15/11/2010
Forum Regulatório
Nesta página: Artigo de Luciano Costa, da Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados.
Regulação de Comunicação Social e Regulação de Telecomunicações
Luciano Costa Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados
Foi promovido, nos dias 9 e 10 de novembro, pela Secretaria de Comunicação Social, o Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias. Houve, como costumeiro, aqueles que identificaram no evento mais um movimento no sentido de estabelecer o famigerado controle social da mídia, defendido por alguns segmentos na sociedade e, ao que parece, também no Governo. As palestras mostraram um bom panorama sobre o assunto, com representantes de vários países, todos democráticos, e estão disponíveis no sítio de Internet do evento: www.convergenciademidias.com.br .
O Seminário foi uma demonstração de como ainda há que se caminhar na discussão da convergência no setor das comunicações. Não há fórmula pronta ou solução testada e aprovada. O representante da OFCOM apresentou uma experiência bastante concreta no que se refere à regulação convergente, considerando os quatro vetores de convergência: plataformas, serviços, dispositivos e, finalmente, a própria convergência do regulador.
No caso Inglês, a OFCOM, estabelecida em 2003, foi certamente pioneira1 na união da regulação de telecomunicações (redes, radiofrequências, serviços etc.) com a regulação de conteúdo na mídia eletrônica. A situação em Portugal me pareceu curiosa, pois a Entidade Reguladora de Comunicação – ERC, criada em 2005 para supervisionar os meios de comunicação social, deve caminhar para se tornar uma entidade de autorregulação, conforme noticiou o seu presidente.
Em outro extremo, tanto no aspecto temporal quanto de espectro ideológico, tivemos a palestra do representante argentino sobre a nova Lei recentemente editada lá, que traz elementos fortes de controles e cotas sobre a mídia, em uma tentativa de, entre outras coisas, reduzir a concentração de produção e distribuição de conteúdo na região de Buenos Aires, segundo explicou o Diretor da AFSCA (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual).
Obviamente, não existe “one size fits all”, e todos os palestrantes foram muito cuidadosos em pontuar que cada País deve encontrar o melhor modelo, de acordo com sua cultura e instituições. O alerta vale especialmente para o explosivo tema da regulação de mídia, ou comunicação social, como quer que se queira chamar. No entanto, há um cuidado que deve acompanhar as discussões, notadamente no impacto que elas podem ter na regulação de telecomunicações.
Ocorre que o setor de telecomunicações já passou pelo seu principal processo de transformação regulatória quando da privatização do setor. E, apesar das críticas – das quais poucas são justificadas – a percepção geral é de que foi um processo bem sucedido. Institui-se um modelo regulatório calcado na Constituição e na lei, no qual a operação foi delegada a entes privados, cuja atuação é supervisionada por uma Agência Reguladora razoavelmente independente e autônoma.
Utilizou-se um modelo consagrado, que já constava no chamado “blue book” do Banco Mundial desde da década de 90. Em outras palavras, em parte fruto do momento histórico, no mundo e no Brasil, e em parte da feliz conjunção de forças da época, o processo foi conduzido de forma técnica (na medida do possível, em um processo de tal envergadura), com prevalência de soluções testadas pelos seus resultados – incremento da competição, qualidade e universalização dos serviços – sobre quaisquer conceitos ideológicos. O notável esforço de produzir uma legislação que deu suporte a um modelo moderno, mas cujo encaixe constitucional ainda hoje gera dúvidas, resultou em grandes avanços no setor.
A discussão sobre a regulação da mídia, por sua vez, já se inicia naturalmente com pesada carga filosófico-ideológica, o que é natural considerando as paixões que o tema traz. Embora o ideal fosse, novamente, que, eleitos os valores que se pretende atingir, o trabalho se concentrasse em buscar o melhor modelo para a promoção de tais valores, sem vieses ideológicos ou políticos, de parte a parte. E não há muito segredo sobre quais são os valores que, nas democracias, devem prevalecer. Eles foram apontados e reforçados por todos e cada um dos palestrantes do evento: pluralidade, diversidade, competição, qualidade, estímulo à produção de conteúdos locais e nacionais, tudo isso com a absoluta manutenção da liberdade de expressão.
Porém, esperar uma discussão racional sobre regulação de mídia é “wishful thiniking” – um desejo dificilmente realizável –, pois como dito, as paixões e interesses que o tema evoca são sempre exacerbadas. Até mesmo por isso não vamos adentrar, neste artigo, na discussão sobre o mérito de algumas propostas que vêm circulando a respeito do famigerado controle social da mídia. Mas não podemos deixar de atentar para um cuidado a ser tomado, conforme alertamos no início do texto.
Ao tratar de convergência, que naturalmente traz à tona as relações cada vez mais próximas entre comunicação social e telecomunicações, não podemos correr o risco de afetar ideologicamente a atual e futura regulação de telecomunicações. Deve-se evitar o risco de que, à guisa de regular convergentemente, sejam efetuadas opções puramente ideológicas também no que se refere ao setor de telecomunicações.
De certa forma, já há alguns anos, em especial nos segundo mandato do Governo Lula, tem havido manifestações explícitas de contaminação ideológica no setor de telecom. Porém, o sólido arcabouço jurídico-institucional vem sobrevivendo, não sem alguns arranhões graves. Mas é preocupante a possibilidade de o processo de regulação de mídia acabar por afetar a atual regulação de telecomunicações, na medida em que buscar estabelecer parâmetros que espelhem mais as opções ideológicas do Governo atual do que os objetivos de serviço adequado. Lembrando que o serviço deve ser adequado não só no curto prazo, mas também e principalmente sustentável no longo prazo, em um setor de infra-estrutura que necessita de investimentos pesados e crescentes.
De fato, as empresas reguladas no setor de telecomunicações são entes privados muito suscetíveis à má-regulação. O impacto no setor das decisões regulatórias é rápida e imediatamente considerado pelas empresas nos seus planos de longo prazo. Vide a reação das teles a algumas recentes medidas determinadas pela Anatel, como o edital da Banda H e as novas metas de universalização.
No entanto, ainda que passíveis de discussão, tais decisões foram produzidas com base essencialmente em argumentos técnicos. A regulação técnica da Agência Reguladora, mesmo sob ataque, tem resistido e produzido resultados, ainda que aquém do necessário. Um cenário bastante piorado seria a substituição de uma orientação técnica por uma preponderantemente ideológica. E esse é o risco que o processo de convergência regulatória, se mal conduzido, pode trazer.
O antídoto para afastar tal risco é um só: garantir a participação da Anatel, em posição relevante e de liderança, nas discussões internas que o Governo travar sobre o tema. É certo que, conforme declarou a SECOM, qualquer projeto será submetido à intensa avaliação da sociedade; e nem poderia ser diferente. Entretanto, sabemos que muitas vezes as tratativas mais importantes ocorrem justamente nos bastidores. A Anatel deve participar intensamente dessas discussões, pois tem o dever de proteger o setor de telecomunicações como um todo, resguardando-o de aventuras demagógicas.
Referências
1 A Federal Communications Commission – FCC, a agência norte-americana foi criada em 1934, mas a história institucional estadunidense nesse ramo é dificilmente comparável a outros países.
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Só tenho a acrescentar que não adianta ter agência reguladoras se as mesmas não coibirem atitudes antiéticas e de profissionalismo duvidoso, onde as operadras fazem o que bem entedem e o cliente fica a mercê das mesma e onde única atitude no caso Anatel é aplicar "multa" de carater duvidoso e apenas ficar na reinteração da queixa. Só lamento por nós consumidores. Uma Infeliz cliente Oi fixo.
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