Em Debate

Publicado em: 18/02/2008

 

O que limita a inserção do Brasil na internacionalização de atividades de P&D do setor de telecomunicações?

 

Parte 1

 

Rodrigo Lima Verde Leal

Consultor

Parte 1 :: Parte 2

 

A internacionalização da P&D, processo direcionado por empresas multinacionais, tem como resultado o estabelecimento de redes globais de inovação. A internacionalização das atividades de inovação, antes restrita às etapas de produção e marketing, passou nas últimas décadas a englobar P&D e, mais recentemente, tem sido marcada por três características: ocorre a uma velocidade maior, espalha-se para um número crescente de países, incluindo países em desenvolvimento, e envolve atividades que vão além da adaptação de tecnologias a condições locais.

 

O projeto “Políticas de desenvolvimento de atividades tecnológicas em filiais brasileiras de multinacionais” da FAPESP, concluído em 2007, mostrou que existem vários países que aplicaram políticas públicas de atração de investimentos em P&D e constatou que a internacionalização da P&D não ocorre de forma uniforme entre os países, ou seja, alguns oferecem vantagens comparativas que os tornam mais atraentes. Além disso, a pesquisa demonstrou que os executivos de empresas multinacionais se baseiam em vários indicadores quanto da decisão em torno de qual país investir em P&D, e que a percepção da importância de cada um deles varia conforme o setor de atuação da empresa.

 

No caso do setor de telecomunicações, as grandes transformações econômicas e tecnológicas levaram as empresas multinacionais a ocupar o papel principal nas atividades de P&D. Tais empresas são oriundas de alguns poucos países, principalmente EUA, Europa, Japão, Canadá, Coréia e China. Esse setor é caracterizado pela alta complexidade das atividades de P&D, bem como pela modularização e interoperabilidade dos diversos elementos que compõe um produto e seus processos correlatos, tornando possível a divisão do trabalho envolvido nessas atividades. O potencial de dispersão das atividades de P&D no setor de telecomunicações é posto em prática a partir de padrões organizacionais que buscam suprir a necessidade de internacionalização das mesmas, oriunda da globalização do setor, de suas pressões competitivas e da mudança na própria base de conhecimento necessária às atividades de inovação. No entanto, a internacionalização da P&D no setor de telecomunicações está concentrada em poucos países, dentre os quais China e Índia vêm ocupando importante papel na atração de investimentos.

 

Esse cenário de internacionalização concentrada motiva a busca de elementos que possam explicar porque o Brasil tem uma participação minoritária na atração de investimentos voltados a atividades de P&D. Uma análise das principais atividades de P&D realizadas por um conjunto de subsidiárias brasileiras de fabricantes de equipamentos de telecomunicações nas últimas décadas, mostra concentração em (i) atividades de adaptação e desenvolvimento de produto e em (ii) alguns nichos tecnológicos, como software para centrais telefônicas e redes celulares. Em alguns casos, o Brasil é considerado centro de competência ou excelência, mas em comparação com China e Índia, há pouca atividade de P&D no país e esta possui escopo restrito.

 

Um levantamento dos principais fatores de atração de atividades tecnológicas procurou elucidar como aspectos específicos do setor de telecomunicações, no âmbito global e brasileiro, determinam a posição do país na internacionalização da P&D. Os fatores de atração analisados foram agrupados da seguinte forma:

 


Fatores de atração internos à P&D
  • oferta de mão-de-obra qualificada
  • oferta de instituições para realização de parcerias em P&D
  • custo da mão-de-obra qualificada
  • dimensão e potencial de crescimento do mercado
  • proximidade do mercado

Fatores de atração externos à P&D

  • existência de operações de negócio
  • instrumentos de proteção à propriedade industrial
  • infra-estrutura básica
  • instrumentos de financiamento e incentivos à P&D
  • ambiente sócio-político-econômico

 

O resultado dessa análise teve como resultado uma lista de elementos que limitam a atratividade do Brasil, englobando desde baixos índices de população com acesso à educação até a dificuldade de realização de negócios no país, conforme lista a seguir:

 

Limitantes internos à lógica da P&D

Limitantes externos à lógica da P&D

  • Baixa oferta dos cursos de C&E mais ligados a telecomunicações e qualidade da mão-de-obra formada por esses cursos;
  • Pouca importância relativa do setor na escolha de carreira;
  • Concorrência com o setor de TI por mão-de-obra;
  • Estratégia de P&D da multinacional;
  • Dificuldades na interação universidade-empresa;
  • Tendência inflacionária dos salários do setor;
  • Encargos sociais;
  • Renda; geografia e qualificação da população;
  • Qualificação do mercado brasileiro em comparação com outros mercados ("seguidor" vs "líder");
  • Natureza das atividades de P&D no setor.
  • Concentração de esforços locais em "DP" e "adaptação", e em software para telefonia fixa e celular;
  • Baixa inserção de grande parte das subsidiárias locais na rede de P&D interna da cooporação;
  • Baixa efetividade e eficiência do sistema brasileiro de proteção à propriedade intelectual;
  • Qualidade e alto custo dos serviços de telecomunicações;
  • Sistema de crédito bancário distante do investimento em P&D;
  • Altas taxas de juros;
  • Contingenciamento de recursos de fundos setoriais;
  • Incertezas regulatórias;
  • Burocracia e lentidão;
  • Limitações da Lei de Informática;
  • Dificuldades de articulação entre diferentes instrumentos e entre órgãos públicos;
  • Instabilidade macroeconômica e política;
  • Ambiente institucional deficiente;
  • Dificuldade de realizar negócios no país.

 

A análise realizada alertou ainda para as formas como os diferentes fatores de atração co-evoluem através das inter-relações entre os mesmos, oriundas da influência de diferentes dimensões do sistema setorial de telecomunicações (campos científicos e tecnológicos, usuários, aplicações, demanda, atores, redes e instituições). O quadro que surgiu dessa análise permitiu concluir que a existência de ativos tecnológicos para a realização de atividades de P&D – como a oferta de mão-de-obra qualificada e de parceiros locais – é o principal elemento determinante para a escolha da localização dos investimentos nesse tipo de atividade, bem como a existência de um grande mercado consumidor que (i) fomente o estabelecimento de operações de negócios por parte das empresas, (ii) potencialize o surgimento de unidades de P&D para suportá-las e, principalmente, (iii) aumente o poder de influência da subsidiária dentro da corporação. São esses os dois elementos que podem ser considerados os principais obstáculos da atração de investimentos em P&D nas subsidiárias das multinacionais.

 

É possível também inferir algumas conclusões adicionais, em termos de implicações para a formulação de políticas públicas de atração de investimentos em P&D nas subsidiárias brasileiras de empresas multinacionais do setor de telecomunicações.

 

Em primeiro lugar, é imprescindível a existência de políticas públicas para que esse tipo de investimento seja atraído para o Brasil, haja vista o domínio exercido pelas empresas multinacionais no país. A importância da Lei de Informática para o surgimento de laboratórios de P&D locais e o atual quadro de inserção limitada do país nas redes globais de P&D mostram que sem instrumentos que estimulem o investimento em atividades de P&D, muito provavelmente o país não conseguirá ampliar sua inserção internacional e, devido à constante evolução tecnológica do setor, nem mesmo manter sua atual posição.

 

 

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