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Cultura e Planejamento

 

 

Nelson Takayanagi

 

 

 

 

 

 

 

O recém empossado Presidente da Anatel, em 04 de outubro de 2016, enfatizou, entre outras questões fundamentais, duas posições cercadas de preconceitos históricos e culturais: i) evitar que os problemas nos atropelem, isto é, planejar; e, ii) distinguir o tratamento das coisas públicas com as privadas.

 

Quem já não ouviu ditados como: “procurando pelo em ovo”, “buscando soluções em problemas que não existem”, “o futuro a Deus pertence”, “espere chegar o problema que a gente resolve”; e, também: “aos poderosos tudo, aos pobres, a lei”, “levar vantagem em tudo” e assim por diante.

 

Essa herança cultural, descobrindo o “brasileiro moreno” de Gilberto Freyre e seu comportamento como o “homem cordial” de Buarque de Holanda, com sua afetividade, personalismo e patrimonialismo, nos remete à influência da monarquia ou do coronelato, onde as coisas públicas misturavam-se com o privado e planejar não seria atribuição da colônia.

 

Refletir os acontecimentos, estudar tendências e imaginar o futuro requer esforço e liberdade de pensamento, num ambiente de compartilhamento e solidariedade, condições fundamentais para um país que quer se ombrear com os desenvolvidos.

 

Entre vários métodos científicos de abordar problemas, hoje em dia se populariza a metodologia sócio-crítica que se apoia em análises qualitativas, suportadas por dados quantitativos, que podem auxiliar na construção de soluções ou nas tomadas de decisões.

 

O presente artigo resume resultados alcançados após alguns anos de pesquisa, construção de cenários e elaboração de estratégias, que levaram a duas matrizes teórico-empíricas que permitiram realizar análises e reflexões.

 

Elas buscaram separar fatos históricos que levaram à implantação do Modelo de Telecomunicações que resultou na Lei no. 9.472 de julho de 1997 e fatos novos que ocorreram após a promulgação dessa Lei.

 

Estas duas matrizes representam: i) na primeira coluna, os “Fatos Relevantes” selecionados, divididos em antes e depois da emissão da Lei Geral de Telecomunicações, de n° 9.472, de 16 de julho de 1997; ii) na primeira linha, segmentado por títulos sintéticos, os objetivos específicos buscados pelo modelo: 1) Estudar as condições em que ocorreram e as forças envolvidas; 2) Compreender os intentos da aplicação do modelo; 3) Identificar novos aspectos, processos, paradigmas e tecnologias que produzirão reflexos; 4) Associar as características das transformações que envolverão pessoas e organizações numa eventual elaboração de um novo modelo de telecomunicações; 5) Buscar aspectos que merecem mais estudos e detalhamento, do ponto de vista político, legal e regulatório.

 

Com isso, as duas Matrizes abaixo buscaram sugerir, sintetizar e visualizar a relação dos Fatos Relevantes com seus objetivos e permitir avaliar o momento adequado para decisões estratégicas.

 

Essas decisões, passíveis de serem adotadas para o setor de TICs e Telecomunicações, não tem a pretensão de ser um conjunto homogêneo e completo de avaliação do setor. Elas dependem da participação de vários atores empenhados na busca por alternativas adequadas de progresso e desenvolvimento da sociedade.

 

MATRIZ TEÓRICO-EMPÍRICA I

Fatos Relevantes da LGT de 1997

 


Fato Relevante
Condições e Forças Resultados da LGT Novos Aspectos Características
Inovadoras
Visão de Regulação
Recursos Finitos Investimentos Privatização Reconstrução Agência Reguladora Novos Atores
O Agente Humano Conhecimento Reguladores Liberdade de Mercado Competição Processos Licitatórios
Disseminação do Uso Serviço Universal Concessão e Autorização Serviços Públicos e Privado Interesse Coletivo e Restrito Gerência por Plataformas
Impacto Regulatório Desenvolvimento e Fomento Crescimento Qualidade Interesse Publico Consumidor
A crise Permanente Fundos Tecnológicos Demanda Crescente Carência de Capacidade Preços e Tributos Adequação ao Mercado

 

MATRIZ TEÓRICO-EMPÍRICA II

Fatos Relevantes ocorridos após a LGT de 1997

 

Fato Relevante Condições e Forças Resultados da LGT Novos Aspectos Características
Inovadoras
Visão de Regulação
Pensar e Pensar Complexidade Estratégia Do agir Subjetivo Sinais Fracos Think Tanks e Planejamento Aberta e Cooperativa
Mundo Digital Economia Informacional Inserção Tecnológica e Financeira Dependência e Mobilidade Conectividade e Forças Sociais Padrões e Velocidade
A Outra Perna do PNBL Conteúdo e Rede Digitalização Acelerada Oferta e Demanda Transversali
dade
Aderência às Necessidades
A Rede das Redes Atacado e Varejo Crescimento Robusto Segurança e Confiabilidade Compartilha
mento e Competição
Planos de Negócio
O Futuro da Regulação Cooperação Modernização Arranjo Cultural Regional e Internacional Transparência e Leve

 

Podemos exemplificar a utilidade da Matriz com duas análises:

 

Retirada da primeira matriz, um fato relevante trata da disseminação do uso das telecomunicações.

 

Logo após a segunda guerra, durante a reconstrução do Japão, a transmissão de voz tinha como padrão poder reconhecer 50% dos sons e 80% das palavras. Isso permitiu que pudesse ser construída uma rede adequada de telefonia que se aproximava da universalização com investimentos viáveis dentro das condições econômico-financeiras e das prioridades da nação.

 

Isto quer dizer que universalização, investimentos e qualidade são indissociáveis quando se regula o modelo de telecomunicações.

 

Com relação à qualidade, acredita-se que uma forma essencial de refletir a percepção do usuário do ponto de vista desse indicador seria a evolução do índice de reclamações.

 

Mesmo quando se fala de banda larga, a metodologia de evolução da confiabilidade (interrupções) e do tempo de resposta (latência) poderia substituir grande parte de indicadores subjetivos de qualidade.

 

Esta análise revela a aderência dos investimentos e da qualidade com programas e projetos de universalização, onde a realidade da situação da sociedade brasileira teria necessariamente que ser levada em consideração.

 

Outra forma de segmentar e compartilhar qualidade seria por meio de plataformas. A de aplicações onde mais de 50.000 surgem a cada mês, a prioridade por sua gerência seria dos desenvolvedores, distribuidores e implementadores. A de transporte e redes seria das autorizadas de serviços de telecomunicações. Finalmente, a de dispositivos terminais seria dos seus fabricantes e implementadores. A presença de órgãos reguladores ou de defesa dos consumidores teria diferentes papéis dependendo da “plataforma” em questão.

 

Certamente disseminar o serviço implica em retornos de investimentos cada vez mais negativos. Como uma empresa mantendo essas obrigações poderia competir com outras, geralmente de maior capacidade (tecnológica e financeira) ou com maior flexibilidade para atender somente locais rentáveis ?

 

Com relação a uma segunda análise, retirada da segunda matriz, “A Segunda Perna do PNBL”, ela foca a participação que tem a questão dos conteúdos a serem transmitidos numa rede de alta capacidade consciente da sua transversalidade.

 

Como um exemplo, pode-se citar as entidades de estudo de mercado que projetam uma demanda brasileira para 2022 em torno de 1,5 bilhões de sensores (IoT, M2M, etc.).

 

Esse mercado tenderia a representar mais da metade das receitas de prestadoras de telecomunicações, cujas redes, essencialmente metropolitanas, seriam atendidas por indústrias onde 65% teriam a informação como produto essencial e destes 20% seriam totalmente virtuais, isto é, somente fornecedores de aplicações.

 

Com isso a grande demanda seria de banda estreita fornecida numa rede que cobriria áreas extensas (NB-WAN).

 

A necessidade de banda larga com alta velocidade concentraria uso intenso em áreas metropolitanas e pontos discretos, interesse maior da iniciativa privada, onde a rede contaria com importância crescente de Centros de Dados e Inteligência Artificial.

 

A disseminação do uso para áreas rurais, estradas e comunidades distantes tenderia a selecionar em escala crescente redes Wi-Fi de alta capacidade, com novos protocolos como o IEEE 802.ah, interligados em backbones de fibras e sistemas de alta capacidade (fortemente virtualizadas numa infraestrutura como serviço).

 

Observa-se que esse tipo de diagnóstico influi diretamente num desenho de modelo e nas políticas regulatórias, podendo cobrir várias questões como a mobilidade, cidades inteligentes, segurança, educação e saúde.

 

Qualquer modelo de telecomunicações poderia se basear numa futura arquitetura de redes a interligar plataformas de aplicações, configurando seu alcance e, estabelecendo as fontes e usos para viabilizar o modelo.

 

O conceito de visualizar a questão de redes como plataformas superpostas correspondentes às diversas prioridades nacionais permitiria elaborar projetos e programas à prova de futuro e adequadas às dificuldades econômico-financeiras e tecnológicas do país. Compartilhar e competir seriam alternativas a serem estudadas.

 

Uma constatação fundamental é a necessidade de aderência do modelo ao perfil do habitante do Brasil ou da América Latina, com toda sua carga de cultura, que dita comportamentos distintos de outras regiões. O modelo estaria inserido na reconstrução da identidade nacional.

 

Com isso, as diversas e distintas análises que poderiam ser construídas dos itens das matrizes que, embora não esgotem as questões, poderiam estimular debates e questionamentos. Eles visam enriquecer os diversos pontos de vista nos assuntos de interesse do setor e da sociedade.

 

A contribuição que trata o presente artigo é uma tentativa de reflexão sistemática no caminho para construção de modelos que possam refletir as reais necessidades e as possibilidades de tomada de ações.

 

 

Nelson Takayanagi é Engenheiro Eletrônico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – 1966, Mestre em Direção Estratégica de Telecomunicações pela Universidade Européia do Atlântico - 2015 e Doutorando em Educação na Universidade Internacional Iberoamericana do México.   Exerceu funções executivas na Embratel, Telebrás, Telemat, Ministério das Comunicações e Anatel.

 

 

 

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