23/11/2009

Em Debate:

 

O plano australiano para Banda Larga e o Brasil

 

Octavio Sampaio

Consultor

John Costa

Consultor

 

 

Brasil e Austrália partilham desafios semelhantes em fornecer a custo eficaz banda larga de classe mundial para populações amplamente distribuídas por territórios grandes e geograficamente diversos, mesmo que difiram significativamente em renda per capita e em seu estágio de evolução da rede. Ambos estão envolvidos em planos para melhorar as suas capacidades de banda larga, com a Austrália em um estágio mais avançado.

 

Em abril deste ano o governo australiano anunciou plano para levar banda larga por fibra em até 100 Mbps a 90% da população em oito anos, com os 10% restantes em 12 Mbps usando outras tecnologias. Este plano tem sido freqüentemente citado por membros do governo brasileiro envolvidos em um plano de banda larga para o Brasil. Quais são os componentes básicos do plano australiano e até que ponto se poderia ou se planeja adota-los no Brasil? Este artigo fornece algumas respostas.

 

A motivação do plano australiano está na reconhecida insuficiência de capacidade da banda larga existente, o que está em desacordo com a política de longa data do governo em favor da provisão de infra-estrutura de comunicações de classe mundial, necessária para o bem-estar e a eqüidade social e econômica.

 

A velocidade de acesso prevista na Austrália, de até 100 Mbps, mostra ser muito mais elevada do que a esperada em um plano brasileiro, e, além disso, utiliza fibra até a casa (FTTH), como meio de transporte. No Brasil, fala-se de 2 Mbps usando a tecnologia DSL através de fio trançado. Note-se que na própria Austrália o governo inicialmente pensava usar 12 Mbps em fibra até o gabinete (FTTN), porem mudou de idéia após consultar um grupo de peritos .

 

A mudança foi atribuída tanto à necessidade de ter um caminho de evolução para maiores capacidades necessárias para o futuro e também devido a estimativa de custo muito mais elevado de ampliar a capacidade posteriormente. A cobertura do plano inclui toda a população da Austrália, com 90% servida por fibra até 100 Mbps.

 

No Brasil o plano cogitado tem caráter complementar, oferecendo banda larga a grande parte da população que ainda não a tem. Combinado com o que ja esta instalado hoje ou em futuro próximo, espera-se que leve a cobertura perto de 100%, ou ao menos bem melhor do que hoje. Além disso, o plano brasileiro parece considerar apenas necessidades de curto prazo, em vez de tanto a curto como a mais longo prazo como na Austrália.

 

Significativamente, a prestação de serviços no plano australiano terá um "pontapé inicial" através de uma empresa público-privada denominada National Broadband Network Company, ou NBN Co., inicialmente com 51% de propriedade do Governo. Embora o Governo seja majoritário, a empresa se destina a operar com independência do Governo, dirigida por seu próprio presidente e diretoria. Além disso, é intenção declarada do governo reduzir a sua participação no prazo de 5 anos após a conclusão bem sucedida da NBN dentro de 8 anos.

 

Esta empresa atuaria apenas como um provedor de capacidade por atacado, vendendo capacidade de rede para outras empresas, incluindo o operador histórico (“incumbent”) Telstra e outros operadores, os quais revenderiam esta capacidade aos usuários finais. No Brasil, a nova empresa sendo considerada forneceria aparentemente tanto serviço ao usuário final como venda de capacidade por atacado para operadores, embora este seja um aspecto do plano que ainda não foi esclarecido.

 

O custo do plano australiano foi estimado em 43 bilhões de dólares australianos, ou cerca de R$ 69 bilhões. A base desta estimativa não foi divulgada. O financiamento do investimento do governo inclui A$4,7 bilhões previamente aprovados para o plano original mais modesto baseado no FTTN, sendo o restante financiado por capital privado de risco, juntamente com Títulos de Infra-estrutura da Austrália e, no caso da compra de ativos já existentes, como dutos e trincheiras de redes de fibra já instalados, com ações na NBN Co.

 

O custo do investimento contemplado no Brasil inclui apenas o equipamento necessário para ativar a infra-estrutura de fibra pré-existente de empresas públicas, que seria usada para formar a espinha dorsal da rede, a um custo estimado em US$ 1,1 bilhões. Este valor não seria comparável com o plano australiano, ja que não inclui o componente de última milha necessário para alcançar o usuário final. Esse investimento usaria em parte os fundos alocados à Telebras e, em parte receberia recursos do Fundo de Universalização FUST.

 

Amplas mudanças regulatórias foram propostas na Austrália, em paralelo com o anúncio do plano nacional de banda larga. Após um período de consulta pública, as alterações propostas foram consolidadas e transformadas em projeto de lei atualmente em análise pelo Parlamento. A principal mudança é a separação estrutural da operadora histórica (“incumbent”)Telstra, ainda a ser aprovado. Outra é reforçar as obrigações de serviço universal da Telstra. No nosso caso, não há propostas de alteração da regulamentação apresentadas no Brasil em conexão com a nova empresa planejada.

 

Deve-se notar que, embora a NBN Co já esteja operacional, com um conselho e presidente, muitos dos detalhes do plano australiano estão ainda a ser clarificados e operacionalizados. A fim de facilitar a tarefa da NBN o governo contratou um consórcio de McKinsey e da KPMG para um estudo de implementação que deverá estar concluído em fevereiro próximo. Em particular, a forma pela qual a Telstra será dividida e como os seus ativos de rede serão potencialmente incluídos na NBN são atualmente objeto de intensa negociação entre o Governo e Telstra.

 

Para ser rentável a NBN necessita dos ativos da Telstra, tanto como a Telstra necessita de compensação razoável para esses ativos. Uma outra questão ainda a ser resolvida pelo governo australiano será como a separação estrutural da Telstra terá impacto sobre a oferta futura de serviços de linha fixa, já que estes são atualmente na maior parte fornecidos pela Telstra.

 

Tendo em vista o exposto, qual é o significado e as lições do plano australiano para o Brasil? Na prática, as principais diferenças parecem ser o horizonte temporal de longo prazo do plano australiano, a ampla revisão de regulamentação que o acompanha, e a sua base de financiamento bem estabelecida. O plano australiano esteve em gestação e em estudo por muito mais tempo, mais em profundidade ao longo dos últimos quatro anos e ainda mais intensamente desde as eleições do final de 2007.

 

Na verdade, uma das lições do plano australiano está na complexidade inerente a um plano nacional de banda larga e o tempo e iterações necessárias para a sua elaboração. O plano destaca a necessidade de pensar a longo prazo, dez anos no futuro e não apenas um ano ou mais à frente.

 

Planos para o médio e longo prazo poderiam ser desenvolvidos para ver onde o Brasil quer estar, em primeiro lugar na época da Copa do Mundo de 2014 e, em seguida, cinco anos além. Estes planos deveriam estabelecer entre outras coisas, como podemos também oferecer serviços de acesso banda larga com tecnologia sem fio no futuro para as muitas pessoas no Brasil, ao contrário da Austrália, que não são capazes de pagar para o acesso via fibra óptica.

 

Eles devem também incluir uma grande reavaliação da estrutura regulatória do Brasil, a fim de determinar se ela fornece os incentivos adequados para aumentar substancialmente a velocidade de acesso e a população servida, bem como reduzir os preços da banda larga ao longo da próxima década.

 

Uma das características mais atraentes do plano australiano está na oferta de serviço a nível de atacado a todos os fornecedores em condições de igualdade. Isto tem a importância de contribuir para uma maior concorrência em igualdade de condições entre todos os prestadores de serviços de diferentes tamanhos. Este aspecto está previsto no plano brasileiro, embora os detalhes ainda são desconhecidos.

 

Poderia se tornar um elemento importante para levar o acesso banda larga a áreas não servidas pelos operadores históricos, se o novo backbone de fato oferecer pontos de acesso em áreas não servidas anteriormente. Além disso, ele poderia ajudar a reduzir os custos em áreas já servidas.

 

As razões que levaram o governo a uma ampla intervenção no mercado de banda larga são outro aspecto do plano australiano a considerar. Basicamente, houve uma falta de alinhamento entre as necessidades do país, como vistas pelo governo, e o que os operadores estavam planejando fazer, e especialmente a forma como a Telstra propunha a oferta de banda larga. Mais especificamente, esta não estava disposta a investir comercialmente em uma rede de próxima geração baseada em fibra, se tivesse que permitir o acesso aos seus concorrentes, o que foi considerado essencial pelo governo australiano.

 

Esta divergência de pontos de vista ganhou maior destaque quando o último solicitou propostas das operadoras para o uso de A$ 4,7 bilhões em fundos governamentais para uma versão inicial da NBN. A apresentação um pouco relutante da Telstra foi considerada tecnicamente em não-conformidade e, portanto, rejeitada. É interessante notar que nenhuma das demais cinco propostas foi posteriormente considerada adequada pelo painel de peritos nomeado para avalia-las, produzindo a abordagem revista do Governo para o NBN.

 

Uma divergência semelhante entre os objetivos públicos e privados também poderia surgir no Brasil quando se considerarem as redes de próxima geração, com capacidades muito acima dos níveis atuais. Em termos financeiros, a situação do Brasil é muito diferente do que a da Austrália em muitos aspectos, no entanto uma maior clareza também é necessária nos nossos planos, tanto em custos como em financiamento.

 

No caso do Brasil, o objetivo implícito da rede estatal seria apenas o mínimo necessário para satisfazer aqueles que não têm acesso à banda larga. Não haveria compra de ativos existentes, devido ao caráter complementar, e não de cobertura nacional, de nosso plano. Parece haver uma expectativa de que provedores locais de acesso a internet devem ser mobilizados sempre que possível para construção de redes locais. Isenção de impostos para prestação de serviços para aqueles atualmente excluídos da banda larga contribuirá para a sua inclusão, contribuindo para reduzir as taxas para eles.

 

Espera-se que acesso aos recursos do FUST seria oferecido para construção da espinha dorsal planejada. Se necessário, se poderia presumivelmente alavancar o FUST com empréstimos a serem reembolsado das receitas futuras do fundo. Participação adicional de governos estaduais e locais pode provavelmente ser incentivada.

 

Em resumo, o caso australiano mostra que mesmo em um país desenvolvido com renda elevada, tem sido vista como uma necessidade a intervenção do governo para dotar o país de acesso adequado à banda larga, de forma eqüitativa e em velocidades mais elevadas necessárias para o futuro. Algumas das idéias aprovadas na Austrália poderiam ser adaptadas ao caso do Brasil, incluindo a participação do governo de forma limitada, e só a nível de atacado. Mais amplamente, ilustra a necessidade de pensar a longo prazo sobre as necessidades futuras do Brasil para acesso à Internet.

 

 

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