Em Debate Especial Como ampliar o acesso aos serviços de telecom na base da pirâmide?
Publicado: 05/11/2007
O desafio do mercado emergente no Brasil
Ricardo Knoepfelmacher
Presidente da Brasil Telecom
Há pouco mais de seis décadas, o sociólogo francês Jacques Lambert afiava sua pena para escrever um clássico da literatura: o célebre livro “Os Dois Brasis”, lançado em 1967, e considerado uma das primeiras tentativas de se olhar o Brasil pelo ângulo de suas contradições. A reflexão proposta pelo autor girava em torno da contraposição entre o “rico” e o “pobre”, entre o “urbano” e o “rural”, entre o lado “moderno” e o “arcaico”.
Independentemente das realidades plurais existentes no País, o Brasil é um só: terra de contrastes geográficos, econômicos e sociais, o que talvez seja sua principal virtude. As diferenças observadas por Lambert fazem do Brasil um mercado peculiar, que reúne cidadãos dos mais diferentes matizes.
O relato do autor francês pode facilmente ser aplicado ao setor de telecom. Hoje, muito se fala dos serviços convergentes que encantam pequena parcela dos consumidores brasileiros, que podem desfrutar das tecnologias oferecidas pelo mercado.
Essa realidade, porém, está muito distante de um grande contingente de brasileiros de menor poder aquisitivo – o chamado mercado emergente – que ainda não usufruiu, em toda sua plenitude, dos avanços ocorridos no mundo das telecomunicações. Isso porque, no Brasil, apenas 23% dos habitantes possui renda superior a R$ 1.400 mensais.
A tabela abaixo mostra os serviços de comunicação mais utilizados pelos brasileiros com renda média mensal entre R$ 200 e R$ 1.400.
Servir ao mundo convergente de poucos, mas também a esse mundo emergente de muitos brasileiros, representa o grande desafio das operadoras de telecomunicações. Será fundamental segmentar adequadamente as ofertas de serviços, levando em conta que o Brasil convergente e o Brasil emergente têm necessidades diferentes.
Enquanto os convergentes buscam ofertas de triple e quadrupleplay, plataformas para interação e parcerias para a formação de ecossistemas, os emergentes necessitam de inclusão digital, universalização com banda larga e computadores por meio de ofertas simples e ações instrutivas. Não basta o desejo de inclusão. Para que os emergentes possam acessar esse novo mundo tecnológico, o obstáculo da renda precisa ser superado.
As operadoras precisam servir seus clientes na totalidade de suas necessidades e de seu ciclo de vida, utilizando a qualidade do serviço como diferencial competitivo. As telecomunicações possuem enorme potencial para atender diferentes necessidades além de voz. Grandes mudanças estão acontecendo no mundo, principalmente em função do uso do celular, que já não é visto exclusivamente como um meio de comunicação de voz.
Se para uma parcela dos brasileiros o uso mais intenso das telecomunicações pode ocorrer por soluções de mercado, para as classes de menor poder aquisitivo deve ser resultado de políticas públicas de inclusão digital. Assim, a tarefa de aumentar a base da pirâmide para o uso de soluções tecnológicas envolve um esforço coordenado dos diversos agentes sociais.
Ao Governo cabe adequar as políticas públicas para incentivar a inclusão digital e também promover redução da carga tributária para esses novos serviços, uma das maiores do mundo no setor. Existem algumas propostas para isso, como a redução do ICMS e o tratamento diferenciado de FISTEL para os novos serviços dirigidos à população mais carente.
Outros exemplos de medidas governamentais que podem ajudar o processo dizem respeito aos programas para concessão de micro-crédito, para o acesso ou a quitação de débitos decorrentes da prestação dos serviços, e a mecanismos - aceitáveis pela agência reguladora - que possibilitem a securitização das contas dos clientes de maior risco. Compete às concessionárias ampliar a infra-estrutura existente para aumentar a disponibilidade da banda larga, utilizando tecnologias de menor custo.
Os fornecedores podem fabricar equipamentos de baixo custo, inclusive computadores. À indústria brasileira de “software” cabe o desenvolvimento de aplicativos voltados para os novos serviços demandados pelo novo mercado, com ênfase principalmente em soluções de e-Gov nos níveis federal, municipal e estadual e de serviços de transações eletrônicas de baixo custo.
Finalmente, aos financiadores, cabe disponibilizar linhas de crédito a custos reduzidos e estabelecer programas de contrapartida com utilização do FUST e similares. É sempre bom lembrar que o FUST foi criado exatamente para financiar obrigações de universalização que não possam ser recuperadas pela exploração eficiente do serviço.
Somente com o esforço de todos será possível aumentar a velocidade de inclusão e de aumento da base da pirâmide, uma vez que as concessionárias já oferecem produtos voltados à classe emergente. É necessário, portanto, mais criatividade e ousadia para a promoção da verdadeira inclusão no setor das telecomunicações.
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