10/11/2008
Em Debate Especial: Carga Tributária
Tributação sobre Serviços de Telecomunicações:
Um tema ainda atual
Newton Cyrano Scartezini
Consultor em Telecomunicações
Em artigo publicado em 2 de junho de 2003 no portal Teleco, os autores Silvia Melchior e José Barbosa Mello apresentaram os quadros seguintes:
O quadro abaixo apresenta um resumo das incidências de tributos para uma Receita Bruta de R$ 100,00.
A simples observação dos dados mostra porque o tema continua atual, apesar de ter sido exaustivamente debatido ao longo dos anos: Nada Mudou!
A tributação sobre os serviços de telecomunicações se situa num nível somente verificado para produtos e serviços classificados como supérfluos, como bebidas alcoólicas ou perfumes.
Ocorre que é universalmente aceito que as telecomunicações são serviços essenciais ao funcionamento das sociedades modernas, de grande importância para a produtividade de empresas e pessoas, promotoras do desenvolvimento, da educação, dos serviços públicos e da qualidade de vida.
Por que, então, são tão pesadamente tributadas no Brasil?
Porque as receitas desses serviços são de grande monta, geradas por um número pequeno de grandes empresas, cuja fiscalização é facilitada pelas suas próprias características, como prestadoras de serviços licenciadas e fiscalizadas pelo Poder Público. Os tributos são altos porque são fáceis de cobrar e geram recursos vultosos. As telecomunicações representam entre 5% e 6% do PIB e entre 12% e 13% da arrecadação dos Estados no Brasil.
Nenhum sistema tributário, incluindo o brasileiro, adota como parâmetro para a definição de alíquotas a facilidade de cobrança e nenhum documento oficial menciona esse “critério”, mas essa motivação está subjacente a todas as decisões já tomadas sobre o assunto, e deve ser levada em conta em qualquer proposta a ser apresentada.
A Agencia Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi criada pela Lei Geral de Telecomunicações, que definiu como missões da Agencia a promoção da competição e da universalização dos serviços de telecomunicações.
A universalização é um objetivo que depende sensivelmente do preço dos serviços. Como obter preços módicos se a carga tributária responde por quase metade do preço pago pelo usuário desses serviços?
A universalização do serviço telefônico fixo, que foi imposto às concessionárias via contrato de concessão foi atingida do ponto de vista da cobertura geográfica. O Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) está presente em todo o território nacional, até em localidades com menos de cem habitantes. Entretanto, o número de usuários do STFC não passa de 39 milhões e se encontra estacionado nesse patamar há anos. A principal razão para a penetração relativamente baixa do serviço é o seu custo, incluída a assinatura básica, que é considerado alto para a maioria da população.
Quanto ao serviço móvel, que atingiu 140 milhões de usuários, sua grande penetração se deve principalmente ao sistema pré pago, que atende a 82% ou cerca de 115 milhões dos usuários e que é utilizado basicamente para receber chamadas, já que o custo de originar chamadas também é muito alto para o poder aquisitivo da maioria.
Quanto ao acesso em banda larga a Internet, hoje também disponível no serviço móvel e cuja universalização tem sido posta como meta dos Governos Federal, Estaduais e Municipais, a situação é ainda pior.
Segundo o estudo Barômetro Cisco de Banda Larga, em Junho de 2008 o número total de conexões de banda larga (acima de 128 Kbps) era de 10,04 milhões, o que corresponde a uma penetração de 4,6%, ainda incipiente. O próprio Barômetro Cisco aponta como um dos principais inibidores ao crescimento das conexões a alta carga tributária, que onera bastante o preço do serviço ao usuário.
A conclusão forçosa é: A universalização dos serviços de telecomunicações no Brasil, inclusive os de voz e especialmente os de banda larga depende fundamentalmente da redução da carga tributária hoje incidente sobre esses serviços.
A universalização do acesso em banda larga tem sido anunciada como meta por diversos Governos Estaduais, Municipais e o Governo Federal tem diversos programas para essa finalidade. Estranhamente, os governantes que incluem o acesso em banda larga em seus programas de Governo não citam a carga tributária como um inibidor da disseminação desse serviço, nem propõem qualquer ação no sentido de sua redução.
Exemplos da eficácia desse tipo de ação não faltam:
Em 2006, a área de informática foi beneficiada pela redução de impostos sobre computadores cujo preço não fosse maior que R$ 2000,00. Os preços finais foram reduzidos em cerca de 30%. As vendas de computadores no mercado formal cresceram 48% em 2007 (nos notebooks houve crescimento de 108%) e a arrecadação dos impostos com alíquota reduzida cresceu 10%!
A indústria automobilística obteve uma redução de impostos sobre os carros equipados com motores de até 1000 cc, os populares 1.0. A partir dessa redução, a venda de carros ditos populares cresceu exponencialmente, compensando pelo volume a redução de alíquotas e provocando aumento da arrecadação, além de permitir o acesso ao automóvel por parte da população de renda mais baixa.
No caso das telecomunicações, algumas propostas deveriam ser consideradas:
A proposta de reforma tributária ora em exame no Congresso Nacional prevê a unificação das alíquotas do ICMS no Brasil, de modo a evitar a chamada “guerra fiscal” entre os Estados e simplificar o pagamento do tributo por parte dos contribuintes. A reforma proposta pretende ser neutra do ponto de vista da arrecadação, o que em tese eliminaria a possibilidade de redução da alíquota do ICMS sobre os serviços de telecomunicação. Entretanto, como mostram os exemplos acima, a redução de impostos sobre bens e serviços de grande aceitação popular, que é o caso de automóveis, computadores e telecomunicações, provoca um aumento no consumo que acaba por compensar a redução de alíquotas, mantendo e até aumentando a arrecadação desses impostos. Se os parlamentares atentarem para esse efeito, poderiam propor uma redução da alíquota sem risco de queda na arrecadação. O tema deveria ao menos ser objeto de estudo por parte do Congresso Nacional. Na pior das hipóteses, a alíquota unificada do ICMS sobre os serviços de telecomunicações deveria ser a menor entre as atuais alíquotas, evitando a uniformização pelo teto, o que, em nome da “neutralidade” em termos de arrecadação, tornaria o problema ainda maior, elevando a já absurda carga de 43,6% para 54,75%! Pelo texto atual da proposta de reforma, essa possibilidade assustadora não está descartada, e deveria ser objeto de ação imediata de todas as entidades representativas interessadas no assunto.
Esta é uma tese defendida pelo professor de direito Edison Aurélio Corazza, em seu livro “ICMS sobre prestações de serviços de telecomunicações”. O professor Corazza escreve, nas páginas 107 e 108 de seu livro:
“É perceptível a distinção entre a prestação de serviço de comunicação (que possibilita a comunicação) e a prestação de serviço de conexão (propriamente dita) para o acesso à Internet........ O serviço prestado pelas operadoras de telecomunicação não constitui, neste caso, um serviço de comunicação.”
Mais adiante, nas páginas 148 e 149, diz:
“22. Ao contrário do que comumente se afirma, a Internet não tem sua origem num “sistema de comunicação”, mas, em um “sistema de compartilhamento de dados armazenados” em uma dada central de inteligência com outros centros independentes interligados. Esse compartilhamento não representa comunicação, pois máquinas não se comunicam, não são elas dotadas de consciência da existência do outro pólo necessário à comunicação.”
“28. O serviço de acesso à Internet permite ao usuário acessar a rede através do uso (pelos dois – provedor e usuário) da rede de telefonia (que neste caso não está prestando um serviço de comunicação, mas simplesmente cedendo seu cabeamento para o compartilhamento de dados)........”
A tese, ainda que controversa, dá suporte para uma possível isenção de ICMS para o acesso à Internet, que se não contribui para a universalização de fato dos serviços de voz, ao menos alavanca a universalização do acesso em banda larga. A eventual perda de arrecadação por parte dos Estados, neste caso, não seria significativa, dada a baixa penetração da banda larga e a cobrança de ISS seria útil para as Prefeituras, que tem assumido os projetos de inclusão digital mais recentes.
A idéia aqui é seguir o exemplo dos automóveis 1.0 e criar um plano de serviço de capacidade ou velocidade limitada para a conexão à Internet, que seria beneficiado com a redução de impostos. A adesão a um plano de menor capacidade e custo seria feita principalmente por pessoas hoje excluídas do serviço, o que não acarretaria redução na arrecadação, que seria até aumentada, tendo em vista o volume de adesões previsível. A medida seria um poderoso estímulo à universalização do acesso, com benefícios sociais evidentes. Um plano nesses moldes está em negociação entre as operadoras de celular e o Governo do Estado de São Paulo e poderia ser apoiado e expandido aos demais Estados.
Como se percebe, é possível estabelecer políticas efetivas de universalização sem necessidade de impactar negativamente a arrecadação de impostos municipais, estaduais ou federais. Os exemplos apresentados podem ser aperfeiçoados e outros podem ser criados, mas é imprescindível que medidas sejam tomadas para resolver o impasse que impede que o desenvolvimento dos serviços de comunicação beneficie efetivamente a toda a população brasileira.
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