16/03/2008
Em Debate Especial: Projeto lei 29
O impasse da regulação da distribuição do conteúdo audiovisual
Regina Ribeiro do Valle
Sócia do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.
Pós-graduada em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 1991.
Passam-se os anos e a discussão sobre a regulação da distribuição de conteúdo audiovisual ainda continua no impasse.
É comum ao cidadão brasileiro quando está diante de um problema atribuir a responsabilidade à falta de uma lei que resolva a questão ou a falta de atuação do governo que não exige o seu cumprimento.
O apelo dos brasileiros ao Estado intervencionista ainda é grande e essa mentalidade veio sendo consolidada durante longos anos de atuação de um governo totalitário, com o afastamento do Poder Legislativo como legitimo representante dos interesses dos cidadãos e reforçada pelas oscilações da economia interna e mundial, quando assistimos o Estado coibindo o exercício do direito à livre expressão do pensamento e do direito à informação e atuando através de mecanismos de intervenção na economia.
Hoje não se aceita mais os padrões estabelecidos desde longa data como os da revolução industrial, totalmente superados pela era da informação digital. Agora vivemos todos em uma sociedade em rede. Pertencemos a uma única comunidade global centrada no novo paradigma da sociedade da informação (1).
O surpreendente desenvolvimento das ferramentas tecnológicas e das telecomunicações foi capaz de criar condições jamais vistas para o incentivo do relacionamento global. A cidadania, nos dias atuais, não está mais circunscrita ao território de um país e sua soberania delimitada por fronteiras físicas, uma vez que vivemos em uma nova era em que não existem mais barreiras geográficas ou cronológicas a ultrapassar.
Não há mais necessidade de delimitar as fronteiras entre o mundo físico e o digital, pois hoje já é possível trafegar do mundo tangível ao intangível, sob um enorme guarda-chuva dos meios convergentes de comunicação. Nenhuma distância e nenhuma barreira são capazes de impedir que os indivíduos e corporações, por todo planeta, se relacionem on line em tempo real.
Exemplo dessa nova forma de comunicação é demonstrado pela prestação dos serviços altamente sofisticados e individualizados a milhares de quilômetros de distância de seus contratantes, sem qualquer atraso ou degradação de qualidade. Afinal, como afirma Thomas Friedman, atualmente todos sabemos que o “Mundo é Plano” (2) .
É imperativo, portanto, atualizar o discurso dos brasileiros que ainda imaginam que a solução de todos os problemas acontece com simples edição de leis ou por intermédio da intervenção do Estado, fazendo uso de mecanismos como controle de preços, choques econômicos, reservas de mercado e barreiras de entrada ou fixação de cotas. Tais ferramentas remontam à época do Estado intervencionista, do bem estar social, padrão que se esgotou no século passado.
Hoje a sociedade civil tem consciência de seus próprios interesses e o seu gerenciamento passa pelo envolvimento direto dos membros da comunidade atuando de modo efetivo quando se trata do exercício da cidadania “A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social” (3) .
Nesse sentido o direito fundamental de livre acesso à informação por intermédio da tecnologia digital sem restrições deve ser garantido, em igualdade de condições, a todos os indivíduos, na qualidade de participantes da sociedade global.
Esse é o contexto em que a comunidade deve discutir sobre a necessidade e oportunidade de criação de um novo marco regulatório dirigido à oferta de serviços convergentes de telecomunicações em que os usuários têm à disposição a partir de uma só operadora, serviços de voz, dados e conteúdo audiovisual em meios móveis e fixos.
A previsão de mudança da legislação que disciplina a transmissão de conteúdo de massa e radiodifusão já existia mesmo antes da privatização das telecomunicações, pois, estava incluída no Plano de Atualização dos Serviços de Telecomunicações e Correios - PASTE.
Nesses últimos 10 anos foram inúmeros os Projetos de Lei e até Projetos de Emenda Constitucional com o objetivo de atualizar a disciplina da comunicação social eletrônica de massa englobando os serviços de radiodifusão, mas nenhum evoluiu.
Todas as tentativas falharam e a cada vez que se tentou voltar ao tema, tanto pelo lado das operadoras, quanto pelo lado da proteção do patrimônio cultural e da defesa da soberania e da identidade cultural do Brasil, os ânimos de acirraram e os debates levaram a mais um impasse e ao aprofundamento das divergências.
A questão ganhou vulto a partir de 2007 com apresentação de três Projetos de Lei: PL29, PL 70 e PL 332 que abordaram temas afins, centrados na organização da exploração da comunicação social eletrônica, seu provimento e empacotamento, assim como na disciplina da produção, programação e provimento de conteúdo nacional.
Os Projetos de Lei transitam pelo Congresso, agora apensados, depois de sofrerem inúmeras modificações, inclusive mudando de relatoria e com apresentação de substitutivos.
As notícias mais recentes indicam que as Comissões na Câmara estão se posicionando e os congressistas têm vindo a público, para informar e defender seus entendimentos demonstrando profundo conhecimento do setor ao elencar com precisão os gargalos que impedem o pleno desenvolvimento do processo de consolidação dos serviços convergentes de telecomunicações.
Foram identificados com clareza pelo Deputado Jorge Bittar os problemas a serem resolvidos de imediato e que barram a expansão da oferta dos serviços convergentes de telecomunicações de modo amplo e democrático
No entender do Deputado
O estágio de discussão dos temas encontra-se avançado como informa o Deputado Bittar, porém quando se decide regular tantas questões sofisticadas e reunir tantos interesses divergentes em um só diploma legal existe o perigo do retrocesso.
Não é necessário revisitar a trajetória da legislação do setor de telecomunicações para lembrar da magnitude dos debates travados para editá-la. E vale aqui lembrar um evento em particular que pode servir de exemplo para a superação do impasse que ora se vivencia.
Trata-se da época em que, logo após a edição da Emenda Constitucional n.8/96, deu-se início ao grandioso projeto da Lei Geral das Telecomunicações com infindáveis discussões e negociações sem que na oportunidade, se vislumbrasse um horizonte próximo que permitisse o lançamento dos novos serviços de telecomunicações, já esperados há alguns anos.
Foi então que se editou a Lei Mínima e se criou a possibilidade de preparar as licitações para exploração de novas licenças de telefonia celular pela iniciativa privada. Ao mesmo tempo em que o obstáculo foi ultrapassado o setor ganhou o tempo necessário para a edição de um marco regulatório moderno que possibilitou o sucesso na implantação da mudança de modelo do setor de telecomunicações
Se hoje o setor de telecomunicações, de novo, encontra-se em um impasse, sem as regras necessárias para atender os serviços oferecidos pela evolução tecnológica e exigidos pelo mercado, pergunta-se porque não editar um diploma legal mínimo, que solucione questões específicas de cada vez, criando a oportunidade para que a comunidade brasileira como um todo tenha tempo para discutir e amadurecer o modelo que melhor venha a garantir seu direito de acesso a informação e direito de livre expressão de pensamento?
O grande projeto de regulação capaz de estimular a produção nacional de conteúdos audiovisuais necessita de tempo para ser amadurecido com a criação de políticas de fomento e estímulo ao investimento como sugerido no amplo estudo dos Impactos Econômicos das Cotas apresentado pela consultoria contratada pelo setor de TV por Assinatura.
O estágio atual de desenvolvimento em que vivemos como cidadãos não só de um país, mas participantes de um mundo global, definitivamente nos distancia do modelo intervencionista que parte do pressuposto de que os indivíduos não têm capacidade de escolha quando tem acesso a livre informação.
(1) Manuel Castells. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, Sociedade em Rede, Vol.1, Lisboa: Fundação Caloustie Gunbenkian, 2005
(2) Thomas Friedman O Mundo é Plano
(3)Dalmo DALLARI, Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p.14
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Tenho convergências com a opinião da Advogada Regina Ribeiro do Valle, em seu artigo "O impasse da regulação da distribuição do conteúdo do audiovisual".
Minha empresa (http://www.creativante.com.br) até produziu três newsletters a respeito do tema (ver inicialmente http://www.creativante.com.br/lettericia/blog/2008/06_2008.html).
Mas a questão que a articulista deixa de observar em toda esta discussão é o fato de que uma indústria que no Brasil fatura R$ 100 bilhões (como é a das operadoras de telecomunicações) pode praticamente "engolir" uma outra, a de audiovisual, que fatura algo em torno de R$ 10 bilhões, como foi tratado ontem no programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, e que pouca gente associa a este debate do PL 29.
Afinal, o quê estamos fazendo para evitar este potencial processo "tecno-tele-fágico" (incentivado pelo atual governo federal, que está estimulando a criação de um grande monopolista privado das teles), de grande impacto cultural, que estamos provavelmente nos encaminhando?
Finalmente, parabéns ao Teleco por colocar este tema em debate!
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