17/07/2015
Em Debate
Disrupção econômica via transformação digital
Juarez Quadros do Nascimento
Sócio da Orion Consultores Associados e ex-ministro das Comunicações
Marcelo Nascimento
Startup mentor, executivo e profissional de TI
Mundialmente, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), via uma transformação digital, geram disrupção econômica. Essa dinâmica deixa os órgãos reguladores expostos a surpresas inevitáveis e na busca de soluções, uma vez que essa evolução tecnológica impacta as estruturas mercadológicas e legais.
Os desafios intensificados pela convergência de redes e serviços incluindo a necessidade de avaliar a extensão de obrigações regulatórias a serem, ou não, impostas aos prestadores dos novos serviços, torna invisível a linha que separa Tecnologia da Informação (TI) tradicionalmente não regulada, dos serviços de Comunicação (Telecomunicações e Mídia) sujeitos a condicionamentos regulatórios.
Os governos têm o papel fundamental para possibilitar que os cidadãos tenham acesso adequado ao mundo digital, equilibrando ao mesmo tempo a atração de investimentos para o desenvolvimento dos países, protegendo os direitos da população e incentivando a inovação. As TICs apresentam significativas mudanças transformacionais, impulsionadas pela inovação exponencial da tecnologia digital.
Nesse contexto, os desafios das agências reguladoras em todo o mundo nunca foram tão significativos. Dentre os desafios principais destacamos: aumento da quantidade de serviços prestados, utilização de diversos meios como múltiplas redes totalmente convergentes e a importância crescente da preocupação em proteção ao consumidor.
O fato é que, dentro do contexto, novas facilidades de serviços utilizando as TICs se apresentam. Sem esgotar o elenco dessas facilidades, mencionamos: "E-hailing" (chamar táxi) com o Uber, "sharing economy" para o uso compartilhado de bens e serviços, bancos sem agências, e nas telecomunicações se apresentam as empresas de internet e de desenvolvimento de aplicativos, conhecidas como "Over the Top" (OTT).
E-hailing
O aplicativo Uber foi um dos pioneiros no conceito de "E-hailing" para chamar, viajar e pagar táxi com um dispositivo celular, substituindo métodos tradicionais para usar táxis. O seu emprego teve início em 2014, em São Francisco (EUA), usando uma empresa de mesmo nome. Atualmente o Uber está em centenas de cidades em dezenas de países. Seus motoristas não cobram diretamente pela "carona", mas recebem uma remuneração baseada na duração e distância da corrida.
Devido oferecer um serviço tipo táxi, mas operar sem isonomia de custos do táxi tradicional, o Uber ocasiona reações dos taxistas pelo mundo, pois essa atividade normalmente é regulamentada por algum órgão de governo, mediante licenças carregadas de custos e obrigações. À medida que o Uber se expande, com melhor qualidade e menores preços, segundo seus usuários, questões quanto a ilegalidade de operar sem as licenças para tal se apresentam e ações judiciais ou protestos ocorrem.
No Brasil, cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília dispõem do Uber. Os sindicatos de taxistas alegam que o uso do aplicativo estaria violando a legislação brasileira que regulamenta a profissão, fazendo com que membros do Poder Judiciário ou Legislativo avaliem a suspensão, ou não, do aplicativo.
Sharing economy
A economia compartilhada (sharing economy), usando as TICs, leva a uma variedade de formas para capacitar indivíduos, corporações, organizações sem fins lucrativos e governos com informações on-line que permitem a distribuição, partilha e reutilização do excesso de capacidade de bens e serviços.
A premissa é que quando o uso de bens e serviços é compartilhado, os seus valores podem aumentar para os negócios. O consumo colaborativo é um conceito econômico, no qual os participantes compartilham o acesso a produtos ou serviços, ao invés de ter a sua posse individual. É usado em mercados on-line, como eBay, bem como em setores emergentes tais como apart-hotel, escritórios, veículos automotores e aeronaves.
Banco sem agências
No setor bancário, um dos mais avançados em termos de lançamentos de aplicativos, ocorre a criação de bancos sem agências, cujo objetivo é atender clientes ofertando o tradicional portfólio de serviços, crédito e opções de investimentos, usando tecnologia digital via aplicativos para dispositivos móveis, sites na web e serviços de caixas eletrônicos. Nos EUA, o Capital One se tornou uma referência. No Brasil, o Banco Original, com atuação no agronegócio, iniciou o seu projeto digital; e o Zuum, joint venture da Vivo com a Mastercard, também entrou nesse mercado.
No caso do Capital One, via uma central de atendimento, o futuro cliente abre sua conta usando a identificação do Social Security e um depósito de mil dólares. Para que seja uma operação mais competitiva, os clientes contam com isenção das taxas bancárias e recebem aplicativos de fácil uso e com novidades como, por exemplo, um gerenciador financeiro pessoal intuitivo. Os bancos tradicionais tentam entrar na competição criando aplicativos, visando se adaptar a transformação digital, oferecer comodidade aos clientes e mitigar futuras perdas.
Over the Top (OTT)
No setor de telecomunicações, o que se vê? As empresas de desenvolvimento de aplicativos e internet, conhecidas como OTTs, desafiam o setor, ocasionando uma das maiores preocupações das prestadoras: a perda de receita do negócio principal, associada, ainda, ao aumento crescente da necessidade de investimentos para atender a demanda de tráfego para utilização de aplicativos de serviços que não são seus, como WhatsApp (voz, mensagem e imagem), Netflix (TV por streaming) e outros.
Dirigentes de operadoras reconhecem a deficiência das teles e admitem que as OTTs sejam mais inovadoras em serviços e mais flexíveis que eles, que afirmam terem que pensar também na qualidade e disponibilidade de serviços, não apenas em infraestrutura. O fato é que as OTTs dependem das redes das operadoras. E estas exploram serviços mediante outorga. Já as OTTs independem de outorga. Enquanto isso, em 2014, segundo a edição de Melhores e Maiores, da revista Exame (Julho/2015), foram realizados 138 bilhões de dowloads de aplicativos para smartphones e tablets em todo o mundo (uma média de quase 20 para cada pessoa).
Em termos de redes, o que acontece? O acesso à internet via redes sem fio com tecnologia de terceira geração (3G) permite centenas de conexões por célula, latência de 100 ms e velocidade de 14 Mbps. A tecnologia 4G permite milhares de conexões por célula, latência de 50 ms e velocidade de 150 Mbps. E a 5G permitirá milhões de conexões por km2, latência de 1 ms e velocidade de 10 Gbps. Tais avanços tecnológicos induzem o acesso fixo com ultra velocidades, a popularização de smartphones e tablets, e um suporte incomensurável para a "appificação" da economia.
As fronteiras entre empresas de televisão por assinatura, telecomunicações, e desenvolvimento de aplicativos e internet se confundem totalmente, como já previa o analista de tendências mundiais John Naisbitt em "Paradoxo Global" (1999). No palco armado pelo autor nos anos 90, hoje essas empresas invadem os territórios umas das outras e o fazem em regime de competição, porém com assimetria regulatória, e sem parcerias.
Conclusão
Assim, o mundo degusta uma mudança da forma, natureza e estrutura de se informar e se comunicar. Essa mudança requer atenção de empresários, legisladores e reguladores em geral, de forma prática e estratégica. Pois, enquanto isso, mundialmente a transformação digital gera disrupção econômica. As novas facilidades, como E-hailing, bancos sem agências, OTTs e outros aplicativos, conquistam cada vez mais adeptos ao focar na satisfação dos clientes, oferecendo comodidade e baixos custos. Nesse contexto, Don Tapscott, escritor canadense autor de "Macrowikinomics" (2007), diz: "Não vivemos a era da informação, vivemos a era da inteligência conectada".
Por oportuno, cabe lembrar o teor filosófico de Antoine de Saint-Exupéry, em "O Pequeno Príncipe" (1943), no diálogo em que o Lanterneiro disse ao Principezinho que fazia um serviço terrível, que antigamente tinha sentido, pois apagava o lampião de manhã e o acendia à noite. Era o regulamento. Mas o planeta foi girando cada ano mais depressa e o regulamento não mudou. Então, o planeta dava um giro por minuto e o Lanterneiro, fiel ao regulamento, acendia e apagava o lampião uma vez por minuto.
Por fim, as inovações tecnológicas desequilibram as outorgas de serviços públicos, ou privados, e as empresas que as detêm terão de se adaptar à realidade do mercado nos próximos anos, em parcerias, ou em competição. Essas inovações, ainda que imprevisíveis quando na assinatura de contratos com o poder público, é um acontecimento natural em um mercado sujeito a tecnologias disruptivas.
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