Em Debate
Publicado: 25/10/04
A Regulação nas Telecomunicações Brasileiras e o Projeto de Lei 3 .334 de 2004
Roberto Fontes Federici Filho
rfederici@brandi.com.br
Introdução
Um dos mais importantes projetos constantes da agenda econômica implementadas na gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso, foi dar consecução ao Plano Geral de Desestatização do Governo Federal 1, que objetivava, dentre outros aspectos, reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades inadequada e ineficientemente exploradas pelo setor público brasileiro.
A gestão pública de determinadas atividades econômicas pelo setor público brasileiro, foi ostensivamente marcada pela ostensiva incapacidade na administração de tais atividades. Marcada mormente pela má versação dos recursos ali empregados e pela incapacidade de gerar riquezas e benefícios à sociedade.
O Estado brasileiro então reviu esse paradigma. Corajosamente instituiu no início dos anos 90 um estruturado e audacioso plano nacional de privatização das empresas públicas que, historicamente controlavam setores econômicos estratégicos, a saber: petróleo, energia, telecomunicações e setores de infra-estrutura, dentre outros.
Consequência lógica deste processo, o Estado brasileiro experimentaria uma mudança de foco absoluta. Deixaria de ser "Estado empresário", passando a desempenhar a função de "Estado regulador" das atividades concedidas aos particulares. Deixando portanto de exercer as "atividades fim", de execução direta, para passar a exercer "atividades meio", típicas de controle (entendido em sentido lato ).
Fosse dada continuidade a esta mudança copérnica de paradigma, ao Estado seria necessária a criação de mecanismos efetivos de regular as atividades delegadas. Em especial, de forma a garantir aos investidores retorno de seu capital, compatibilizado com o provimento, à coletividade, a prestação de serviços adequados e dentro de um patamar de qualidade.
Começava em 1998 a flexibilização do monopólio dos serviços de telcomunicações com a cisão da Telebrás (holding das empresas de telecomunicações controladas pelo Estado)
1 Instituído pela Lei Federal n.º 8.031 de 12 de abril de 1990.
O Surgimento do Órgão Regulador e o Sistema Brasileiro da Defesa da Concorrência
No contexto da implementação das mudanças decorrentes da atividade do Estado, ao Brasil se impunha a necessidade de criar mecanismos e sistemas e subsistemas jurídicos que pudessem, de forma efetiva e célere, exercer seu papel de agente regulador e fiscalizador. Portanto, era imperioso que alterações de natureza legislativas de toda ordem tivessem lugar.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu artigo 174 2, já delineava os primeiros contornos do papel do Estado como órgão regulador da atividade econômica, mas era preciso mais. Relativamente as telecomunicações a Emenda 3 constitucional n.º 08 de 1995, instituiu os primeiros arranjos da flexibilização do monopólio estatal, outrora exercido sobre os serviços de telecomunicações, permitindo então à iniciativa privada sua exploração.
Com efeito, a Emenda supracitada alterou o inciso XI, do artigo 21 da Constituição Federal que passou a possuir a seguinte redação:
" Art. 21. Compete à União:
[...]
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais ;"
Portanto, a alteração implementada no texto constitucional versava sobre basicamente três vertentes:
i. A "possibilidade" de exploração dos serviços em si por entes privados; ii. O desenho jurídico das figuras jurídicas que suportariam a exploração de tais serviços; e iii. A instituição, na forma da lei, de um órgão regulador.
i. A "possibilidade" de exploração dos serviços em si por entes privados;
ii. O desenho jurídico das figuras jurídicas que suportariam a exploração de tais serviços; e
iii. A instituição, na forma da lei, de um órgão regulador.
Por conseguinte, em 1997, o Presidente Fernando Henrique sancionou a Lei geral de telecomunicações brasileira, n.º 9.472 de 16 de junho de 1997. Tal diploma legal, de natureza federal, desenhava o arquétipo do órgão regulador nacional de telecomunicações 4, instituído então sobre a forma de "agência". Outros desenhos institucionais poderiam ter sido adotados para exercer a função reguladora, mas impôs-se a diretriz adotada pelo Ministério de Estado das Comunicações, a admissão de um modelo tipicamente anglo-saxão, já largamente utilizado nos Estados Unidos da América desde o final do século 19.
Nesse momento é relevante firmar que o sistema brasileiro de defesa da concorrência ("SBDC"), em especial a Lei nacional de defesa da concorrência fora criada em 1994 5. Valioso trazer à colação que a Lei instituia o órgão nacional de defesa da concorrência como autarquia (CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão típica e privativamente judicante. O sistema nacional de defesa da concorrência funda-se em uma atuação tripartite, conforme alhures.
O CADE foi instrumentalizado como órgão responsável pela instância administrativa de julgamento das práticas anti competitivas e operações de concentração, sendo auxiliado na execução de suas tarefas, por dois outros órgãos incumbidos da função de investigação e instrução processual, a saber: a Secretaria de Acompanhamento Econômico ("SEAE" - vinculada ao Ministério das Fazenda) e a Secretaria de Direito Econômico ("SDE" - vinculada ao Ministério da Justiça).
2 " Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica , o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado."
3 Espécie de alteração do texto constitucional, previsto no artigo 60 da carta constitucional brasileira.
4 ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações.
5 Lei federal n.º 8.884 de 11 de junho e 1994.
A Agência Reguladora de Telecomunicações - ANATEL
Estruturalmente, a condição de agência reguladora favoreceu sobremaneira a montagem de um repositório regulatório eficiente e bem provido. Agregado a isso, a modernidade da Lei geral de telecomunicações auxiliou institucionalmente o governo brasileiro a formatar um cenário favorável ao aporte de investimentos estrangeiros.
A segurança jurídica conferida pelos dispositivos legais, agregadas as ferramentas jurídicas constantes dos regulamentos administrativos editados pelo órgão regulador, constituíram relevante e fundamental mola propulsora de investimentos nas operações de telefonia fixa e móvel.
Ademais, vinculada à atividade desenvolvida pelo SBDC, à ANATEL, de forma subjacente, foi imputada a tarefa de zelar pela concorrência setorial no mercado de telecomunicações, ficando obrigada, a não apenas preservar a competição no setor de telecomunicações, mas compelida a criar um ambiente favorável para que a competição se desenvolvesse nesse setor 6. Portanto, trata-se de um dever jurídico objetivo de fomentar a competição.
Não obstante, questões viscerais como a interconexão de redes, a regulamentação do unbundling e questões atinentes ao estabelecimento de compartilhamento de infra-estrutura foram, em um primeiro momento de maturação de cultura regulatória, tratadas de forma indiligente.
Críticas que se façam, o surgimento da agência reguladora estabelece um marco meritório para os serviços de telecomunicações no Brasil. Constituída como autarquia especial, organicamente independente do Ministério das Comunicações - portanto funcionalmente despolitizada, dotada de dirigentes com mandatos fixos e aparelhada de repositório humano especializado, a ANATEL constitui um forte vetor de desenvolvimento das telecomunicações brasileiras. Assegurar a manutenção de sua independência orgânica, é fator fundamental para o aprendizado e o aprimoramento do setor.
Considerada a falta histórica de maturidade regulatória do Brasil, o aparecimento de tais entes em nosso sistema legal foi bem-vinda. Regulação não se exerce em abstrato, é necessário portanto que se criem e fortaleçam permenentemente tais "autoridades reguladoras independentes". Trata-se metaforicamente de plantar e regar todo dia uma "cultura regulatória", como se uma planta fosse.
Qualquer autoridade reguladora, deve, por premissa, pautar-se por ideais de independência e desvinculação. Reside na atuação autônoma, e no acúmulo de funções administrativas, a grande virtude destes órgãos "desjudicializados". Exercendo portanto todas as funções típicas da "fileira regulatória", a saber:
Os processos de elaboração de normas- Rule Making; A implementação administrativa de tais normas - Rule Regulamentation; A supervisão e Inspeção dos atos dos operadores - Medidas administrativas decorrentes do Poder de Polícia Administrativa; A atividade sancionatória; A capacidade de compor e resolver conflitos entre os operadores e entre operadores e usuários - Administrative Adjudication.
Os processos de elaboração de normas- Rule Making;
A implementação administrativa de tais normas - Rule Regulamentation;
A supervisão e Inspeção dos atos dos operadores - Medidas administrativas decorrentes do Poder de Polícia Administrativa;
A atividade sancionatória;
A capacidade de compor e resolver conflitos entre os operadores e entre operadores e usuários - Administrative Adjudication.
Observamos que a interação da atividade da ANATEL com os órgãos do SBDC foi indispensável para a consecução das políticas anti-truste do Estado. Com as diretrizes definidas na já citada Lei brasileira de defesa da concorrência, cabe à ANATEL, para o setor de telecomunicações, exercer a função instrutória e fiscalizadora das práticas combatidas, tendo inclusive poderes para instruir processos próprios.
Outra atribuição não menos importante, foi a gestão permanente e reiterada fiscalização das outorgas (Concessão, autorização e permissão) concedidas aos operadores. O manejo do regulador, sua capacidade em exercer a regulamentação, constitui traço indissociável de suas atribuições.
A construção de um marco regulatório estável, porém não estático, é e sempre será um traço essencial na formulação de políticas de Estado com vistas ao desenvolvimento do setor e, especialmente, na construção um enquadramento legal e regulatório seguro a fim de instigar entrada de capitais.
Nesse mesmo sentido, com vistas a garantir um fluxo de capital de investimentos, a opção de governo para o modelo das telecomunicações recaiu sobre a compleição propositada de um modelo de "agência". Isto porque são, na sua gênese, organismos dotados de forte neutralidade política, afastados das conjecturas que normalmente marcam as decisões de governo e suas suscetibilidades. Constituem organismos dotados de alta especialidade técnica e não política. Tornam-se portanto entes de Estado e não de governos.
Especificamente em relação a adoção de sistemas de controle e gestão regulatória, o modelo brasileiro adotou um sistema de "assimetria regulatória", incumbindo aos agentes econômicos distintas espécies de direitos e obrigações. Fosse em relação ao Poder Concedente, fosse em relação aos usuários.
Os serviços prestados foram separados quanto ao seu regime de exploração (público e privado) e quanto ao seu interesse (coletivo ou restrito). Aos operadores de serviços de telecomunicações prestados em regime público (portanto tratam-se dos serviços de "interesse econômico geral", na moderna concepção européia; ver Tratado Constitutivo da Comunidade Européia de 1957), as obrigações são restritas, com severo controle de tarifas e imputação de obrigações de natureza social (tais como obrigações de universalização dos serviços e ônus de continuidade)
Em relação aos serviços prestados em regime privado, a "liberdade é a regra", na medida em que constituem essencialmente exercício de atividade econômica privada.
De uma forma geral, podemos subsumir que no período inicial da cisão do segmento (1998 à 2001), o vetor era a universalização dos serviços. Conquanto que a partir deste momento, circunstância aliás em que as empresas passavam por um penoso processo de consolidação de suas operações (tanto na telefonia fixa quanto na telefonia móvel), estar-se-ia defronte ao vetor da implementação da competição.
As Críticas ao Modelo Adotado e o Projeto de Lei 3 .334/04
Ferozes, veladas ou não foram as críticas recebidas ao modelo. Em sua grande maioria de natureza construtiva. Sempre e em toda circunstância as críticas tinham por alvo procedimentos administrativos, mas sempre convergiram no sentido de legitimar a ANATEL como organismo vital para a construção e manutenção de um ambiente são e competitivo.
A oposição política instalada no Brasil da era Fernando Henrique foi representada nomeadamente pelo Partido dos Trabalhadores ("PT"). O PT, representando movimentos de esquerda (mais ou menos radicais), foi seguramente o mais ferrenho opositor da adoção do modelo de agências.
Por-se-ia contra preponderantemente na medida em que defendia que diretrizes de Estado para segmentos da economia que entendiam relevantes (Telecomunicações, energia e petróleo) deveriam estar sob absoluto controle da mão forte do chefe do Executivo. Entendiam que a subserviência de certos segmentos sob o controle de um agente regulador representava um perigo iminente para o país, pois as decisões lhes "escapavam às mãos". Falava-se inclusive em "perda de soberania".
Portanto, nada mais natural que, ao ascenderem ao poder em 2002 um dos primeiros (e principais) pontos de atrito com a política anterior fosse a descontrução, ou revisão, do aparato regulatório de outrora. Estávamos começando a perceber a miopia do Estado.
Para o caso das telecomunicações bastava debruçar-se sobre o texto da Lei Geral das Telecomunicações para entender que, sob nenhuma circunstância, estar-se-ia afastando as decisões de diretrizes e políticas setoriais das mãos Estado:
" Art. 1° Compete à União , por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços de telecomunicações".
Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofreqüências . " (grifamos)
Resta claro que o definidor e construtor das diretrizes gerais e da política institucional, no sentido mais amplo do termo, são e sempre serão exercidos através da conjugação de poderes entre o Executivo e do Legislativo. O órgão regulador constitui mero instrumento de implementação (daí a locução - "por intermédio de .") das políticas pré-definidas pela conjugação de poderes.
Não encontro equilíbrio e sensatez nas razões atualmente reclamadas, sustentadas na justificação de "perda de poder", para que, de forma risível, seja implementada uma operação de esvaziamento das agências reguladoras.
O governo petista atualmente vota a aprovação de um substitutivo de Projeto de Lei (dispõe sobre a nova gestão das agências reguladoras) no Congresso Nacional, de autoria do deputado Federal Leonardo Picciani (PMDB/Rio de Janeiro), objetivando, ao longo de seus trinta e quatro artigos, o esvaziamento das agências.
Dentre alguns dispositivos, destacamos de plano o seguinte ideário:
i. As agências perdem completamente o poder de conceder e gerir as concessões (outorgas para os serviços explorados em regime público); ii. As agências perdem o poder de instruir os processos relativos às práticas anticompetitivas; iii. Institui-se a figura do "Contrato de Gestão", a ser firmado entre os dirigentes da agência e a Poder Concedente de forma a exercer estrito controle sob os atos dos dirigentes, em flagrante violação constitucional à natureza jurídica do contrato de gestão, senão vejamos o texto constitucional, art. 37:
i. As agências perdem completamente o poder de conceder e gerir as concessões (outorgas para os serviços explorados em regime público);
ii. As agências perdem o poder de instruir os processos relativos às práticas anticompetitivas;
iii. Institui-se a figura do "Contrato de Gestão", a ser firmado entre os dirigentes da agência e a Poder Concedente de forma a exercer estrito controle sob os atos dos dirigentes, em flagrante violação constitucional à natureza jurídica do contrato de gestão, senão vejamos o texto constitucional, art. 37:
" § 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:"
Bem se nota que sua existência encontra-se necessariamente vinculada à uma vertente de ampliação de poderes e não de restrição.
Não é razoável conceber, e muito menos amoldarmos nossa percepção de que a retirada de determinados poderes atribuídos ao órgão regulador de telecomunicações, em matéria de concorrência, possam, por exemplo, contribuir efetivamente para o aumento da eficiência na fiscalização e repressão de práticas anticompetitivas.
Ora, é preciso bom senso para perceber que possuímos um sistema de defesa da concorrência sobrecarregado e letárgico (portanto ineficiente sob o prisma da efetividade). Que é saudável possuir mecanismos e organismos múltiplos de verificação de práticas anticompetitivas de forma capilarizada, na qual, de forma subjacente (e não subserviente) os órgãos reguladores possam estar incumbidos de poderes fiscalizatórios, instrutivos e executórios. Afinal, qual o sentido e a gênese da regulação, senão exercer plenamente a atividade regulatória, consubstanciada por esses mesmos poderes?
O manejo permanente das competências regulatórias constitui um dos mais finos e coesos ajustes atribuídos como "Poder/Dever", ao Poder público. O substitutivo em questão mina o natural processo de evolução da atividade reguladora, principalmente considerado sob a acepção da concorrência.
Há voluntária e dirigida diminuição da importância da Anatel no contexto de fiscalização e na aplicação de sanções em questões de concorrência. Deixa de ser um órgão ativo, sujeito de direito, e fica relegado a condição de "auxiliar" incutido quase "clandestinamente" no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).
Com efeito, paulatinamente desamarra-se o liame e portanto desafina-se a equação jurício/regulatória que deve subsistir entre os órgãos de defesa da concorrência e os órgãos reguladores.
Interessante dado a corroborar o temor da aventura desmedida do aludido Projeto de Lei sob a perspectiva econômica, é o recente artigo da brilhante economista Miriam Leitão, articulista do jornal "O Globo", publicado no dia 12 de outubro de 2004:
"Jornal O Globo - Rio de Janeiro
Olho no Investidor
O Brasil despencou na mais importante pesquisa feita no mundo - a da A.T. Kearney - com os os responsáveis por decisão de Investimento Direto Estrangeiro. O país caiu de 9 para 17 lugar no interesse dos investidores.
Esta pesquisa é feita anualmente junto às mil maiores empresas investidoras do mundo e quem responde o questionário é o presidente ou diretor-financeiro da companhia. Pelo que dizem os números sobre os investimentos no passado recente e a pesquisa sobre intenções de investimento, o Brasil é um país de alto risco e de muita incerteza regulatória . "
O Papel das Agências como Instrumentos de Desenvolvimento Econômico no Brasil
A história nos revela que a inserção de autoridades reguladoras como instrumento de preservação de mercados, notadamente voltadas ao desenvolvimento de atividades econômicas, não é um fenômeno do Séc. XX. Data de 1887 com a criação da Interstate Commerce Comission nos EUA, para regular um entrocamento ferroviário entre duas linhas iportantes.
No decorrer da história norte americana, as agências sempre funcionaram como vetor auxiliar no desenvolvimento e supervisão de atividades econômicas. Super dotadas de poderes, o fortalecimento destes entes houve por permitir que cada vez mais o Estado norte-americano desempenhasse seu papel de "Estado Regulador" com isenção e independência.
Analisando a racionalidade da experiência americana, BRENNAN (1995:468) identifica quatro pontos básicos com os quais, em sua visão, o regulador deve se confrontar no mercado das telecomunicações:
" Incentivos: a natureza da regulação continua dando às operadoras locais o incentivo para explorar o seu poder de mercado em outros segmentos (longa-distância, por exemplo)? Capacidade: as companhias locais possuem o poder de mercado necessário para empreender práticas de discriminação e/ou subsídios cruzados? Monitoramento: ainda que as operadoras locais tenham incentivo e capacidade, as autoridades regulatórias e de defesa da concorrência tem os meios de detectar e/ou prevenir práticas anticompetitivas? Eficiências: os benefícios de se permitir que as operadoras locais atuem em outros segmentos suplantam os riscos de perdas relativas a eventuais práticas anticompetitivas?"
" Incentivos: a natureza da regulação continua dando às operadoras locais o incentivo para explorar o seu poder de mercado em outros segmentos (longa-distância, por exemplo)?
Capacidade: as companhias locais possuem o poder de mercado necessário para empreender práticas de discriminação e/ou subsídios cruzados?
Monitoramento: ainda que as operadoras locais tenham incentivo e capacidade, as autoridades regulatórias e de defesa da concorrência tem os meios de detectar e/ou
prevenir práticas anticompetitivas?
Eficiências: os benefícios de se permitir que as operadoras locais atuem em outros segmentos suplantam os riscos de perdas relativas a eventuais práticas anticompetitivas?"
Ainda que para uma realidade norte-americana, a regulação brasileira absorveu muito desta estrutura teórica.
No que concerne ao Brasil, a translação do papel do Estado, com o afastamento de papel de "empresário" para o papel de "regulador", imprimiu aos organismos de direção a necessidade de criação de um aparato próprio de controle. Não o controle típico da cadeia de comando que se exerce como organismo governamental, carregado de discricionariedade, mas o controle típico de regulador, decorrente de sua atividade, que podemos dizer são três basicamente: O papel de agente de fomento ("regulação de incentivos") da atividade em si e da criação de um ambiente de competição, a obrigação em editar atos e normas com vistas a normatizar o segmento econômico em que atua e o papel de fiscalizador do cumprimento dos atos e normas, pelos atores econômicos.
O conceito de "regulação" portanto abrange três funções típicas de Estado, uma função executiva, uma função normatizadora e uma função parajudicial.
Para o caso das Telecomunicações, esses três papéis estavam claramente definidos no regime legal da Lei geral de Telecomunicações:
" Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:
IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público;
V - editar atos de outorga e extinção de direito de exploração do serviço no regime público;
VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções ."
Mais do que isso, ao Poder Público, foi incumbida a tarefa de, institucionalmente, e em cumprimento às diretrizes políticas firmadas pelo Estado, fortalecer seu papel como regulador (claramente previsto no art. 2, inciso IV da Lei Geral de Telecomunicações). Portanto, o afastamento que hoje se busca contraria diametralmente uma política de Estado estabelecida como suporte a desestatização do setor. Seria agora prudente redefinir o papel do regulador?
Toda a boa prática e a história só demonstra que estamos retrocedendo.
A necessidade de abertura de setores econômicos às atividades antes exercidas em regime de monopólio pelo Estado (direta ou indiretamente), traz consigo a necessidade de estabelecer regras de funcionamento deste mercado em relação ao papel de intervir diretamente como operador. Daí a necessidade de reguladores funcionais e organicamente independentes.
O Paradigma Legal Portugês e Anglo-Saxão
Inobstante a constatação de ordem interna de que andamos na contramão da lógica legal, ao esvaziarmos a atuação de autoridades reguladoras. A observação feita de forma comparada com algumas legislações mostra-nos de forma inconteste a aventura destemida que nos lança o legislador ao considerar projetos como este.
Para o caso em tela, lançamos mão da moderna legislação portuguesa sobre o regime legal da concorrência. Vale salientar que o surgimento das autoridades reguladoras independentes em Portugal surge de forma contemporânea às agências brasileiras, a partir da segunda metade dos anos 90. Portanto, constitui intrumento simétrico de comparação.
O regime da concorrência em Portugal é regido basicamente pela Lei n. 18/2003, que consagrou um novo regime da matéria, em substituição ao previsto no DL n. 371/93. Mais uma vez percebemos coerência na comparação na medida em que constatamos ser novamente contemporâneas as duas legislações nacionais antitrust (a brasileira de 1994 e a portuguesa de 1993).
A lei portuguesa de 2003 dedica-se não apenas a incutir as autoridades reguladoras setoriais como organismos vitais na consecução da política antitrust , mas especialmente ritualiza e instrumenta-a como organismo ativo da política da concorrência (art. 17), ao atribuir-lhes poderes de inquérito e inspeção. Tornando-as portanto elemento de relevante investura no exercício do poder de polícia administrativa que lhes é típico.
Da mesma forma, a preparação do diploma legal da OFCOM no Reino Unido (The New Office of Communications), caracterizou-se mormente pela majoração de poderes em relação aos poderes anteriormente exercidos pela OFTEL (Office of Telecomunications).
O que se percebe de forma macro, é que a tendência mundial dos institutos reguladores é ter sempre seu escopo de atuação ampliado, e não restringido.
A independência de atuação é mais do que uma simples virtude, é um alicerce. O Brasil parece patinar numa estrutura autoritarista de discussão do Projeto de Lei. Falta ampliar a agenda de discussões.
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