Em Debate
Planejamento de espectro para banda larga sem fio:
Um roteiro necessário
Newton Cyrano Scartezini
Consultor em Telecomunicações
A Conferência Mundial de Rádio de 2000 (WRC-2000), promovida pela UIT (União Internacional de Telecomunicações) recomendou aos países membros a utilização de faixas de freqüência padronizadas para os sistemas aderentes à especificação IMT-2000, como forma de permitir a compatibilidade dos sistemas a nível global, de modo a viabilizar o “roaming” internacional e os ganhos de escala que tornam mais baratos os equipamentos e facilitam o acesso de parcelas crescentes da população aos serviços móveis de voz e dados.
As faixas de freqüência recomendadas são:
806 – 960 MHz
1710 – 2025 MHz
2110 – 2200 MHz
2500 – 2690 MHz
A Conferência 2007 (WRC-2007) identificou novas faixas para uso dos sistemas IMT Advanced, tendo em vista que o aumento da capacidade de transmissão de dados dos novos sistemas provocará um maior consumo de banda por usuário, além do natural crescimento do número de usuários.
As novas faixas identificadas são:
450 – 470 MHz
698 – 806 MHz (região 2)
2300 – 2400 MHz
3400 – 3600 MHz
A preocupação em reservar porções crescentes do espectro para as aplicações móveis se justifica:
Existem hoje mais de 3,6 Bilhões de usuários de serviços móveis no mundo, mais de metade da população mundial.
Pela sua abrangência e escala, os serviços móveis celulares são hoje o principal, senão único, meio de acesso aos serviços de comunicação para muitos usuários e os sistemas IMT-2000 (3G) caminham para ser o principal meio de acesso a Internet para as populações de menor renda em todos os países.
O panorama mundial se repete no Brasil:
Em Maio de 2008, o número de usuários do SMP no Brasil ultrapassou a casa dos 130 milhões, ou cerca de 70% da população.
Com a chegada da terceira geração, que traz a banda larga para o celular, e as novas obrigações de cobertura definidas pela Anatel para as operadoras licenciadas, haverá um crescimento do número de usuários e do uso de banda por usuário, o que certamente levará à necessidade de maior disponibilidade de espectro no futuro, especialmente quando estiverem disponíveis os sistemas IMT avançados, com maior capacidade de transmissão de dados.
Ainda que essa necessidade não seja imediata, é absolutamente necessária a provisão de recursos para o futuro previsível, de modo a evitar que o desenvolvimento natural do mercado seja travado pela saturação dos meios e pela falta de parâmetros para o planejamento da oferta de serviços e equipamentos. É bom lembrar que as faixas de freqüências de 1,9 e 2,1 GHz, licenciadas em Dezembro de 2007, foram reservadas para os sistemas 3G em 2000, o que balizou o planejamento de operadoras e fornecedores de equipamentos e permitiu a disponibilidade dos meios quando se tornaram necessários.
As recomendações da UIT fornecem um roteiro adequado que deve ser seguido pelo Brasil, já que um alinhamento com os principais mercados globais é altamente desejável, por razões sobejamente conhecidas, embora às vezes esquecidas.
1. 2.5 GHz
A primeira faixa a ser reservada para o SMP avançado deve ser a faixa de 2,5 a 2,69 GHz, que foi identificada pela UIT em 2000 e é a que poderia ser utilizada em futuro mais próximo, em função da disponibilidade de equipamentos e compatibilidade com outros países.
A alocação atual desse espectro no Brasil é a da figura abaixo:
Deve ser notado que parte desse espectro já é permitido para o serviço SCM. Entretanto, o SCM é um serviço fixo, o que obriga a limitação de mobilidade nos sistemas a serem implantados.
A recomendação da UIT para alocação dessa faixa do espectro é a que segue:
O uso atual dessa faixa pelos sistemas MMDS é muito pouco eficiente:
- O número de usuários de MMDS no Brasil é de 346 000 (Dez 2007- Teleco)
- O número de municípios atendidos é de 206
A autorização para uso de parte da faixa para o SCM foi dada em 2002
Segundo dados do barômetro Cisco de Banda Larga, no final de 2007 o Brasil dispunha de 8,1 milhões de acessos de banda larga, dos quais:
5.520 mil ADSL
1.748 mil Cable modem
602 mil Móvel celular (serviço iniciado em 2007)
230 mil outros (incluindo operadoras de MMDS)
A rede celular atende 3749 municípios (Maio 2008)
O atendimento de 346 000 usuários em 206 municípios consome 180 MHz
O atendimento de 130 milhões de usuários em 3749 municípios consome 380 MHz
A idéia de alocar toda a faixa para SCM/MMDS, que tem sido debatida, apresenta alguns problemas:
- A maioria dos equipamentos disponíveis nesta faixa, nas diversas tecnologias, tem características de mobilidade. A Anatel exige para a certificação de equipamentos nessa faixa o compromisso dos fabricantes de restringir a mobilidade de seus equipamentos, já que se destinam a uso num serviço fixo;
- A exigência de bloqueio de uma característica desejável e inerente a um equipamento é artificial;
- Por outro lado, a certificação de um equipamento móvel para uma faixa destinada ao serviço fixo é um risco indesejável. É oportuno lembrar que o conhecido caso Vésper se originou no uso de equipamento móvel num serviço fixo, o que causou uma longa disputa regulatória e legal, acarretando no final grande prejuízo à operadora, a seus fornecedores e aos usuários do serviço. Ninguém poderia desejar uma repetição desse episódio.
- A crescente demanda por espectro por parte do serviço móvel, já identificada no Brasil e no mundo, em função do grande número de usuários e do uso de banda larga, recomenda a reserva de todas as faixas possíveis a este serviço.
Assim, a solução mais adequada seria a alocação de parte significativa dessa faixa para o SMP, que teria diversas vantagens:
- Alinhamento da alocação do espectro no Brasil com as recomendações da UIT, adotadas pela maioria dos países:
- Compatibilidade com as tecnologias disponíveis:
- Neutralidade tecnológica
2. 700 MHz
O recente leilão de freqüências na faixa 698 – 806 MHz para serviços móveis realizado nos Estados Unidos, que arrecadou 19.1 bilhões de dólares e concedeu 1099 licenças regionais, coloca esta faixa como uma das preferenciais para o serviço móvel, já que o atendimento ao mercado criado a partir das licenças certamente vai mobilizar fornecedores de infra-estrutura e terminais globalmente, gerando grande oferta de equipamentos e serviços e viabilizando iniciativas em outros países.
No Brasil, esta faixa está alocada para a transmissão ou retransmissão de sinais de TV analógica e só será liberada após a fase de transição para a TV digital, o que deverá ocorrer em 2016. Até lá, o que se pode fazer é uma reserva da faixa para o SMP, a partir de 2016. Apesar de parecer desnecessária uma reserva com tal antecedência, é importante que haja um balizamento que indique aos atores do mercado os planos do Brasil para o desenvolvimento dos serviços nessa área.
Notar que essa faixa apresenta excelentes caracterísicas de propagação o que a torna ideal para o atendimento de vastas regiões com baixa densidade populacional, particularmente a área rural.
3. 450 – 470 MHz
Esta faixa é utilizada em diversos países, especialmente em áreas de baixa densidade populacional, dadas as condições favoráveis de propagação, que permitem cobertura maior por estação rádio base.
No Brasil, a destinação da faixa prevê sua utilização em serviços móveis, entretanto, partes dela são destinadas a serviços especiais de retransmissão e de circuito fechado de TV, Serviço Móvel Especializado (SME), Serviço Limitado Móvel Privativo (SLMP) e serviços de rádio taxi. Assim, sua utilização no SMP fica sujeita a alterações em outros serviços, sempre complexas. A alocação de pequenas porções desse espectro para o SMP não atenderia às necessidades de transmissão em banda larga, o que dificulta sua utilização.
4. 2300 – 2400 MHz
Esta faixa é atualmente destinada no Brasil para os serviços de retransmissão de TV em caráter primário e aos serviços de radioamador em caráter secundário. Dada sua proximidade com outras faixas já utilizadas pelo SMP e sua extensão de 100 MHz, é recomendável um estudo de realocação dessa faixa para futura utilização no SMP.
5. 3.5 GHz
No leilão realizado em 2003, esta faixa foi subdividida em módulos de 1.75 MHz, no modo FDD aos pares e alocada ao serviço SCM. Assim, foram destinadas as faixas de 3400 – 3450 MHz para os “links” de subida e 3500 – 3550 MHz para descida no bloco A e as faixas de 3450 – 3500 MHz para subida e 3550 – 3600 para descida no Bloco B.
O leilão teve como compradores:
Embratel – 3.5 + 3.5 MHz – nacional - Bloco A
Vant (Brasil Telecom)- 3.5 + 3.5 MHz – região 2 – Bloco A
Neovia – 3.5 + 3.5 MHz – região 3 – Bloco A
Grupo Sinos – Área de numeração 51 – Bloco A
WKVE – Seis áreas de numeração – MG,ES e BA – Bloco A
Não houve compradores para o bloco B e sobram entre 93 e 79 MHz no Bloco A, dependendo da região ou área.
Propõe-se para essa faixa a seguinte alocação:
Manter a destinação atual (SCM) para o bloco A e realizar rapidamente o leilão das sobras desse bloco, com a possibilidade de destinar parte do bloco para aplicações para políticas sociais de banda larga;
Destinar o bloco B (100 MHz) para o SMP, a ser leiloado futuramente.
As vantagens dessa proposta são:
- Acelerar o leilão das sobras, pois para esse bloco não são necessárias mudanças no regulamento nem a criação de regras de migração para os atuais detentores de licenças;
- Reservar desde já uma fatia significativa de espectro para futura aplicação no SMP, sem necessidade de deslocamento de licenciados, já que o bloco B está totalmente livre;
- Possibilitar a aplicação das diversas tecnologias disponíveis (3G e Wi Max), tanto nas versões fixas quanto móveis;
Atender as necessidades dos operadores de SCM e SMP.
As propostas apresentadas pretendem ser uma contribuição ao debate sobre o assunto e carecem de detalhamento e aperfeiçoamento. Entretanto, é absolutamente essencial que haja uma definição em prazo relativamente curto para o plano de atribuição do espectro de freqüências, sem o que os projetos de novas aplicações em estudo, de grande interesse público, não poderão ser transformados em realidades.
Comente!
Para enviar sua opinião para publicação como comentário a esta matéria para nosso site, clique aqui!
Nota: As informações expressadas nos artigos publicados nesta seção são de responsabilidade exclusiva do autor.
Newsletters anteriores
Mais Eventos
Mais Webinares