Em Debate
Publicado: 11/12/2006
Telecomunicações: Para onde vai o mercado?
Newton Cyrano Scartezini
Consultor em Telecomunicações
Cenário atual
O cenário brasileiro no setor de telecomunicações mostra uma tendência para a redução do crescimento e até para a estagnação em alguns segmentos.
No segmento de redes fixas, o número de usuários permanece constante e mesmo decrescente há anos.
O mesmo se dá com a TV por assinatura, que tem tido uma pequena recuperação, mais em função dos acessos em banda larga a Internet do que pelo aumento de usuários do serviço de TV paga propriamente dito.
O modelo de negócio tradicional em telecomunicações se baseia no conceito de que o usuário final deve pagar toda a conta, o que leva ao atendimento exclusivo do mercado de maior poder aquisitivo, o chamado “topo da pirâmide”.
A exceção é o serviço celular, onde a oferta do serviço pré-pago, que permite ao usuário calibrar os gastos de acordo com sua possibilidade ou até usufruir parte do serviço sem custo, promoveu a inclusão de um grande contingente da população e transformou-se no único serviço a romper a barreira dos 40 milhões de usuários, considerado por muitos o mercado potencial “real” do Brasil.
Apesar disso, o crescimento do mercado celular também dá sinais de arrefecimento, e as operadoras do serviço tem sinalizado com a redução dos subsídios aos terminais, em função das baixas taxas de retorno verificadas, que são atribuídas ao baixo nível de receitas geradas pelos usuários do pré-pago.
A reação das grandes operadoras à essa relativa estagnação tem sido a oferta de serviços mais sofisticados ou abrangentes, tais como o acesso em banda larga com ou sem fio, o “triple-play”, os serviços convergentes que incluem voz, dados e vídeo etc.
Tais ofertas são dirigidas a usuários individuais ou empresariais que tem poder aquisitivo e formação para utilizar esses novos serviços, e que já dispõem dos serviços básicos. A idéia aqui é “vender mais para os mesmos”.
A mesma aposta tem sido feita pelos fornecedores de sistemas e equipamentos, que apresentam novas tecnologias e produtos cada vez mais sofisticados, voltados a um público de alto poder aquisitivo.
O mercado do “topo da pirâmide” certamente deve ser atendido, até porque aí estão os indivíduos e empresas que “puxam” o desenvolvimento do mercado como um todo, como pioneiros na adoção de inovações e que estabelecem novos paradigmas no sentido da evolução dos métodos de trabalho e de opções de entretenimento.
Entretanto, esse é um mercado mais restrito em termos de volume e de crescimento lento, dado que já dispõe de uma gama de serviços bastante satisfatória e não pretende aumentar significativamente seus gastos com serviços de comunicação.
Além disso, a situação regulatória atual não favorece a implantação dos novos serviços com a atribuição de licenças a serviços estanques, limitando a convergência, com o atraso no licenciamento de novas faixas de freqüência, tanto para os serviços móveis (3G) quanto para os fixos e com a indefinição das políticas a serem regulamentadas.
Os novos modelos
O cenário acima apresentado, em rápidas pinceladas, aponta claramente para um esgotamento do modelo atual dos serviços de telecomunicações. Do ponto de vista regulatório, é evidente que a divisão do mercado em serviços isolados e independentes, com a outorga de licenças diferentes para cada serviço está ultrapassada pela tecnologia e pelos modelos de negócios, que se tornam convergentes e permitem soluções completas, que interessam não só às empresas como aos usuários.
Impõe-se uma revisão conceitual do modelo, que precisa ser indutor do desenvolvimento e não entrave, como já acontece. A revisão do modelo regulatório, entretanto, não será suficiente. Faz-se necessária uma revisão no próprio modelo de negócios do setor.
Tomando emprestados alguns conceitos apresentados pelo economista indiano C. K. Prahalad, em seu livro "A riqueza na base da pirâmide", pode-se formular algumas idéias que devem fazer parte do novo modelo. Não se pretende apresentar aqui uma solução completa e fechada, já que se trata de estimular a reflexão e a criatividade e se espera que a partir de alguns elementos chave muitas soluções poderão ser viabilizadas.
A base da pirâmide é o único mercado de grande porte pouco explorado
Este conceito é especialmente verdadeiro no Brasil, onde o mercado efetivamente explorado hoje está em torno de 40 milhões de pessoas, para uma população de quase 190 milhões. Qualquer projeto de crescimento do mercado potencial precisa levar em conta a grande massa dos excluídos, se não quiser ficar condenado a taxas medíocres.
Para os que acham que a pequena renda per capita inviabiliza negócios compensadores, bastaria lembrar que a mesma avaliação era feita há pouco tempo atrás sobre o mercado chinês: "é muito grande, mas só consome arroz".
Esta frase foi muito ouvida em diversos fóruns ao redor do mundo. Quem acreditou nela deve estar muito arrependido! É bom lembrar também que a TV aberta atinge mais de 90% da população brasileira, sustentada por anunciantes como as Casas Bahia e as cervejarias, cujo maior volume de vendas está concentrado nas classes C, D e E.
A renda existe, mas é incerta
Esta é uma das conclusões mais importantes dos estudos de Prahalad. As populações de baixa renda podem dispor de recursos até razoáveis, mas o fluxo de recursos não é constante, o que inviabiliza compromissos de valor fixo, como é o caso das assinaturas de telefones fixos ou celulares pós pagos.
Isso explica o sucesso do celular pré pago, mais do que outros fatores. As tarifas de uso do pré pago são relativamente altas, mas não existe a obrigatoriedade de pagamentos fixos. Os créditos são adquiridos quando há disponibilidade de recursos e mesmo quando não existem, as chamadas recebidas ainda podem ser completadas, mantendo um serviço parcial, mas ainda útil.
Um exemplo interessante, que consta do livro de Prahalad é o da venda de shampoo para favelas na Índia, feita pela Procter&Gamble: A empresa desenvolveu embalagens individuais de shampoo, suficientes para uma lavagem de cabelos.
A idéia é que as embalagens tradicionais representam um custo recorrente, já que são suficientes para um período grande de uso e a incerteza da renda inviabiliza seu consumo. As embalagens individuais, ainda que proporcionalmente caras, são possíveis pelo baixo valor unitário. A iniciativa tem tido um grande sucesso.
Modelos filantrópicos ou baseados em recursos públicos não funcionam
O atendimento de populações de baixa renda só consegue ter abrangência, continuidade e sustentabilidade quando baseado num modelo de negócio rentável.
Existem diversas iniciativas, no Brasil e no mundo, que tentam atender a necessidades dessas populações por meio de contribuições filantrópicas e entidades beneficentes. São importantes e é muito bom que existam, porque apontam caminhos, detetam carências e criam modelos de prestação de serviços que podem ser ampliados e aperfeiçoados.
Entretanto, quando se fala no atendimento de centenas de milhões, não há recursos suficientes para este atendimento e tais projetos acabam se tornando projetos-piloto, criando ilhas de excelência que não podem ser replicadas.
Quanto aos projetos governamentais, além de não apresentarem garantias de continuidade, criam uma dependência que se torna um entrave ao desenvolvimento das comunidades beneficiadas e também são limitadas quanto à abrangência por utilizarem recursos que não provem das próprias comunidades e sim de impostos pagos por outras parcelas da população, que não conseguem arcar com cargas tributárias da magnitude necessária.
O Prêmio Nobel da Paz de 2006 foi concedido a um banco indiano que desenvolveu uma forma criativa de micro crédito, destinada a populações carentes. O modelo premiado é sustentável e abrangente porque é rentável e se baseia em recursos gerados dentro das próprias comunidades beneficiadas.
Conclusão
A nova fronteira a ser explorada no mercado de telecomunicações é o mercado da "base da pirâmide". A exploração desse mercado, de enorme potencial, requer uma nova visão de modelos de negócio. Essa nova visão exige a criação de um ecossistema que englobe diversos atores, cada qual com seu interesse específico, mas todos contribuindo para a viabilidade e sustentabilidade do modelo.
O serviço a ser oferecido deve se basear numa rede multisserviço, capaz de trafegar voz, dados e vídeo, operada por empresas privadas ou mistas. Esta rede teria um conjunto de usuários e prestadores de serviços:
Os diversos níveis de Governo utilizariam a rede como usuários, prestando serviços públicos essenciais e gratuitos, como Governo eletrônico, educação, saúde e segurança pública.
Os Governos pagariam pelo seu uso da rede, o que poderia ser feito a partir das economias geradas pela substituição dos outros meios atualmente utilizados para a prestação desses serviços públicos, sem necessidade de recursos orçamentários adicionais.
Empresas privadas que tenham interesse em oferecer seus produtos e serviços ao público atendido pela rede também pagariam pelo uso da rede, na forma de tarifação reversa ou patrocínio publicitário
O público pagaria pelo uso da rede na forma de créditos, do tipo pré pago, sem assinaturas fixas. Na ausência de créditos, os serviços governamentais e os acessos patrocinados continuariam disponíveis, permitindo o acesso a parte significativa dos recursos sem custo.
Um modelo que consiga equacionar a participação desses e outros atores seria rentável e sustentável e ainda conseguiria criar condições para que as comunidades carentes tivessem reais oportunidades de desenvolvimento e de ascensão social e econômica.
"A Imaginação é mais importante que o conhecimento" (Albert Einstein)
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