Em Debate Especial

Balanço da Regulamentação de Telecomunicações

Quarto de uma série especial. Publicado: 13/12/04

 

Existe solução para a questão das

tarifas de uso?

 

Miryan Natividade Borges

mborges@comvetor.com

 

Consultora em telecomunicações Comvetor Estratégias Corporativas

 

Há oito anos atrás, na época da elaboração da lei geral de telecomunicações (LGT), lei nº 9472, de 16 de julho de 1997, o serviço de telefonia fixa era o que possuía maior número de terminais.


Eram 16,5 milhões de terminais fixos instalados enquanto os acessos móveis eram 2,7 milhões. O índice de digitalização da rede era pouco mais de 50%. Existiam 31 operadoras, sendo que 27 pertenciam ao sistema Telebrás e 4 eram independentes.


Dentro deste cenário a LGT no seu artigo 64 estabeleceu: “comporão prestação no regime público as modalidades de serviço de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência universalização e continuidade a própria União compromete-se a assegurar.”


Definiu, ainda, no parágrafo único deste mesmo artigo que: “Incluem-se neste caso as diversas modalidades do serviço telefônico fixo comutado, de qualquer âmbito, destinado ao uso do público em geral.”


Portanto, a LGT não indicou nenhum outro serviço para ser prestado no regime público, apenas o serviço telefônico fixo comutado de qualquer âmbito.


Como previsto no artigo 18 da LGT o Poder Executivo pelo Decreto nº 2534, de 02 de abril de 1998, aprovou o Plano Geral de Outorgas (PGO).


Ficou estabelecido pelo art 1º do PGO que o serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público em geral seria prestado nos regimes público e privado.


O PGO definiu, também, no seu art 5º que a prestação do STFC no regime público seria outorgada por concessão às operadoras que operavam o serviço telefônico fixo comutado na data da publicação da LGT.

 

O PGO instituiu ainda que os demais serviços de telecomunicações fossem prestados no regime privado.

 

Assim, de acordo com a legislação vigente, apenas o serviço telefônico fixo comutado (STFC), de qualquer âmbito, pode ser prestado no regime público. As respectivas concessões foram, de acordo com o estabelecido na LGT e PGO, outorgadas, para as operadoras que operavam estes serviços na época da publicação da LGT. As concessões foram outorgadas por modalidade do STFC, gratuitamente, sem direito de exclusividade, com termo final fixado para 31 de dezembro de 2005, assegurado o direito de prorrogação única por vinte anos, a título oneroso.

 

**Vale ressaltar que todas as concessionárias já manifestaram interesse na prorrogação dos seus contratos de concessão já tendo a Anatel, inclusive, colocado em consulta pública as minutas dos Contratos de Concessão do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral - STFC, nas modalidades de serviço Local, Longa Distância Nacional-LDN e Longa Distância Internacional-LDI, seus anexos, o Plano Geral de Metas de Qualidade para o Serviço Telefônico Fixo Comutado-PGMQ, bem como diretrizes aplicáveis ao contexto da prorrogação.

 

Todos os demais serviços são prestados no regime privado, inclusive, o STFC de qualquer âmbito outorgado a outras operadoras.

 

Segundo a LGT, diferentemente da concessionária, a prestadora de serviço no regime privado não tem direito adquirido à permanência das condições vigentes quando da expedição da autorização ou início das atividades, devendo observar os novos condicionamentos impostos por lei e pela regulamentação. Portanto, para os serviços prestados em regime privado a regulamentação vigente pode ser alterada desde que seja concedido prazo suficiente para adaptação aos novos condicionamentos.

 

Para as concessionárias o parágrafo 1º do artigo 99 da LGT estabelece que “A prorrogação do prazo da concessão implicará pagamento, pela concessionária pelo direito de exploração do serviço e pelo direito de uso das radiofreqüências associadas, e poderá, a critério da Agência, incluir novos condicionamentos, tendo em vista as condições vigentes à época.”

 

Portanto, apenas na prorrogação dos contratos de concessão poderão ser impostos novos condicionamentos às concessionárias.

 

Vale a pena recordar que, embora a LGT tenha estabelecido que aos serviços prestados em regime público fossem outorgadas concessões, como a Lei Mínima, lei 9295, de 19 de julho de 1996, foi publicada um ano antes da LGT, ficou estabelecido no seu art 11, que as concessões para exploração do SMC somente poderiam ser outorgadas a empresas constituídas segundo as leis brasileiras com sede e administração no País.

 

Assim a licitação da banda B que foi publicada com base na Lei Mínima previa outorga por concessão para a prestação do SMC.

 

Com base na lei mínima e no documento de convocação para a licitação da banda B foram assinados, respectivamente, contratos de concessão com todas as operadoras que operavam o serviço na época da publicação da LGT (as operadoras da banda A) e, com todas as operadoras que venceram a licitação da banda B exceto a operadora da área 8 que não foi vendida na primeira licitação.

 

Assim sendo, foi voluntária a migração das operadoras do SMC para o SMP, visto que a regulamentação do SMP impunha novos condicionamentos e exigia a assinatura de novo instrumento de outorga, o Termo de Autorização para prestação de serviço em regime privado.

 

Todas as operadoras do SMC já migraram para o SMP, tendo as primeiras migrações ocorrido em dezembro de 2002 e a última migração ocorrido no início de 2004. Importante frisar que o Regulamento do SMP foi publicado em 12 de dezembro de 2000 e a Norma de Adaptação dos instrumentos de Concessão e Autorização do SMC para o SMP foi publicada em 12 de janeiro de 2001.

 

Hoje todas as operadoras, exceto as seis operadoras do STFC no regime público, possuem termo de autorização para prestação de serviço de telecomunicações em regime privado para o qual não está garantida a manutenção das condições vigentes quando da expedição do mesmo.

 

Isto posto, vamos ver agora as mudanças que ocorreram no cenário da época onde foi elaborada a LGT.

 

Em outubro de 2004, o número de acessos fixos instalados era 42,3 milhões enquanto o número de acessos móveis era 59,7 milhões. Portanto, o número de acessos móveis já é maior que o de terminais fixos. A tendência é que esta diferença aumente já que a taxa de crescimento do móvel é bem maior que a do fixo que hoje está próxima de zero e pode inclusive se tornar negativa. O índice de digitalização da rede está próximo de 100%. Existem hoje seis concessionárias do STFC, as mesmas que existiam antes e que foram privatizadas agrupadas segundo as quatro áreas de prestação do STFC definidas no PGO mais duas das quatro independentes que continuam independentes. Existem, também, mais de quarenta autorizatárias ( espelhinhos) e uma espelho a GVT já que a VESPER hoje pertence ao grupo Telmex que comprou a Embratel.

 

O serviço móvel, SMP, é prestado por oito grupos de operadoras. Existem, ainda, mais de duzentas autorizações já emitidas para o serviço de comunicação multimídia, SCM.

 

E o mais importante, voz sobre IP que antes era visto como um futuro distante pela baixa qualidade disponível naquela época, hoje é uma realidade com qualidade tão boa que fica difícil para o usuário perceber quando uma chamada segue o encaminhamento tradicional e quando é utilizado tecnologia IP.


A tecnologia acabou com as distâncias.


Hoje se pode usar uma plataforma inteligente em qualquer lugar do mundo para prestar serviço aqui no Brasil com um retardo imperceptível para o usuário.


Pode-se ter em casa ou escritório conectado à internet em alta velocidade numa cidade do Brasil terminais de outras cidades do Brasil ou de outras cidades do mundo. E assim, passar a chamar ou ser chamado por outro terminal daquelas cidades por ligação local.


Pode-se também ter um 0800 de qualquer cidade do mundo e operá-lo aqui no Brasil.


A tecnologia IP vem trazendo reduções de custos extraordinárias que são repassadas para o usuário.


Não dá para competir mantendo-se operações tradicionais e tecnologias tradicionais quando o mundo a sua volta está mudando.

 

A regulamentação existente não está preparada para as mudanças tão rápidas que estão ocorrendo na tecnologia. E como sabemos não dá para ignorar nem impedir os avanços tecnológicos.

 

Dezembro de 2005 está chegando e fevereiro de 2005 está muito próximo, como será que a Anatel vai resolver o assunto das tarifas de uso?

 

Isto porque:

  1. A tecnologia IP pode fazer os grandes usuários de longa distância substituírem o tráfego de longa distância pelo tráfego local, reduzindo a receita das prestadoras de longa distância.
  2. O regulamento de remuneração pelo uso de redes de prestadoras do STFC colocado em consulta pública pode reduzir a receita de TU-RL das operadoras locais, pois, o tráfego destinado a uma rede local pode ser entregue a outra rede de operadora de STFC da mesma área local que encaminha o tráfego para a rede de destino sem pagar TU-RL, podendo, portanto, cobrar pela comutação um valor menor que TU-RL.
  3. O regulamento de remuneração pelo uso de redes de prestadoras do SMP colocado em consulta pública pode reduzir a receita de VU-M das operadoras do SMP, pois, o tráfego destinado a uma rede do SMP pode ser entregue a outra rede de operadora de SMP da mesma área de registro que encaminha o tráfego para a rede de destino sem pagar VU-M, podendo, portanto, cobrar pela comutação um valor menor que VU-M.
  4. O uso de cell-box, caixas com telefones de várias operadoras móveis ativados em planos com preços menores que a VU-M ou com uma quantidade de minutos grátis para chamadas locais destinadas a terminais da mesma operadora pode reduzir a receita de VU-M das operadoras móveis.
  5. O mecanismo de remuneração de tarifa de uso existente no Brasil conjugado com a adoção do modelo CPP (Calling Part Pays) possibilitou o extraordinário crescimento do número de acessos móveis pelo uso da estratégia de venda de pré-pago. Na realidade a receita oriunda da tarifa de uso nas chamadas entrantes cobre o custo da rede móvel que no modelo MPP (Mobile Part Pays) é totalmente pago pelo dono do telefone móvel. No modelo CPP o usuário pré-pago que raramente origina chamada transfere o custo da sua mobilidade para os assinantes que o chamam.

Ficam, portanto, as seguintes questões para as quais gostaria de saber a opinião de vocês sobre cada uma delas.

  1. Uma redução na receita de tarifa de uso das operadoras do SMP pode inviabilizar o pré-pago que hoje representa 80% da planta existente?
  2. É uma missão quase impossível recuperar a perda da receita de tarifa de uso das operadoras do SMP com um aumento na receita de chamadas originadas em pré-pago?
  3. A introdução do bill&keep para todos os tipos de chamadas fixo-fixo seria uma solução para garantir os investimentos no STFC?
  4. Poderia a operadora do STFC dona da receita ficar responsável apenas pelo pagamento, quando for o caso, do custo de ter um usuário seu ligado na rede de outra prestadora (compartilhamento/unbundling)?

Provavelmente vocês tenham outras questões sobre o assunto.

 

Precisamos criar oportunidades para discutir amplamente estas questões e tentar encontrar a melhor solução para o futuro.

 

Miryan Natividade Borges

mborges@comvetor.com

Consultora em telecomunicações

Comvetor Estratégias Corporativas

Comentário de Guilherme Ieno Costa

1) Uma redução na receita de tarifa de uso das operadoras do SMP pode inviabilizar o pré-pago que hoje representa 80% da planta existente?

 

R: Me parece que a redução da VU-M poderá viabilizar a expansão do pré-pago, na medida em que a única restrição para a sua comercialização/expansão se dá com relação ao valor do terminal.

 

O discurso das operadoras móveis é justamente o de que a VU-M auferida nas chamadas destinadas aos terminais pré-pagos é o de que possibilita o subsídio dos terminais.Te devolvo com uma pergunta:

 

Mas esse subsídio não estaria violando a art. 70, I da LGT? A resposta me parece ser positiva o que, portanto, leva a cair por terra o discurso de preservação do valor da VU-M.

 

 

Resposta da Miryam

O artigo 70, I coibe a prática de subsídios para redução artificial de preços, entretanto, não existe, hoje, subsídio para redução artificial de preços no caso do pré-pago.

 

As tarifas cobradas nos planos pré-pagos são sempre maiores que as tarifas cobradas nos planos pós-pagos das operadoras.

 

A tarifa de uso aplicada às chamadas terminadas em assinantes dos planos pré-pagos é a mesma aplicada às chamadas terminadas em assinantes dos planos pós-pagos.

 

O que ocorre neste caso é um conjunto de fatos independentes da ação das operadoras exceto os dois últimos que juntos levam ao resultado que vemos hoje.

 

Só no Brasil existe chamada a cobrar automática.

 

No Brasil usamos CPP.

  1. É grande o número de trabalhadores autônomos/economia paralela existentes no Brasil.
  2. Na estrutura de renda existente no Brasil temos muito mais pessoas nas classes mais baixas que nas altas.
  3. O valor das tarifas dos planos pré-pagos é bem mais alto que dos outros planos.
  4. Embora não seja proibido, os planos pré-pagos geralmente não possuem pagamento de assinatura mensal.

Juntando tudo temos a explicação do sucesso de vendas dos pré-pagos e da dependência da receita da tarifa de uso:

 

A grande massa da população quer ser chamada e como no pré-pago ele não paga assinatura fica barata a manutenção do serviço. O alto valor das tarifas dos planos pré-pagos não é relevante neste caso. O terminal móvel que seria a barreira de entrada ele compra em prestações nas lojas onde está acostumado a comprar outros produtos. E mais, podendo ser encontrado ele pode gerar mais renda.

 

Outros compram pré pago porque querem ter controle dos gastos, necessitam ser encontrados mas também necessitam gerar chamadas. Neste caso geram chamadas a cobrar que são pagas pelo assinante chamado com base no plano que estiver vinculado.

 

A tarifa de uso é devida à prestadora que atende ao cliente nas chamadas entrantes e nas chamadas a cobrar. Portanto para o pré pago que praticamente só recebe chamada e quase não origina e também para aquele prépago que recebe chamada e origina chamada a cobrar a receita da operadora é basicamente a receita da tarifa de uso. Mas isso não é subsídio.

 

 

2) É uma missão quase impossível recuperar a perda da receita de tarifa de uso das operadoras do SMP com um aumento na receita de chamadas originadas em pré-pago?

 

R: Acredito que sim. A tendência com o Bill and Keep pleno entre SMP na mesma área de registro é de que o valor do preço de público diminua, com a oferta, inclusive, de "flat fees".

 

3) A introdução do bill&keep para todos os tipos de chamadas fixo-fixo seria uma solução para garantir os investimentos no STFC?

 

R: Não para aqueles que têm seus business plans apoiados no modelo atual. Entretanto, há que se ganhar volume na oferta de serviço (a preços competitivos, tendo em vista a redução do custo de interconexão).

 

4) Poderia a operadora do STFC dona da receita ficar responsável apenas pelo pagamento, quando for o caso, do custo de ter um usuário seu ligado na rede de outra prestadora (compartilhamento/unbundling)?

 

R: Com o bill and keep pleno (Local x Local) a tendência será essa. Só será pago o valor pelo compartilhamento.

 

 

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