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 27/10/2008

Em Debate Especial: Carga Tributária

 

Racionalidade Tributária e o Setor de Telecomunicações

 

 

Silvia Regina Barbuy Melchior

No contexto da reforma tributária, objeto da PEC 233/08 e com prioridade para ser aprovada pelo Congresso ainda em 2008, torna-se cada vez mais importante voltarmos a atenção aos princípios e objetivos que se integram à atividade de tributação no âmbito da Constituição aprovada em 1988.

 

Do ponto de vista teleológico, o tributo visa reduzir as desigualdades sociais e econômicas. Ele é fonte do Estado na sua missão de realizar os objetivos fundamentais estabelecidos no artigo 3º da Constituição Federal (construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação).

 

Nesse ponto, sem dúvida nenhuma o tributo se presta a garantir a realização da atividade estatal, esta destinada a conseguir meios para atender às necessidades públicas. Os tributos são, portanto, os meios para o Estado desempenhar as suas atividades-fim, de promover o bem-estar social em consonância com a Constituição, que determina o contorno desse bem-estar social e estabelece em que condições pode o Estado atuar.

 

O direito tributário serve nessa seara para delimitar com segurança a atuação do Estado e impedir o seu exercício arbitrário, submetendo-se esta estritamente ao princípio da legalidade[1].

 

Um estado de direito que dê efetiva segurança jurídica aos seus cidadãos e evite práticas arbitrárias não pode dispor de um sistema tão complexo, intrincado e irracional que impeça que o cidadão comum o conheça ou entenda. Isso certamente é uma realidade no setor de telecomunicações, inclusive porque o principal tributo incidente – o ICMS – foi um tributo desenhado para casos de circulação de mercadorias e não para o caso em que o serviço está sendo prestado simultaneamente em vários locais.

 

Esse ponto é particularmente importante, pois espelha, sem dúvida alguma, uma missão desejável dessa reforma tributária: adequação do tributo à efetiva natureza do serviço, além da racionalização do sistema tributário, redução de burocracias e complexidades que removem valor da sociedade sem lhes proporcionar o adequado retorno, além de retirar a transparência e possibilidade de controle social.

 

Por representar a remoção de valor de um indivíduo ou conjunto deles que integram a sociedade para deslocamento e benefício de outros (incluindo ou não os indivíduos expropriados), ou seja, como representa retirada do valor econômico e diminuição de um mercado, todo cuidado é pouco para se evitar distorções e garantir transparência.

 

Exatamente neste aspecto encontra eco o princípio da utilidade demonstrado pela adequada e proporcional remoção de valor para atendimento do maior número possível de indivíduos. Essa adequada e proporcional remoção de valor está diretamente relacionada à capacidade contributiva da população (vide art. 145, §1º da Constituição Federal[2]), de modo que a sobrecarga de tributos causa dano reverso no sentido de aumentar desemprego num setor, reduzir a produtividade geral. Um ônus elevado exclui indivíduos dos benefícios.

 

No setor de telecomunicações, cuja carga tributária atinge o patamar inaceitável de 40,15%, essas distorções têm sido freqüentes. Aqueles que são excluídos do uso intensivo dos serviços de telecomunicações ou do acesso a diversos meios de telecomunicações, pagam muito mais caro por um serviço em geral de mais baixa qualidade, são muito mais onerados tributariamente.

 

É o exemplo que se assiste na banda larga, na telefonia fixa e na telefonia móvel. Aqueles que menos podem pagar são os que pagam caro pelo minuto no pré-pago, tributo esse recolhido antecipadamente, pagam a assinatura caríssima, além de pagar a banda larga mais cara (pois em geral utilizam o serviço discado). Nesses casos a tributação representa um ônus excessivo.

 

Do ponto de vista concorrencial, também a tributação incidente sobre os serviços de telecomunicações é perversa e onera mais os novos entrantes do setor, com dupla incidência de PIS/COFINS em diversas operações que envolvem contratação de meios e infra-estrutura de terceiros, criando-se uma cadeia de incidência cumulativa e sucessiva de tributos.

 

Não se pode ignorar que as alíquotas do ICMS (que varia para o setor de telecomunicações conforme o Estado de 25% a 35%) são desproporcionais à relevância do serviço e à sua necessidade de utilização pela população. Acresce ainda o argumento da produtividade que promove o uso das telecomunicações e seu efeito na economia de modo geral.

 

Portanto, seria importante neste momento promover uma redução da alíquota do ICMS e a sua unificação entre os Estados, reconhecendo-se ser este um serviço público em sentido lato. Embora a proposta contida na PEC traga uma abertura para a unificação das alíquotas entre os Estados por meio de lei complementar, a realidade é que traz também abertura para que determinados serviços tenham sua alíquota majorada ou reduzida pelos Estados, em regime similar ao da descentralização existente hoje, de forma que remanesce a insegurança quanto ao tema.

 

Para telecomunicações nunca é demais lembrar os demais tributos e contribuições incidentes como é o caso do Fistel, do FUST e do FUNTTEL[3].

 

O fato do FUST concentrar recursos elevados destinados à universalização que sequer são utilizados (o fundo conta hoje com mais de R$5 bilhões) denota o caráter precário de sua manutenção ou dos mecanismos existentes para forçar sua aplicação, submetida aos sucessivos contingenciamentos realizados pelo Poder Executivo.

Nesse setor, não se pode olvidar que o avanço tecnológico tende a inclusive estimular contribuintes na busca de serviços ofertados fora do país, por terem valor muito inferior ao praticado internamente, fazendo com que o país perca competitividade setorial.

 

Verificando-se os quesitos de controle social e possibilidade de compreensão e racionalidade do sistema vale mencionar que o cálculo por dentro do ICMS é um recurso, cuja constitucionalidade é duvidosa, que denota absoluta falta de transparência para com o contribuinte, impedindo sua correta compreensão, razão pela qual deve ser removido. Da mesma forma, a oneração de investimentos não faz sentido para um país ainda carente de infra-estrutura.

 

Nesse sentido, torna-se também premente que o sistema tributário seja simplificado, reduzindo-se e consolidando-se a legislação pertinente para que o administrado não fique à mercê do Estado. A falta de transparência, excesso de burocracia e tributos elevados apenas tem o condão de estimular a sonegação.

 

Há que se reconhecer que o argumento usual de que a queda de receita do Estado não pode ocorrer por ser danosa à sociedade é um sofisma que deve ser afastado, já que todo o tributo não recolhido garante que o valor permaneça com o contribuinte para este utilizá-lo da forma que melhor lhe aprouver, aumentando de outro lado o poder de compra deste.

 

Sem dúvida, algumas propostas feitas caminham na direção desejável apontada, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Esse é um momento que exige enorme reflexão e responsabilidade dos agentes eleitos, para garantir uma posição aceitável do Brasil em termos de competitividade mundial e garantia de crescimento econômico em um ambiente institucional sólido.

 

 

Referências

 

[1] A respeito, ver arts. 150 e 151, bem como seus incisos e parágrafos, da Constituição Federal/88, no capítulo “Das limitações do poder de tributar”.

 

[2] “§1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...”

 

[3] FISTEL - Fundo de Fiscalização das Telecomunicações - se destina a custear as despesas realizadas pelo Governo Federal no exercício da fiscalização das telecomunicações e da Agência Reguladora;

FUST - Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações - se destina a cobrir parcela de custo exclusivamente atribuível ao cumprimento das obrigações de universalização de serviços de telecomunicações; e

FUNTTEL - Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações: se destina a estimular o processo de inovação tecnológica, incentivar a capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos.

 

 

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