23/08/2010
Forum Regulatório
Nesta página: Artigo de Luciano Costa, da Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados, sobre outorgas de TV a Cabo.
Mais sobre as outorgas de TV a Cabo
Luciano Costa Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados
Há alguns meses, neste espaço, tratei do tema das novas outorgas de TV a Cabo, elogiando a decisão da Anatel e ponderando que se trata de excelente oportunidade para, por meio da concessão dessas outorgas, alavancar o desenvolvimento de redes de telecomunicações que poderiam ser utilizadas também para acesso banda larga (www.teleco.com.br).
Pois bem, gostaria de voltar ao tema, uma vez que tivemos semana passada o evento da ABTA (www.abta2010.com.br) e, conforme reverberou a imprensa especializada, esta questão dominou as discussões.
Em geral, houve muita crítica à decisão da Agência, não só à idéia de outorgar novas licenças de TV a Cabo, agora com mínimas restrições, mas também ao preço anunciado, de R$ 9.000,00, equivalente ao custo administrativo de emissão da licença. Dentre as várias críticas, muitas sem consistência, gostaria de destacar algumas para uma análise um pouco mais cuidadosa.
Um primeiro argumento posto é de que haveria competição suficiente no mercado de TV por Assinatura, pois onde existe TV a Cabo já há, muitas vezes, TV por MMDS e/ou por DTH. Além disso, haveria concorrência também por parte da TV Aberta e das “parabólicas”. Essa crítica não encontra respaldo na realidade. O fato é que a penetração da TV por Assinatura é bastante baixa (14,2/100 domicílios), o que é resultado direto do pouco investimento e da falta de opções ao consumidor.
Dados do final de 2009 demonstram uma participação de 50% de uma única operadora, com a 2ª colocada tendo aproximadamente 25%, a 3ª com menos de 10% e as restantes com aproximadamente 3%. Isso considerando as cidades onde há oferta, claro. Mas mais importante que os números de “market share” é o fato de que apenas cerca de 460 municípios são cobertos por TV paga, e certamente só nos bairros mais ricos.
Por fim, ainda que os números citados não sejam suficientes para convencer da necessidade de expansão e ampliação no setor, ainda assim, a abertura de novas licitações dará aos próprios agentes de mercado a possibilidade de avaliar onde há espaço para novas operadoras.
Outro argumento aponta para uma “destruição” do negócio caso fosse aberto a qualquer interessado. Haveria, por exemplo, um “congestionamento” de cabos nos postes de energia. Além disso, surgiriam aventureiros de toda sorte que acabariam por prejudicar todo o setor.
No entanto, tal argumento ignora que, no caso de outras licenças de fácil obtenção – como SCM e STFC – não houve uma enxurrada de aventureiros nem degradação dos serviços. O fato é que obter uma licença de telecomunicações exige o cumprimento de requisitos técnicos, financeiros e jurídicos, nos termos do que determina a regulamentação da Anatel.
É, portanto, pouco provável que empresas sem condições mínimas de operar venham a obter licença. E, se isso ocorrer, parece menos provável ainda que tal empresa seja capaz de concorrer pelas infra-estruturas para a prestação do serviço, notadamente custosas, ou de causar impacto negativo na qualidade geral do serviço.
Há, ainda, a questão da arrecadação que deixaria de ser obtida caso as licenças sejam outorgadas por um valor fixo e reduzido, em vez de por meio de um leilão pela melhor oferta, como ocorreu na última licitação. É fato que as últimas licitações de TV paga arrecadaram valores expressivos.
Por outro lado, também é certo que algumas das maiores operações atuais são fruto de outorgas obtidas antes da própria Lei do Cabo e adquiridas por valor praticamente simbólico. Mas o mais importante é que não existe almoço grátis e os recursos eventualmente investidos na aquisição de uma licença são recursos que deixarão de ser investidos em rede e na prestação do serviço. Provavelmente, o custo do serviço para o usuário final, no caso de leilão, aumentaria para possibilitar o retorno do investimento. Significaria arrecadação para o Estado com prejuízo para a sociedade. No âmbito da legalidade, há quem defenda que a Agência não poderia, por regulamento, suspender a aplicação da Lei do Cabo. Isso é verdade. Qualquer estudante de 1º ano de Direito sabe que um regulamento não pode se sobrepor à Lei. Entretanto, o ponto aqui é que não há nenhum confronto com a Lei do Cabo.
A Lei do Cabo estabelece nos seus arts. 11 a 15, em linhas gerais, o procedimento de outorga de novas licenças. A outorga de novas licenças se dá pelo reconhecimento da conveniência e oportunidade do Poder Concedente, no caso, a Agência. E mais, o Art. 14 diz explicitamente que não há exclusividade na prestação do serviço em uma determinada área. Em outras palavras, não há impedimento algum para que várias operadoras atuem em uma mesma área de serviço.
Uma linha parecida de crítica legal diz que a Agência não pode ignorar a obrigação de licitar prevista em lei. Mais uma vez, está correto. Entretanto, em nenhum momento o procedimento licitatório seria afastado. Mas deve-se ressaltar que a licitação não implica necessariamente em competição pela obtenção da outorga.
No caso, mantido o entendimento de que não há restrição ao número de outorgas, torna-se despiciendo o leilão para sua obtenção. É situação equivalente ao que ocorre com as licenças de SCM, para as quais há sim um procedimento licitatório, mas que se restringe a identificar as condições subjetivas dos interessados.
Vê-se, portanto, que as objeções que têm sido apresentadas à decisão cautelar da Agência são fragilmente sustentadas. E como deve ser, na prática, o processo de outorga destas novas licenças de TV a Cabo? A Agência pode adotar um processo parecido com o que houve no passado, indicando uma data para a abertura e recebimento de propostas. Embora isso tenha, no cenário proposto, pouco sentido. Parece-me mais conveniente adotar um modelo parecido com o da outorga de SCM, no qual a possibilidade de requerer a licença está permanentemente aberta.
Esse método funcionaria assumindo que, como vem indicando a Agência não haverá limites às outorgas. Já se falou também na publicação de um Caderno de Habilitação, que conteria todas as exigências técnicas e documentais para as empresas interessadas. É razoável que a Anatel exija cronogramas para o atendimento dos usuários.
Também está em voga a inclusão de contrapartidas, como a disponibilização de ponto de acesso em escolas, hospitais etc.. Ainda, e aqui retorno ao ponto principal do meu artigo anterior, seria possível – e até recomendável – que a Anatel viesse a incluir obrigações específicas de abertura e acesso à rede, em especial às operadoras de maior porte, provavelmente detentoras de poder de mercado significativo.
Não há, obviamente, solução ótima para tudo, mas o importante é aproveitar o momento para impulsionar o setor e promover o acesso da população a mais este bem de consumo extremamente relevante: o aumento das opções de entretenimento e informação.
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Prezado Luciano, Concordo com a análise exposta em seu artigo, lamento que o recente voto da conselheira Emília Ribeiro não se alinhe ao nosso entendimento.
Acredito que a análise apresentada anteriormente pelo conselheiro Antonio Bedran representa um avanço, uma demonstração de interesse da ANATEL em usufruir da autonomia que o ordenamento jurídico lhe autoriza para melhor regular o setor da TV por assinatura. O número de assinantes, cerca de 8 milhões, ainda é muito baixo.
Vamos aguardar os próximos lances e a tramitação do PL 29.
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