serviços satelitais com o IMT.

 

7. Sobre as peculiaridades do setor de satélite e a segurança jurídica

 

Todo o exposto acima denota uma evidente violação do princípio da segurança jurídica. A forma como o tema tem sido tratado, até aqui, mostra pouco interesse em prover a quem ocupa legitimamente a banda qualquer justificativa, amparo ou mesmo preocupação.

 

Trata-se de corporações que ao longo de muitos anos têm realizado robustos investimentos e acreditado no País como cenário para o desenvolvimento de negócios; suportado serviços de interesse da coletividade e considerado legitimamente manter suas atividades em função dos maiores ou menores prazos de suas outorgas (com legítima expectativa de renovação) e das próprias estimações de vida útil de seus satélites – o que aliás se reflete na generalidade dos contratos que as empresas do setor firmam com seus clientes: prestadores de serviços de telecomunicações e emissoras de televisão.

 

Não se pode admitir que todo um ambiente de estabilidade regulatória, direitos vigentes e expectativas de direito possam ser neutralizados sem que tenha havido um vasto e profundo debate técnico e que, ademais, considere o desafio que supõe a eventual migração de faixa em todas as suas dimensões.

 

Veja-se, por exemplo, que o edital proposto pouco fala sobre a forma como se dará a compensação, limitando-se a estabelecer critérios relacionados a preços e prazos remanescentes dos atuais direitos. Há muito mais em jogo, muito mais do que simplesmente o ponto de vista da gestão do espectro, e mais uma vez assombra o fato de que tal discussão seja levada a cabo em um prazo tão exíguo e sem estudos de impacto (e testes de campo) que a respaldem. Nesse sentido, e isto será comentado em tópico oportuno, o Anexo II do Edital oferece uma tabela de correlação entre as obrigações e os lotes do edital. O problema é que se encontra apenas um modelo de tabela de conteúdo vazio, sem maiores referências, e, o que é mais grave, para alguns lotes (os de categoria B) expressamente estabelecendo que não há obrigações de compensação pela desocupação da faixa, que será ocupada da mesma forma.

 

Mais do que imperativos gerais de segurança jurídica – que já seriam suficientes para que a Agência, até para o fortalecimento do seu papel regulador (art. 2º, inciso IV, da LGT), dedicasse real proteção e respeito aos detentores de direitos de uso de faixas de radiofrequência – a disciplina legal específica dada ao tema exige que a Anatel reconheça que deve respeitar os ocupantes das faixas que pretende limpar para destinar ao IMT.

 

É sabido que a Lei Geral de Telecomunicações – LGT dispõe que o espectro radioelétrico é bem público administrado pela ANATEL (art. 157) e que a administração exercida pela ANATEL contempla tanto a expedição de normas (art. 19, VIII), quanto a edição de atos de outorga e de extinção do direito de uso das radiofrequências.

 

Diante da relevância do espectro radioelétrico (indispensável e escasso) a lei dispensa a ele e a suas autorizações tratamento mais protetivo do que aquele dedicado a autorizações para prestação de serviço: ao contrário da autorização para a prestação de serviços no regime privado, que em regra não tem limite ao número de autorizados e é, também por isso, concedida aos interessados por prazo indeterminado, as autorizações de uso de radiofrequência são escassas e têm prazo determinado.

 

Não se nega, na lei, a discricionariedade na atuação da agência quando delibera sobre a destinação de faixas mas isso não afasta o caráter vinculado das autorizações de uso de radiofrequência, já que o fato de esta ser outorgada por prazo determinado atribuem ao particular autorizado um direito estável que, no caso de modificação de destinação de faixa de radiofrequência, não pode ser suprimido sem compensações.

 

Para decidir por uma destinação de determinada faixa de radiofrequência, a ANATEL deve considerar o "emprego racional e econômico do espectro". Há, nisso, algum grau de discricionariedade, uma vez que a Agência dispõe de uma certa margem de liberdade para apontar, motivadamente e com justificação técnica e econômica, qual é o emprego racional e econômico das faixas. Diversos elementos são aptos a qualificar uma destinação do espectro como eficiente e racional. É o caso do desenvolvimento tecnológico, das políticas industriais ou dos avanços nas políticas públicas. Esses elementos envolvem a situação atual e as perspectivas de uso, demanda ou desenvolvimento futuro. Como todo juízo prospectivo, envolve avaliações e projeções que podem ou não se confirmar.

 

Apesar da discricionariedade na decisão quanto à destinação de faixas, a lei define a autorização como ato vinculado, retirando da Agência qualquer margem de liberdade. Cumpridos os requisitos legais e regulamentares, a ANATEL tem o dever de conceder a respectiva autorização, por prazo determinado. A autorização, nesse sentido, não compreende exercício de discricionariedade por parte da Agência.

 

Cabe acrescentar que inexiste, na disciplina das outorgas de direito de uso de radiofrequência, regra similar àquela que consta do art. 130 da LGT, que prevê que "a prestadora de serviço em regime privado não terá direito adquirido à permanência das condições vigentes quando da expedição da autorização ou do início das atividades, devendo observar os novos condicionamentos impostos por lei e pela regulamentação". A prestadora aqui referida é a prestadora de serviços de telecomunicações em regime privado, não uma titular de direito de exploração de satélite.

 

Essas circunstâncias já bastam para o reconhecimento de que a ANATEL deve respeitar os direitos de uso de radiofrequência que ela mesma outorgou aos particulares.

 

Se essa disciplina protetiva já está presente mesmo sob a égide do art. 160 da LGT, mais ainda se diga em face da regra do art. 172, segundo a qual "O direito de exploração de satélite brasileiro para transporte de sinais de telecomunicações assegura a ocupação da órbita e o uso das radiofrequências destinadas ao controle e monitoração do satélite e à telecomunicação via satélite, por prazo de até 15 (quinze) anos, podendo esse prazo ser prorrogado, nos termos da regulamentação, desde que cumpridas as obrigações já assumidas."

 

As demais outorgas de direito de uso de radiofrequência, de acordo com o art. 163 da LGT, são atos administrativos vinculados, "associado à concessão, permissão ou autorização para prestação de serviço de telecomunicações", mas a lei não indica qualquer prazo, nem afirma estar assegurado se uso por determinado prazo.

 

No art. 172, fica expresso que a própria lei ASSEGURA o uso das radiofrequências destinadas à telecomunicação via satélite PELO PRAZO DE ATÉ 15 ANOS, sem qualquer ressalva ou excludente nos moldes daqueles previstos no art. 130 da LGT.

 

A lei brasileira, com isso, reconhece as particularidades do setor satelital e dos custos afundados nele presentes com grande especificidade.

 

Diante do art. 172, o regulador não tem qualquer discricionariedade para fixar o prazo adequado e razoável para efetivação da mudança de destinação, ao qual se refere o parágrafo único do art. 161 da LGT. Esse prazo é assegurado por lei. Para as outorgas de direito de uso de radiofrequência associado a direito de exploração de satélite brasileiro para transporte de sinais de telecomunicações esse prazo é, no mínimo, o prazo original da outorga.

 

Ainda que a Agência já tenha promovido procedimentos de desocupação de faixa anteriormente e nunca tenha reconhecido um direito do ocupante da faixa de usá-la até o término do seu prazo, nunca o fez à luz do art. 172. Os precedentes da ANATEL interpretaram e aplicaram apenas os arts. 130 e 161, da LGT. Não o art. 172.

 

Nas explicações já apresentadas quanto aos custos afundados no setor de satélites ficou claro como esse setor é peculiar e justifica um tratamento especial: qualquer interpretação legal que não seja tal que assegure aos operadores de satélites o direito de utilizar as faixas pelo prazo da outorga implica fragilizar e precarizar os investimentos nessa área de forma definitiva. Investir, até cinco anos antes, centenas de milhões de dólares para assentar seu plano de negócios em quadro absolutamente precário é o mesmo que afastar por completo os investimentos. Não por outra razão a lei deu tratamento mais protetivo às outorgas de radiofrequência no caso dos satélites.

 

Essa disciplina não impede mudanças na destinação de faixas de radiofrequência. Ocorre que para ser efetivada ela exige que, ou se aguarde pelo decurso do prazo da autorização outorgada à operadora de satélite, ou que se compense integralmente os prejuízos proporcionados pela mudança de destinação.

 

Cabe destacar, ainda, que o poder público arrecada recursos por meio dos leilões de radiofrequência. Por vezes, quando presente um viés arrecadatório mais explícito, a fixação do preço mínimo visa a objetivos de reforço no caixa do tesouro. Mesmo quando isso não se verifica, há arrecadação indireta de taxas, impostos e contribuições gerados pela própria atividade econômica gerada pela prestação desserviços com base satelital.

 

Num e noutro caso, portanto, se o poder público não ressarce de forma justa e razoável os atores prejudicados pela desocupação de faixa, obrigados a cessar a oferta de capacidade satelital, ou forçados a instalar filtros ou outros instrumentos na oferta de capacidade em faixas adjacentes, acaba por se beneficiar ilicitamente dessa sua conduta, sendo beneficiária inequívoca de enriquecimento sem causa, pois aufere benefícios às custas dos prejuízos impostos aos operadores de satélite.

 

8. Considerações Gerais

 

O cenário acima será apresentado adiante em mais detalhes, mas já traz uma compreensão mínima das questões com as quais o país e, particularmente, as operadoras e seus clientes, se defrontarão com a implementação pretendida pela Anatel.

 

Todo o exposto acima denota uma evidente violação do princípio da segurança jurídica, ao princípio da legalidade e ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. A forma como o tema foi tratado na proposta submetida a Consulta Pública mostra pouco interesse em prover a quem ocupa legitimamente a banda qualquer justificativa, amparo ou mesmo preocupação. Trata-se de corporações que ao longo de muitos anos têm realizado robustos investimentos e acreditado no País como cenário para o desenvolvimento de negócios; suportado serviços de interesse da coletividade e considerado legitimamente manter suas atividades em função dos maiores ou menores prazos de suas outorgas (com legítima expectativa de renovação) e das próprias estimações de vida útil de seus satélites – o que aliás se reflete na generalidade dos contratos que as empresas do setor firmam com seus clientes: prestadores de serviços de telecomunicações e emissoras de televisão.

 

Ressaltamos que a capacidade disponível em frequências da Banda C padrão pode ser usada para realocar serviços provisionados em outros países da Região, onde a realocação também é ou poderá ser necessária. Os feixes nos satélites usados para fornecer serviços de Banda C no Brasil não são exclusivos do país, mas são em sua maioria regionais. Portanto, essa avaliação preliminar da Anatel deveria levar esse fato em consideração. Uma abordagem regional, e não puramente nacional, é necessária para os satélites da Banda C que cobrem o Brasil, levando em consideração a cobertura regional e os requisitos de serviço. Finalmente, é fundamental que seja considerado pela Anatel que, para os detentores de direito de exploração expedidos pela Agência, se garanta expressamente a possibilidade prática de continuar a operação em toda a faixa de 3625 a 4200 MHz em outros países, o que é intrínseco ao meio satelital.

 

 

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