07/07/2008

Em Debate

 

PGO: Separação em Serviços ou Separação Funcional-Jurídica?

 

 

Silvia Regina Barbuy Melchior

O assunto vem tratado na nova proposta submetida pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel à Consulta Pública (CP nº 23/2008), que trata da revisão do Plano Geral de Outorgas, doravante PGO, especificamente no item VI das Linhas de Ação e art. 9º do PGO.

 

A proposta apresentada funda-se em dois argumentos: 1) maior transparência no controle da concessão e seu objeto (o serviço telefônico em suas várias modalidades); e 2) fomento á competição no sentido de garantir acesso não discriminatório dos demais prestadores de serviço de telecomunicações à rede de suporte do STFC.

 

O objetivo deste artigo é contribuir para a discussão do que cada uma dessas formas de separação pode trazer de benefícios para o setor como um todo, sempre reconhecendo a complexidade do assunto, pincelando inicialmente questões conceituais para adentrar a seguir em aspectos específicos.

 

Historicamente a verticalização, ou seja, o movimento de extensão e incorporação por uma empresa de vários elos da cadeia que compõe um mesmo setor (ex. telefonia fixa, móvel, TV paga, banda larga) vem sendo uma constante mundial nas telecomunicações. Essa extensão pelos elos da cadeia traz consigo não só a atuação da empresa em outros serviços ou áreas, mas a transferência perniciosa do poder que exerce em um mercado (ex. telefonia fixa local) para outros (ex. telefonia móvel e banda larga) num movimento de cada vez mais concentração. A força das operadoras integradas verticalmente se torna tão grande num mercado com elevadas barreiras de entrada (regulação, investimentos, etc.) que inviabilizam qualquer outro competidor. Com isso, o consumidor fica restrito em suas opções e submetido à vontade de uma só operadora. Acresce a esse cenário uma série de práticas que representam tentativas de eliminação de competidores e que são movimentos oportunísitcos que podem ser facilitados ou não conforme o desenho e regras do mercado e as ingerências regulatórias.

 

A convergência tecnológica apenas acirra esse processo e, portanto, ao regular é fundamental aferir as condições e estímulos existentes num mercado e os meios disponíveis para que esses comportamentos prejudiciais e oportunísticos se manifestem, adotando as medidas para preveni-los.

 

No mundo afora a abertura do mercado das telecomunicações veio seguida da adoção de instrumentos de redução de barreiras de entrada (portabilidade, revenda, desagregação das redes). Portanto, a concentração hoje favorecida por questões tecnológicas ocorre num ambiente com ferramentas para abrir o mercado a novos entrantes, sendo que tais ferramentas têm evoluído para se associarem a outras que permitem maior controle sobre as práticas predatórias. Dessa experiência resta uma visão de que existem várias formas de abordar a concentração, com a adoção de medidas que permitam a atuação de competidores e o tratamento não discriminatório entre a empresa dominante e todos os agentes de mercado, evitando-se que oferte privilégios exclusivos para o seu grupo.

 

Essa a tônica da proposta da Anatel. As concessionárias locais estão se expandindo cada vez mais, mas o usuário, apesar das rígidas regulamentações existentes sobre os serviços (qualidade de atendimento, nível de serviço e formas de prestá-lo), não consegue experimentar um benefício sequer desse processo de evolução tecnológica e de opções, exceto nas áreas onde há competição restrita. Além da expansão a concentração, diversamente do que ocorreu nos Estados Unidos, Reino Unido, demais países da União Européia, está se dando em contexto de quase monopólio sobre o serviço fixo local, já que ferramentas pró-competição ainda não se encontram implantadas.

 

Nessa linha, vê-se que são dois os movimentos simultâneos que a Agência procura: introdução de instrumentos de competição (acesso às redes, portabilidade e revenda) e de medidas de controle de práticas discriminatórias (separação entre os serviços). Neste artigo nos concentraremos nos tipos de separação.

 

Ao se fazer uma retrospectiva do tema, vê-se que a recomendação para separação de etapas ou segmentos da cadeia de valor num setor como o de telecomunicações ou mesmo o tratamento específico desses elos da cadeia com regras e condições por meio de remédio intrusivo, como a separação, não é nova. Em 2001 a OCDE [1] recomendou a separação estrutural (incluindo a propriedade de ativos) nas indústrias e setores regulados e não a assunção da premissa de que a integração (de elos da cadeia) é o caminho único e natural. Em sua revisão sobre o mesmo tema em 2006, voltou a reafirmar essa posição. Essa alternativa também prevaleceu nas recomendações do Grupo de Reguladores Europeu (European Regulators Group) para os 27 países membros da União Européia em seu relatório de 13 de novembro de 2007.

 

No Brasil, não obstante haja competência legal para introdução de inúmeros instrumentos de garantia de competição em termos de controle de práticas discriminatórias (no âmbito do controle de discriminação de preço e não-preço), apenas a medida mais simples e básica de abordagem que é a separação contábil está regulada pela Agência com base no Decreto nº 4.733/03, mas ainda precisa ser efetivamente implementada e os dados dela obtidos devem gerar ações concretas.

 

A separação contábil implica regras de apropriação contábil de produtos e unidades de negócios ou serviços. Essa medida, embora importante, é de alcance limitado, pois permite apenas um controle da Agência na questão de preço praticado entre uma empresa dominante e os demais competidores e ainda com risco de elevado grau de manipulação de dados pelos agentes econômicos dominantes.

 

Portanto, a questão relevante de isonomia de tratamento por uma empresa dominante de um mercado frente aos seus competidores continua não resolvida de modo pleno.  Especialmente para resolver problemas de discriminação por não-preço decorrente do monopólio sobre redes e acesso a usuários ela não é suficiente.

 

Daí porque os países afora têm adotado outras separações. Tentou-se em alguns casos a separação virtual (que pressupõe uma transformação apenas no âmbito específico e delimitado das transações comerciais e suas características – definição de produtos). Com ela evita-se que haja negativa de ofertar um produto aos competidores em determinado prazo, mas não garante que se impeça a degradação de qualidade ou mesmo garante as condições de atendimento e tratamento sejam isonômicas. 

 

Por isso os reguladores vêm evoluindo para adotar a separação funcional em geral associada a uma separação legal. Na separação funcional há a separação de ativos (infra-estrutura) em unidades de negócios distintas com definições de processos e procedimentos que permitam um menor risco de discriminação, inclusive quanto à qualidade, forma de tratamento e atendimento. Envolve ainda medidas combinadas de governança corporativa e incentivos aos administradores e empregados e até exigências de diferentes recursos humanos para executar os negócios definidos para as diferentes unidades.

 

Um passo acima da separação funcional em sentido estrito está a transformação dessas unidades de negócios em empresas legalmente distintas, com contabilidade distinta, documentos societários próprios, empregados próprios com planos de carreira e incentivos próprios, chamada de separação legal ou jurídica. Para evitar discriminação essa empresa somente vende serviços no atacado a outras operadoras que poderão vender no varejo.

 

Por fim existe a separação estrutural que representa uma separação não só de ativos e negócios, mas de propriedade, isolando a propriedade de uma empresa dos sócios integrantes da outra original.

 

Explorados brevemente os conceitos, passemos a analisar o caso concreto da proposta do PGO e como essas novas regras podem trazer uma ambiente de maior competição.

 

A medida indicada no PGO de separar serviços de SCM e STFC pode ser abordada do ponto de vista meramente legal ou de efetividade regulatória econômica.

 

Quanto ao aspecto legal, apenas para pinçar a questão, o sustentáculo da medida está no artigo 86 da Lei Geral de Telecomunicações, Lei nº 9.472/97 (LGT) que prevê que a concessão só pode ser outorgada a empresa criada para explorar exclusivamente o objeto da concessão. O fato de se ter a previsão do § 3º do art. 214, (no capítulo de Disposições Finais e Transitórias) de que os demais serviços prestados pelas empresas prestadoras do STFC à época fossem objeto de autorizações, não é suficiente para impedir a Agência de adotar a separação dos serviços. Mesmo porque as outorgas originais do SRTT (Serviços de Rede de Transporte de Telecomunicações) são objeto de autorização (regime jurídico distinto da concessão) e foram sucedidos pela autorização do SCM (Serviço de Comunicação Multimídia). Acresce a esse fato que a Anatel poderá impor essas separações como condicionamentos em caso de fusões e aquisições, com base no art. 71 da LGT (que permite à Agência estabelecer restrições, limites ou condições a empresas na obtenção e transferência de concessões, autorizações ou permissões).

 

Temos ainda do ponto de vista legal que considerar o impacto tributário existente. É preciso lembrar que o Convênio Confaz 126/98 que trata do diferimento do ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação) não previa o benefício para as empresas SCM na aquisição de meios e serviços para compor sua rede. Esse Convênio inclusive teve sua redação alterada recentemente pelo Convênio Confaz 22/08, o qual está em vigor desde maio deste ano e que permite diferimento de ICMS exclusivamente na prestação de serviços decorrente de contrato de interconexão. No entanto, operadoras SCM não conseguem também efetivar estes contratos. Portanto, é preciso considerar que do ponto de vista tributário haverá apenas possibilidade de compensação do ICMS no prazo de 48 meses, exigindo das empresas maior fôlego de caixa, além de incidência em duplicidade de outros tributos como Pis e Cofins, onerando o serviço.

 

Já no que concerne à efetividade regulatória econômica é preciso destacar que a separação dos serviços protege os bens reversíveis e garante maior controle sobre o STFC que é remunerado por tarifa e tem impactos relevantes no bolso do consumidor, embora não garanta estímulo a novos investimentos, já que o serviço banda larga estaria na empresa SCM e ele é o serviço que demanda uma rede mais potente. Nesse aspecto, essa medida desestimularia o investimento da rede STFC.

 

Mas o mais importante é que a solução de separar serviços é limitada na solução do problema hoje estrutural da competição, especialmente no que concerne a tratamento discriminatório de novos entrantes. A separação de serviços não impediria, por exemplo, discriminações de qualidade, atendimento, prazos, entre outras.

 

Nesse aspecto a solução de separação funcional é eficiente para promover competição já que pode concretamente afastar barreiras de entrada no serviço e práticas predatórias e enfim trazer uma solução para o consumidor em termos de promover movimentos que forcem preços para baixo e não apenas controlem as tarifas (que sempre se elevam). Esse é o movimento que se espera e que certamente fará a banda larga crescer e chamará ao país muitos outros players mundiais.

 

Por fim, quanto a investimentos e inovação, a medida da separação funcional é mais eficiente já que por um lado valoriza os ativos (uso eficiente da rede, já que todos os operadores podem usá-la), gera maior retorno na exploração dessa infra-estrutura e, portanto, garante recursos para investimentos, sendo que a competição fará também com que a empresa que vende no varejo seja levada a um movimento de inovação.

 

Quem ganha é o setor como um todo e os usuários.

 

[1] OECD: Organization for Economic Co-operation and Development, 26 de abril de 2001, in “Recommendation of the Council concerning Structural Separation in regulated industries”.

 

 

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