Em Debate Especial: Política Industrial

Publicado em: 02/07/07

 

 

Por uma política industrial para a indústria de telecomunicações

 

Que considere as profundas mudanças causadas pela evolução tecnológica e convergência

 

 

Paulo Castelo Branco

Presidente da NEC e Diretor de Telecomunicações da Abinee

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Introdução

 

A indústria de equipamentos para telecomunicações já esteve sujeita no passado a diversas modalidades de política industrial. Quando da introdução das centrais telefônicas controladas a programa armazenado, as chamadas CPA, a política industrial do Ministério das Comunicações determinou a nacionalização do capital das empresas que fossem produzir esses equipamentos.

 

Depois, o segmento industrial das telecomunicações subordinou-se às regras da primeira Lei de Informática, lembrada porque estabeleceu a reserva de mercado para os microcomputadores, reserva essa que, na verdade, incluía a produção dos equipamentos de telecomunicações – com quotas de importação de componentes, partes e peças.

 

Ainda nessa época se estabeleceu por meio da Telebrás – único comprador de equipamentos - um limite do número de fornecedores por tipo de equipamento.

 

Todos esses instrumentos do passado causaram talvez mais problemas que benefícios ao setor. Assim, falar em política industrial para a área de equipamentos de telecomunicações é igual a falar em corda em casa de enforcado.

 

Hoje, o setor está sujeito a um variado conjunto de regras que, embora não caracterizem uma política industrial, acabam por ser agentes de política industrial. De todas essas políticas, as que mais auxiliaram o setor e promoveram o seu desenvolvimento tecnológico foram as últimas versões da Lei de Informática.

 

A evolução tecnológica na área de micro-eletrônica, a globalização dos mercados e da produção de equipamentos, e as convergências de informática e telecomunicações e das próprias redes de telecomunicações estão a determinar que o tema política industrial seja revisitado.

 

O Conceito de Indústria

 

Na área de telecomunicações, o conceito de indústria, anteriormente utilizado para as empresas que se dedicavam à fabricação do hardware de equipamentos, modificou-se bastante nos últimos anos.

 

É claro que a produção do hardware continua sendo atividade de grande importância, mas outras, como o desenvolvimento e produção de software e a integração de sistemas e soluções tornaram-se tão ou mais importantes nos últimos tempos.

 

No passado, os sistemas de telecomunicações que formavam as redes de comunicações – equipamentos de transmissão, centrais de comutação, sistemas de rádio, para mencionar alguns - eram produzidos na sua totalidade por umas poucas indústrias totalmente verticalizadas.

 

Isto significa que os componentes, o núcleo dos equipamentos e todos os sistemas periféricos de suporte à gestão e operação eram desenvolvidos e fabricados pelas mesmas empresas. Esta foi a fase da indústria verticalizada.

 

A miniaturização dos componentes eletrônicos exigiu que seu desenvolvimento e produção fossem dirigidos a empresas especializadas, altamente intensivas em capital. O desenvolvimento, difusão, empacotamento e teste de componentes microeletrônicos dependem de salas limpas e maquinário extremamente caro que a indústria de telecomunicações sozinha não teria condições de amortizar.

 

Assim, a produção dos componentes saiu da indústria de telecomunicações e concentrou-se em uns poucos fabricantes especializados. Todavia, parte considerável da inteligência dos sistemas de comunicações ficou residindo nesses componentes de crescente complexidade e capacidade.

 

A chamada indústria de telecomunicações passou a se dedicar à especificação das características técnicas dos componentes, à montagem destes em placas de circuito impresso, ao teste e à integração das partes componentes dos sistemas. A indústria tornou-se montadora.

 

Por outro lado, a miniaturização dos componentes compactou o núcleo e aumentou a capacidade dos sistemas. Módulos cada vez menores têm capacidades de escoamento de tráfego e larguras de banda cada vez maiores e realizam tarefas de crescente complexidade, requerendo sistemas de apoio à gestão cada vez mais sofisticados.

 

Assim, o núcleo dos sistemas, que envolvia a interligação de um grande número de módulos e cuja fabricação demandava um exército de operários passou a ser implementada em uns poucos módulos produzidos por máquinas de inserção automática de componentes e testadas por computador. A produção que era intensiva em mão de obra passou a ser intensiva em capital e a exigir volumes cada vez maiores para se justificar economicamente.

 

A padronização do hardware tornou-o uma commodity e deixou de ser estratégica para os fornecedores de equipamentos. A partir de meados da década de 90 surge então a tendência de terceirizar a produção com empresas especializadas nessa atividade. Qualquer dessas empresas está capacitada a produzir e testar hardware de qualquer procedência, de telecomunicações ou não.

 

A necessidade de reduzir o preço do hardware compeliu os fornecedores a transferir a produção para essas empresas, chamadas CEM (Contracted Electronic Manufacturers) que, forçadas pela competição, concentraram suas atividades em uns poucos países. A indústria, no sentido original do termo, foi terceirizada.

 

Desde o surgimento dos sistemas baseados em programa armazenado e com a utilização da eletrônica como tecnologia de implementação dos sistemas, passou-se a utilizar padrões de interfaces abertos permitindo que fossem adotados módulos não primariamente desenvolvidos para telecomunicações como sistemas de apoio aos equipamentos.

 

Hoje, qualquer sistema de telecomunicações incorpora um grande número de sistemas informáticos de apoio que são adquiridos de empresas especializadas e que devem ser selecionados, certificados, adaptados e interligados a outros pelo integrador. A necessidade de encurtar o time-to-market das novas versões de equipamentos só fez ampliar essa tendência.

 

A indústria passou a ser integradora de módulos desenvolvidos ou não para telecomunicações e de softwares específicos para as aplicações a que se destinam. Esta é a fase da indústria integradora que perdura até hoje.

 

Assim, o número de empregos relacionados à produção do hardware de telecomunicações em nosso país vem caindo por várias razões: devido à competição que exige volumes cada vez maiores para proporcionar reduções de preço, devido à globalização que concentrou a produção na Ásia, devido à miniaturização que reduziu o tamanho dos equipamentos e, mais recentemente, devido à saturação do mercado para tecnologias consolidadas.

 

Em lugar dos empregos relacionados ao hardware surgem novas oportunidades de trabalho, com nível de qualificação muito maior, nas atividades relacionadas ao software e à integração de sistemas. Hoje, muitas empresas que anteriormente tinham sua produção totalmente verticalizada combinam equipamentos – de tecnologia própria ou de terceiros - softwares e serviços técnicos especializados na construção de redes ou de funcionalidades específicas para redes de telecomunicações.

 

O perfil das empresas fornecedoras de soluções de telecomunicações deixou de ser tão intensivo em capital – antes representado pelo maquinário das fábricas – e passou a associar capital - agora representado por sistemas de suporte ao desenvolvimento de software - e recursos humanos de muito alta competência.

 

Conseqüência disso é que os mecanismos de política industrial adequados à situação anterior e fundamentalmente baseados na produção de hardware – fase da indústria montadora - não alcançam grande parte das atividades que hoje são típicas do novo fornecedor de soluções de telecomunicações.

 

Além disso, a redução de custos e de preços dos equipamentos produzidos em altíssima escala na Ásia supera em muito as vantagens eventualmente proporcionadas pelos incentivos locais e pela proteção aduaneira.

 

Hoje, o único mecanismo de política industrial que se aplica à indústria de telecomunicações é a Lei de Informática que institui o incentivo da redução de impostos para o hardware produzido no país.

 

Os adquirentes desses sistemas beneficiados pela Lei de Informática têm benefícios na aquisição do hardware (redução do IPI), mas não há benefícios que alcancem a aquisição do software.

 

Dirige, então, os incentivos para partes de sistemas que, geralmente, não constituem sistemas completos e que necessitam ser integrados para formar um sistema operante. Ou seja: os incentivos precisam ser complementados com outros mecanismos de política industrial que levem em conta a evolução ocorrida na indústria de telecomunicações, bem como por práticas de política industrial adotadas por outros Países.

 

Para recuperar a eficiência do incentivo, seria necessário promover vantagens que alcançassem toda a cadeia produtiva, isto é, desde o desenvolvimento de software até a integração dos sistemas.

 

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