13/09/2020

Em Debate

 

 

 

Quão difícil é reformar ou instituir estatutos constitucionais

 

Juarez Quadros do Nascimento

Engenheiro Eletricista, ex-presidente da Anatel e ex-ministro das Comunicações

 

A reforma ou a instituição de estatutos constitucionais, assim como legais, para serem factíveis precisam de planejamento e amplo comprometimento. Uma agenda a envolver grandes reformas, por natureza, é lenta. E mais ainda quando por falta de planejamento e comprometimento; muitas vezes, dentro do próprio governo; ocorrem resistências. Desde a Independência do Brasil (1822), tivemos dois imperadores, já estamos no 38º presidente da República e na 7ª Constituição Federal. Nesses quase 200 anos de história, não há como imaginar quantas dificuldades governamentais ocorreram. Para abordar o tema, coleto fragmentos cronológicos de atos afetos às Constituições do Brasil e suas regulações, a destacar, como exemplos, dois processos que tratam do setor de Comunicações.

 

Primeiro processo – Na 5ª Constituição Federal (de 1946), havia determinação de que uma lei federal disporia sobre o regime das empresas concessionárias dos serviços públicos federais, estaduais e municipais. Porém, essa lei só aconteceu 16 anos mais tarde (em 1962), com a promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações, após rejeição pelo Congresso de todos os vetos apostos pelo presidente da República. Quão difícil e lento foi concluir o Código. Até houve planejamento, mas; ao que parece, pelo tempo despendido; faltou comprometimento entre os poderes envolvidos no processo àquela época.

 

Segundo processo – Em 1994, a proposta de governo FHC abordava, entre outros temas, uma emenda constitucional relativa ao monopólio estatal nas telecomunicações. Em 1995, materializou-se a Emenda Constitucional nº 8, que alterou o inciso XI e a alínea "a" do inciso XII do art. 21 da Constituição (de 1988). Ainda em 1995, um projeto de lei resultou na Lei 9.295/1996 (chamada Lei Mínima), que permitiu a abertura à competição da telefonia móvel, dos serviços via satélite e serviços limitados. Em 1996, um novo projeto de lei resultou na Lei 9.472/1997 (a Lei Geral de Telecomunicações), que permitiu o novo marco legal do setor. Em 1997, foi instalada a Anatel, que passou a regular o setor. Em 1998, o Edital de Desestatização das Empresas Federais de Telecomunicações possibilitou o Leilão em direção à privatização das empresas do Sistema Telebrás. Mesmo com planejamento e comprometimento dos poderes da República da época, foram necessários quase quatro anos para implementar o processo.

 

Na sequência, feitos os destaques com os dois processos (que até poderiam ser mais), passo a focar detalhes dos fragmentos cronológicos de alguns atos afetos às Constituições do Brasil e suas regulações, a mencionar fatos do setor de Comunicações, sem querer ser exaustivo e sem pretensão de esgotar o tema.

 

1824 – Primeira Constituição. Para elaborar a 1ª Constituição do Brasil foi instaurada (3 de maio de 1823) uma Assembleia Constituinte, que dissolvida, foi recriada (12 de novembro de 1823), com o Imperador Pedro I sendo o administrador do processo. Assim, foi redigida a primeira Constituição, que foi outorgada por Pedro I (25 de março de 1824). Foi a Constituição mais duradoura na História do Brasil. Com 65 anos de vigência, foi revogada com a proclamação da República (1889).

 

1873 – Serviço telegráfico via cabo submarino. Na vigência da 1ª Constituição, pelo Decreto 3.307/1873, a companhia inglesa The Western Telegraph Co. Ltd., recebeu outorga, pelo prazo de 100 anos, para explorar o serviço telegráfico interior e internacional, operando cabo submarino. Em 1874, foram inaugurados por D. Pedro II os primeiros cabos totalmente submarinos, interligando o Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém. No mesmo ano, a primeira ligação telegráfica internacional por cabo submarino foi feita com Portugal. Ressalvar que a radiotelegrafia só chegou ao Brasil em 1917, quando interligou Manaus.

 

1891 – Segunda Constituição. Mesmo com a 1ª Constituição do Brasil (de 1824) revogada em 1889, a 2ª Constituição só veio a ser publicada em 1891. Nesse mesmo ano, a francesa Compagnie des Cables Sud Americaines recebeu outorga para explorar o serviço telegráfico entre Recife e Paris, via Dacar.

 

1931 – Regulação dos serviços de radiocomunicações. Na vigência da 2ª Constituição, o Decreto 20.047/1931 regulou os serviços de radiocomunicações internacional e interior, público, público restrito, limitado privado, amadores e radiodifusão. Criou a Comissão Técnica de Rádio, vinculada ao Ministério de Viação e Obras Públicas. No ano seguinte, o Decreto 21.111/1932 regulou o disposto no Decreto 20.047/1931, permanecendo como a principal, e quase única, legislação sobre radiocomunicação até 1962, ano de aprovação do Código Brasileiro de Telecomunicações. Em 1932, foram inaugurados, pelo presidente Getúlio Vargas, os primeiros circuitos telefônicos internacionais do País, do Rio de Janeiro para Buenos Aires, Nova Iorque e Madri.

 

1934 – Terceira Constituição. Com a 3ª Constituição do Brasil, a radiodifusão ganhou estatuto constitucional, quando foi atribuída à União a competência para explorar ou conceder os serviços. Foi a primeira vez que uma Constituição Federal regulou o setor de Comunicações no País.

 

1937 – Quarta Constituição. A 4ª Constituição do Brasil, manteve praticamente inalteradas as regras pertinentes à competência para explorar os serviços de radiodifusão e à propriedade de empresas, dispostas na 3ª Constituição Federal.

 

1944 – Estações radiotelefônicas entre o Rio de Janeiro e demais capitais. Na vigência da 4ª Constituição, o Decreto 9.668/1944 autorizou a Companhia Rádio Internacional do Brasil (Radional), subsidiária da norte americana International Telephone and Telegraph Corporation (ITT), a operar estações radiotelefônicas entre o Rio de Janeiro e as capitais dos Estados e Territórios. No mesmo ano (1944), via Radional, ocorreu a interligação entre as redes da Companhia Telefônica Brasileira – CTB (subsidiária da canadense Brazilian Traction, com concessão no Distrito Federal e nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo), com as redes da Companhia Telefônica Nacional (também subsidiária da ITT, com concessão nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná).

 

1946 – Quinta Constituição. A 5ª Constituição do Brasil atribuía competência à União para explorar diretamente ou mediante outorga os serviços de telefonia interestaduais e internacionais. Estabelecia, também, que uma lei federal disporia sobre o regime das empresas concessionárias dos serviços públicos federais, estaduais e municipais. Assim, colocava os serviços telefônicos locais e intraestaduais como de competência dos Municípios e Estados, respectivamente, cabendo à União a supervisão das atividades. Porém, a lei federal anunciada em 1946, só veio a ser sancionada 16 anos mais tarde, em 1962, com o Código Brasileiro de Telecomunicações. Afora as letras da 5ª Constituição, até 1962 eram poucas as regras vigentes no setor de Comunicações.

 

1953 – Projeto de Lei nº 36. Na vigência da 5ª Constituição, o Senador por São Paulo, Marcondes Filho, apresentou o Projeto de Lei nº 36, propondo o Código Brasileiro de Telecomunicações. Em 1961, foi apresentado substitutivo ao projeto de Lei nº 36. Aprovado na Câmara dos Deputados o substitutivo ao projeto do Código, originário do Senado, só veio a tonar-se lei em 1962, nove anos após a sua apresentação. No início da década de 1960, ainda vigendo a Constituição de 1946, os serviços telefônicos concentravam-se na região centro-leste do País. Os circuitos telefônicos interurbanos eram restritos, via rotas de micro-ondas de baixa capacidade a interligar o Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Belo Horizonte e Brasília. Para o restante do País havia enlaces de rádio (1 a 6 canais de voz) na faixa de ondas curtas (HF). As conexões telefônicas e telegráficas internacionais eram exploradas por empresas estrangeiras.

 

1962 – Código Brasileiro de Telecomunicações. A Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962, que instituiu o Código, foi promulgada pelo presidente do Congresso, após rejeitar todos os vetos do presidente da República. Essa lei foi o primeiro grande marco na história das telecomunicações no Brasil. Na vigência da 5ª Constituição (de 1946), com a edição do Código e com as alterações feitas pelo Decreto-Lei 236/1967, tinha-se o diploma regulatório da radiodifusão e dos serviços de telefonia. Com o Código, foram criados o Conselho Nacional de Telecomunicações – Contel (instalado em 1963) e a Embratel (criada em 1965). Antes da aprovação do Código, o Departamento de Correios e Telégrafos e a Comissão Técnica de Rádio eram vinculados ao Ministério da Viação e Obras Públicas. Mas, o Contel e a Embratel eram subordinados ao Presidente da República. A esse tempo, havia cerca de 1.200 empresas telefônicas, a maioria de médio e pequeno porte, sem coordenação e sem compromissos de integração das redes. É importante ressaltar que a Lei 4.117/1962 deixou de regular o setor de telecomunicações (em 1997), mas, ainda hoje, continua sendo o diploma regulatório da radiodifusão.

 

1965 – Criação da Embratel. Em 16 de setembro de 1965, prevista no Código, foi criada a Embratel, como empresa pública. Com o suporte do Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT (recursos de até 30% sobre as tarifas dos serviços públicos de telecomunicações), a Embratel lançou-se à imensa e desafiante tarefa de interligar todas as capitais e as principais cidades do País. Entre 1969 e 1973, a Embratel assumiu a exploração dos serviços internacionais, à medida que expiravam os prazos concedidos às empresas estrangeiras que os operavam.

 

1967 – Sexta Constituição. A 6ª Constituição do Brasil consolidou na União o poder de outorgar concessões (como é ainda hoje); que até então, cabiam aos Estados e Municípios; ao reforçar o disposto no Decreto-Lei 162/1967, que já havia disciplinado a questão. No mesmo ano, pelo Decreto-Lei 200/1967, foi criado o Ministério das Comunicações (MC), ao qual foram vinculados o Contel, o Dentel e a Embratel. O MC centralizou as competências anteriormente atribuídas ao Contel, no que respeita à orientação política e fixação de diretrizes para os setores de telecomunicações e radiodifusão.

 

1972 – Criação da Telebrás. As medidas decorrentes do Código melhoraram os serviços interurbanos e internacionais, o que não ocorreu nos serviços locais. Desde 1971, era cogitada a criação da Telebrás, destinada a planejar e coordenar as telecomunicações de interesse nacional, obter os recursos financeiros necessários à implantação de sistemas e serviços, e controlar a aplicação de tais recursos mediante participação acionária nas empresas operadoras. Vinculada ao MC, nasceu então a Telebrás, pela Lei 5.792, de 11 de julho de 1972. Essa lei, também, colocou à disposição da Telebrás os recursos do FNT, assim como, transformou a Embratel em sociedade de economia mista e subsidiária da Telebrás.

 

1974 – Telebrás/Concessionária. Com o Decreto 74.379/1974, a Telebrás foi designada "concessionária geral" para explorar os serviços públicos de telecomunicações em todo o país. Ressaltar que, ao ser criada (1972), a Telebrás já havia iniciado o processo de aquisição e absorção das empresas telefônicas no Brasil, objetivando consolidá-las em empresas de âmbito estadual, que vieram a constituir o Sistema Telebrás (STB). Nessa época, das 1.200 operadoras, ainda existiam 900 operadoras independentes a operar cerca de dois milhões de terminais telefônicos que, insuficientemente, atendiam 105 milhões de habitantes. Ao longo de 26 anos (1972-1998), com pessoal capacitado, planejamento, coordenação, tecnologia moderna e investimento significativo, a Telebrás desenvolveu um trabalho notável, fazendo com que o Brasil detivesse uma das cinco maiores redes telefônicas do mundo.

 

1988 – Sétima Constituição. No decorrer da vigência da 7ª Constituição do Brasil, os serviços continuavam explorados sob a forma de monopólio, sob a luz do Código Brasileiro de Telecomunicações. Contudo, a Constituição de 1988 determinou que os serviços públicos de telecomunicações somente poderiam ser explorados pela União, diretamente ou por meio de concessões a empresas sob controle acionário estatal, portando, sujeitas às peias e amarras a que são submetidas as empresas estatais brasileiras. Esse viés constitucional engessou o setor até se materializar a Emenda Constitucional Nº 8/1995.

 

1995 – Emenda Constitucional nº 8. Em de 15 de agosto de 1995, materializou-se a Emenda Constitucional nº 8, oriunda da proposta de governo elaborada em 1994, com o título "Mãos à Obra, Brasil", que no capítulo referente às telecomunicações, dispunha: "O Governo Fernando Henrique proporá emenda constitucional visando à flexibilização do monopólio estatal nas telecomunicações...". Dessa proposta resultou a alteração do inciso XI e a alínea "a" do inciso XII do art. 21 da Constituição de 1988. Essa Emenda permitiu flexibilizar o modelo, eliminando a exclusividade da concessão para exploração dos serviços públicos a empresas sob controle acionário estatal e buscando o regime de competição na exploração desses serviços.

 

1996 – Lei Mínima. Ainda em 1995, o Poder Executivo enviou ao Congresso um Projeto de Lei que se transformou na Lei 9.295/1996 (Lei Mínima), que permitiu a competição da telefonia móvel celular, dos serviços via satélite e serviços limitados, com grande atratividade para investimentos privados. Lembrar, aqui, do leilão das licenças da banda "B" do celular (1997), que quebrou o monopólio estatal e iniciou o processo de popularização do serviço no País.

 

1997 – Lei Geral de Telecomunicações. Na sequência da reforma, em 1996, o Poder Executivo enviou ao Congresso um novo Projeto de Lei, que se transformou na Lei 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT), a dispor sobre a organização dos serviços, criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais. Até então, os serviços públicos de telecomunicações eram explorados pelo STB; composto por uma empresa holding (a Telebrás), uma empresa carrier de longa distância de âmbito nacional e internacional (a Embratel) e 27 empresas de âmbito estadual ou local; e quatro empresas independentes, sendo três estatais (a CRT, controlada pelo Estado do Rio Grande do Sul; a Sercomtel, pela Prefeitura de Londrina/PR; e a Ceterp, pela Prefeitura de Ribeirão Preto/SP) e uma de capital privado (a Cia de Telecomunicações do Brasil Central, sediada em Uberlândia/MG e atuando em vários estados, hoje Algar Telecom). Após 22 anos de vigência da LGT e quase quatro anos de tramitação legislativa, importante reforma foi sancionada na Lei 13.879/2019; com as diretivas contidas no PLC 79/2016 (aprovado pelo Senado Federal, em 2019), oriundas do PL 3.453/2015 (aprovado pela Câmara dos Deputados, em 2016); permitindo a adaptação da outorga de serviço de telecomunicações, de concessão para autorização, além de outras disposições.

 

1998 – Edital MC/BNDES Nº 1/98. O Edital de Desestatização das Empresas Federais de Telecomunicações possibilitou, em 29 de julho de 1998, o Leilão programado em direção à privatização das empresas do STB, com o objetivo de inserir o Brasil em uma nova ordem econômica e social. A Telebrás que controlava 54 concessionárias de serviços de telecomunicações (sendo 27 de telefonia fixa, 26 de telefonia celular e uma de telefonia de longa distância, até a cisão aprovada em AGE, de 22 de maio de 1998), com base na LGT e no Modelo de Reestruturação e Desestatização (Decreto 2.546/1998), foi cindida parcialmente em 12 novas empresas (sendo oito controladoras das concessionárias do serviço móvel celular e quatro controladoras das concessionárias do serviço telefônico fixo comutado), que foram desestatizadas, permanecendo a empresa como remanescente, porém, não mais com a função de controladora do STB. A privatização do STB veio ao encontro da necessidade da revisão do papel do Estado no processo produtivo, incorporando ao setor um caráter liberalizante e não intervencionista, conferindo-lhe salutar competitividade.

 

Nota do autor: o presente artigo foi elaborado com dados, em parte, coletados no Livro "Renascem as Telecomunicações" (1992), de autoria do ex-ministro Euclides Quandt de Oliveira; na "Exposição de Motivos nº 231" (1996), assinada pelo ex-ministro Sérgio Motta; e no Livro "Artigos, análises e tutoriais de telecomunicações" (2014), de minha autoria.

 

 

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