11/10/2010

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Nesta página: Artigo de Luciano Costa, da Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados.

ANATEL, CADE e o julgamento Oi/BrT

 

Luciano Costa
Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados

O suposto embate entre Regulação e Competição é uma discussão antiga, mas ainda necessária. Desde o “renascimento” do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) com a lei n. 8884/94, há um sistema de defesa da concorrência em permanente evolução no Brasil e que cada vez mais se consolida e ocupa o espaço que lhe cabe no quadro institucional. Mais de uma vez, ao ocupar esse espaço, esbarrou em outros entes estatais, em especial as agências reguladoras [1]. As agências reguladoras, por sua vez, também têm suas próprias batalhas por espaço e poder, sendo que a competência para atuar em temas de defesa da concorrência é, sem dúvida, elemento relevante.

 

O caso mais emblemático dos percalços em compatibilizar a função regulatória com a política antitruste é a disputa – ainda em curso – sobre a competência para analisar fusões e aquisições no âmbito do setor financeiro. CADE e BACEN vêm travando uma batalha, às vezes ruidosa, pela preponderância decisória no que se refere a atos de concentração envolvendo entidades financeiras. Deve-se dizer que há sólidos argumentos doutrinários tanto em favor da competência exclusiva do ente regulador – por alguns denominada “isenção antitruste” – quanto em favor da inserção das operações no contexto geral de análise dos órgãos de defesa da concorrência. Vale, resumidamente, apontar os principais argumentos de parte a parte. Pela preponderância da autoridade regulatória:

  1. O setor regulado possui especificidades que requerem profundo conhecimento técnico e prático do funcionamento do setor;
  2. A regulação tem outros objetivos além da defesa da concorrência, que precisam ser adequadamente considerados;

Por outro lado, pela competência do órgão antitruste:

  1. As autoridades de defesa da concorrência estão acostumadas a lidar com diversos setores, tão complexos quanto qualquer setor regulado;
  2. Garantir um adequado nível de concorrência no mercado é a melhor política regulatória;
  3. As autoridades antitruste também consideram em sua análise outros elementos além da defesa da concorrência;
  4. O ente regulador, pela sua proximidade com os regulados, estaria mais sujeito à captura pelos interesses das empresas;

Não nos devemos impressionar pela superioridade numérica dos argumentos pró-autoridade antitruste. Em verdade, sejam os temas concorrenciais tratados preferencialmente pelos reguladores setoriais, ou pelas autoridades de defesa da concorrência, a troca de informações entre elas é necessária e inevitável. Não é possível conceber uma análise antitruste séria, sobre um setor regulado, sem que se ouça a visão do regulador. Da mesma forma, o setor regulado não pode ser imune às regras concorrenciais, nem tampouco está absolutamente isolado de outros setores econômicos. Daí que nenhum regulador, por mais aparelhado que seja, pode analisar um tema antitruste em seu setor específico sem estabelecer um diálogo com a autoridade concorrencial, no qual seja considerada a conjuntura mais ampla de mercado.

 

Outro aspecto importante é a diferença de natureza entre a atividade regulatória e atividade de defesa da competição. O ente regulador tem por função normatizar e fiscalizar um determinado mercado, instituindo regras que contribuem para a conformação do próprio mercado e de seus agentes. Seus atos podem ser pontuais e concretos, mas também são, em grande parte, normativos e de caráter geral no que se refere ao setor regulado. Desse modo, é típico da autoridade regulatória atuar em planejamentos de médio e longo prazo, antecipando-se aos movimentos do setor que regula e direcionando-o de acordo com a política pública do Estado.

 

A ação da autoridade de defesa da concorrência, por sua vez, é quase sempre concreta, específica diante de um ato de concentração ou de uma conduta reputada ilícita. Usualmente, impõe a autoridade concorrencial restrições aos agentes econômicos e não autorizações. Decerto que há, na ação da autoridade concorrencial, preocupações de longo prazo e a consideração de questões não imediatas, porém, não são esses aspectos o cerne da análise concorrencial, que é factual e analítica. Portanto, não é possível esperar do órgão antitruste a capacidade – e a capacitação – para a implementação de políticas públicas setoriais.

 

Além dos pontos acima, há que se considerar, claro, a Lei. E, nesse caso, cabem algumas palavras sobre o arranjo que mais no interessa, o que foi definido pelo legislador em relação às telecomunicações. O Art. 7º da Lei Geral de Telecomunicações [2] estabelece as linhas gerais de divisão de competência entre CADE e Anatel. Em síntese, há uma supremacia das normas regulatórias sobre as normas de defesa da concorrência, uma vez que as normas de defesa econômica somente se aplicam quando não há conflito com o disposto na Lei. No que se refere aos atos de concentração, devem ser submetidos à Agência, que os instruirá e emitirá opinião, para análise e decisão final pelo CADE. É um papel similar ao que cumprem hoje SDE e Seae. No que se refere às investigações de conduta, não há atribuição explícita de competência à Anatel, por isso a prática do setor tem sido pela competência concorrente entre a Agência e a Secretaria de Direito Econômico. O arranjo não é ideal, e o fato é que os casos envolvendo telecomunicações não têm sido adequadamente enfrentados pelas autoridades. Mas não vamos nos deter sobre esse problema, que pode ser objeto de outro artigo.

 

O que torna este tema especialmente relevante neste momento é a proximidade do julgamento, pelo CADE, da operação Oi/BrT. A importância, sob vários aspectos, deste negócio atrai a necessidade de uma análise detida pela autoridade de defesa da concorrência, considerando especialmente as implicações para a competição nos vários mercados afetados pela operação – inclusive além dos serviços de telecomunicações. Esta análise está em seus momentos finais e, recentemente, foi divulgado o parecer da Procuradoria do CADE. O parecer é uma peça interessante em dois aspectos. Primeiro, quando reconhece que a relação entre regulação e concorrência no setor de telecomunicações deve melhorar, recomendando mais interação entre os órgãos relevantes. O outro aspecto está em sua parte final, quando sugere a adoção, pelo Conselho, de medidas complementares às determinadas pela Anatel no que tange ao fornecimento de EILDs (Exploração Industrial de Linhas Dedicadas). O parecer demonstra preocupação quanto aos impactos anticompetitivos especificamente no fornecimento de EILDs e considera que o fato de a própria Anatel, na aprovação da Anuência Prévia, estabelecer compromissos quanto a EILD indica que a regulamentação atual se mostra insuficiente.

 

A questão aqui é em que medida estamos tratando de providência de cunho concorrencial, que se dispõe a mitigar, em análise concreta, os potenciais efeitos anti-competitivos de uma operação específica, ou se estamos tratando de remédio que objetiva suprir falta na atuação regulatória. Sendo o primeiro caso, não há dúvida de que se trata, por excelência, do papel da autoridade antitruste. Porém, na segunda alternativa, há que se avaliar com atenção se não estamos diante de providência que avançaria – indevidamente – sobre competência exclusiva do ente regulador. Ainda que seja possível defender alguma atuação antitruste diante de lacuna regulatória, o correto é que, se há regulação – norma genérica orientadora da conduta dos agentes de um determinado setor – não parece cabível atuação antitruste, mesmo que pontual. No caso concreto – a oferta de EILDs – está claro que há regulação em vigor, seja pelo Regulamento de EILDs (Resolução Anatel n. 402, de 27/04/2005) seja pelo próprio compromisso assumido no âmbito da anuência prévia, resultante de um processo de cunho estritamente regulatório.

 

Aliás, a questão das EILDs e seus impactos na competição é foco permanente de tensão entre a Anatel e o CADE. Em fevereiro de 2003, no caso Embratel vs. Telesp [3], Despacho do Conselheiro Cleveland Prates Teixeira estabeleceu condições para a oferta de EILDS pela concessionária paulista, resultando na celebração de um Termo de Compromisso de Cessação de Prática (“TCCP”) que “praticamente” regulou o tema no Estado de SP. Nesse caso, restou claro que houve inação da autoridade regulatória combinada com lacuna da regulamentação. Posteriormente, nos autos do mesmo processo e após a edição da Res. 402/2005, e da sua norma complementar, Res. 437[4] , travou-se intensa discussão sobre a possível prevalência do TCCP assinado sobre a regulamentação da Anatel. A Procuradoria do CADE, à época chefiada pelo atual presidente, Dr. Arthur Badin, chegou a propugnar pela prevalência do TCCP sobre a norma da Agência, para em seguida alterar a posição, defendendo que não havia efetivamente conflito. Ao final, a presidente do CADE à época, Dra. Elizabeth Farina, exarou um despacho recomendando à Agência uma alteração na norma da Anatel. A medida não deixa de ser um reconhecimento das limitações do CADE para lidar com um tema que estava expressamente regulado em uma norma da Agência.

 

Agora, com o julgamento do caso Oi/BrT, teremos o “próximo capítulo” dessa novela, sendo o CADE mais uma vez convidado a se manifestar sobre um tema típico de regulação de telecomunicações: condições de acesso às redes. Para além de todos os relevantíssimos impactos que essa operação tem no setor, será especialmente interessante verificar se os conselheiros resistirão à tentação de intervir, em prol da competição, no espaço de atuação da Anatel.

 

 

 

[1] Utilizo aqui o termo “agência reguladora” de forma ampla, envolvendo todo e qualquer ente estatal que possua função reguladora como sua atividade principal;

 

[2] Art. 7° As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando não conflitarem com o disposto nesta Lei.
§ 1º Os atos envolvendo prestadora de serviço de telecomunicações, no regime público ou privado, que visem a qualquer forma de concentração econômica, inclusive mediante fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, ficam submetidos aos controles, procedimentos e condicionamentos previstos nas normas gerais de proteção à ordem econômica.
§ 2° Os atos de que trata o parágrafo anterior serão submetidos à apreciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, por meio do órgão regulador.
§ 3º Praticará infração da ordem econômica a prestadora de serviço de telecomunicações que, na celebração de contratos de fornecimento de bens e serviços, adotar práticas que possam limitar, falsear ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa.

 

[3] Medida Preventiva n. 08700.003174/2002-19 e Processo Administrativo n. 53500.005770/2002. Resolução n. 437, de 8 de junho de 2006, que estabelece os grupos com Poder de Mercado;

 

[4] Resolução n. 437, de 8 de junho de 2006, que estabelece os grupos com Poder de Mercado Significativo na oferta de EILDs;

 

 

 

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