18/07/2010

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Nesta página: Artigo de Luciano Costa, da Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados, sobre MVNOs.

MVNOS: Desafios e Alternativas.

 

Luciano Costa
Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados

Há grande expectativa no mercado quanto à regulamentação definitiva das operadoras móveis virtuais (MVNO na sigla em inglês). A ANATEL ao lançar a Consulta Pública n. 50, cujo prazo para contribuições se encerrou em março desse ano, acabou por alimentar a percepção de que o regulamento do serviço poderia sair em breve. Circulou, no mercado, a versão de que sairia antes do Edital da Banda H, de modo que os potenciais interessados em operar a 5ª licença serviços móveis pudessem conhecer em detalhes as regras do jogo. De qualquer forma, espera-se que o regulamento saia nos próximos meses, com o que se aproveitaria o “momentum” criado pela Consulta Pública, com vantagens para uma largada mais consistente do negócio. Mas, enquanto isso não ocorre, vale atualizarmos um pouco o leitor do Teleco sobre os principais desafios jurídicos envolvendo o tema – que já foi objeto de dois artigos neste espaço, um meu e outro da Silvia Melchior – bem como oferecer algumas alternativas.

 

Nestes pouco mais de 3 (três) meses de discussões sobre o assunto, importantes dúvidas – algumas de forte cunho jurídico – permanecem. Afinal, a ANATEL pode regular a atividade do Credenciado, que não é Serviço de Telecomunicações, estabelecendo direitos e obrigações? Como viabilizar um modelo clássico de revenda – compra no atacado e venda no varejo – considerando que cada Credenciado deve trabalhar com uma única prestadora SMP por área de registro? Como será possível viabilizar um Autorizado virtual sem que haja obrigatoriedade de compartilhamento de redes? Como, na prática, se dará a negociação com as operadoras de SMP? Estas questões, dentre as várias que têm povoado os foros de discussão, não são de fácil solução, mas certamente alternativas precisam ser avaliadas, pois, considerando o histórico da Agência em consultas públicas, não deve haver alterações relevantes. Assim, é melhor o mercado trabalhar com o que está posto, identificando quais modelos de negócio “sobrevivem” à regulamentação proposta pela Agência. As soluções, entendo, estão no campo da interpretação legal, da atuação firme da ANATEL e da construção contratual, conforme passo a desenvolver, ainda que sucintamente, abaixo.

 

Do ponto de vista legal, a maior preocupação é, sem dúvida, a natureza da atividade do Credenciado e o fato, irretorquível, de que a ANATEL está tentando estender sua “longa manus” a uma atividade que não é – como a própria Agência definiu – Serviço de Telecomunicações. E se não é Serviço de Telecomunicações, como pode a Agência regular? A Agência tem dito, pragmaticamente, que buscou garantir sua capacidade de supervisão sobre o Credenciado, sem torná-lo um prestador de Serviço de Telecomunicações. Caracterizar a atividade do Credenciado como Serviço de Telecomunicações, no entender da Agência, traria duas dificuldades: a conseqüente necessidade de criação deste novo serviço e o risco de bitributação na cadeia da revenda, praticamente inviabilizando a atividade.

 

A meu ver, este tema precisa ser compreendido de forma mais ampla. A criação de relações entre um particular e a Administração pode se dar de várias formas. Desde uma obrigação inafastável dos particulares, como o pagamento de impostos ou o cumprimento das leis de trânsito, até formas absolutamente voluntárias, como quando fazemos um concurso para ingressar no serviço público ou nos candidatamos a um cargo eletivo. A existência de alvarás ou autorizações para o exercício de certas atividades, uma limitação ao direito constitucional de livre iniciativa, é resultado do interesse que aquela atividade tem para a sociedade, atraindo a necessidade de supervisão pelo Poder Público. No caso dos serviços de telecomunicações em geral, certamente há necessidade de licença pelo órgão regulador. No caso do credenciamento – que a própria Agência parece tratar como um tipo especial de representação comercial – pode-se considerar que se trata de uma relação voluntária a ser celebrada com a Agência, com seus direitos e obrigações, de modo que o Credenciado possa ser titular dos direitos e obrigações previstos na regulamentação, direitos a serem exercidos perante a própria Agência (como a homologação do contrato e a possibilidade de levar questões à análise da Agência) e perante a Prestadora Origem, como determina a proposta de regulamento. Há, também, obrigações específicas, as quais, por se tratar de relação voluntária, são estabelecidas com base na adesão dos interessados às condições postas pela Agência, pelo processo de obtenção da Credencial. Em verdade, como a própria ANATEL já reconheceu, muitas das atividades do Credenciado poderiam ser prestadas sem qualquer tipo de autorização ou licença, por meio de simples acerto contratual entre uma empresa e uma operadora, em um contrato privado de representação. Mas, caso as partes queiram ser albergadas pelo modelo regulado de MVNO, com a chancela formal da Agência, terão que se adequar às condições regulamentares.

 

Outro tema, as dúvidas sobre se as operadoras de SMP vão efetivamente negociar com potenciais MVNOs. Se o interesse pela parceria com os Credenciados já é posta em dúvida por alguns, que dirá no caso das autorizadas, que efetivamente atuarão como competidores diretos das atuais operadoras. Do lado das MVNOs, também há um certo ceticismo. A necessidade de exclusividade com uma única prestadora, no caso do Credenciado, parece reduzir bastante o interesse no negócio, em especial pela perspectiva de investir em uma carteira de clientes que, ao final, será da prestadora origem. E, no caso do compartilhamento de rede, se as SMPs mostrarem interesses, talvez o “pedágio” a ser cobrado seja impagável.

 

Este ponto, parece-me, requer alguma mudança na proposta de regulamento e uma atuação firme da ANATEL. A simples obrigatoriedade de compartilhamento de rede dificilmente seria uma solução adequada, dados os problemas de assimetria regulatória e o custo de implementação de tal obrigação. Muito mais eficiente é criar estímulos para que as MNOs negociem com as MVNOs. Já ouvi ao menos duas idéias interessantes. Estabelecer um prazo para que as MNOs efetivamente celebrem acordos, após o que a ANATEL passaria a trabalhar direta e intensamente na “costura” desses acordos, é uma idéia do meu colega e consultor Wagner Heibel. Uma outra idéia interessante, que surgiu em discussões havidas na Telcomp, é estipular um incentivo regulatório para que as MNOs negociem, uma espécie de prêmio. Poderia ser estabelecida, por exemplo, uma flexibilização na vedação prevista no Art. 9º (de que Credenciados sejam coligadas, controladas ou controladoras de prestadora de SMP) para as MNOs que, em um determinado prazo, estabelecessem relevante compartilhamento da sua rede. Enfim, é possível criar certos estímulos para que as negociações ocorram.

 

Ainda no que se refere à efetiva disposição das MNOs em negociarem, o papel da Agência é fundamental. A ANATEL deve ser clara, especialmente nos primeiros meses do novo regulamento, em transmitir ao mercado sua crença na viabilidade do modelo de operação virtual, trabalhando com firmeza para seu desenvolvimento e consolidação. Deve fazer isso respondendo de forma rápida e objetiva às dúvidas que surgirem, intervindo de forma eficiente nas eventuais disputas e, talvez o mais importante, reverberando publicamente suas opiniões e decisões, de modo a esclarecer ao mercado os seus entendimentos sobre o modelo, estimulando os agentes a buscarem os acordos.

 

Finalmente, será enorme a importância dos contratos a serem celebrados. Embora eu considere que a ANATEL tenha sido excessivamente intervencionista no que se refere às cláusulas e condições contratuais, o teor da CP, em regra, é pela liberdade de contratação, em especial no modelo de Autorizado Virtual. No caso do Credenciado, considerando que não se trata de Serviço de Telecomunicações, o espaço para acertos contratuais entre as partes também é considerável. Para dar apenas um exemplo de questão que, a permanecer o texto proposto na CP, é fundamental e precisará ser decidida contratualmente: a propriedade da carteira de clientes no modelo de Credenciado. Embora o regulamento determine que os usuários são da Prestadora Origem, este aspecto deve ser objeto de disposição contratual de modo a dar ao MVNO garantia de retorno pelo seu investimento. É possível, por exemplo, estabelecer, considerando o instituto regulatório da portabilidade, um modo de o Credenciado dispor de tais clientes. Essas e outras questões podem e devem ser objeto de cláusulas contratuais criativas, que atendam aos interesses da partes, preservando os direitos dos usuários sem ofender a regulamentação.

 

Enfim, diante das condições postas, como dito no início do texto, é necessário “testar” os modelos de negócio existentes e, possivelmente, desenvolver outros, adaptados à realidade regulatória brasileira. Também é fundamental será a existência de propostas comerciais interessantes, que efetivamente possam cativar o cliente, atraindo a parceria com as atuais prestadoras de SMP. É fato que ignorar as MVNOs pode ser uma alternativa confortável para as atuais operadoras, mas, diz a teoria econômica que, em um ambiente com poucos e grandes competidores, característico de um oligopólio, basta um pequeno empurrão para um elevado acirramento da concorrência.

 

 

 

 

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