21/02/2011
Forum Regulatório
Nesta página: Artigo de Luciano Costa, da Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados.
É mesmo necessário regular telecomunicações??
Luciano Costa Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados
Semana passada, durante o Mobile World Congress, em Barcelona, CEOs e altos executivos de empresas de telecomunicações se mostraram preocupados com os rumos da regulação para o setor. De forma geral, queixaram-se do excesso de regulação, que estaria prejudicando os investimentos e o desenvolvimento do mercado, em especial no que se refere à construção de novas redes e ao estabelecimento de novos modelos de negócio. Um dos executivos chegou a declarar que não entendia por que havia regulação para o mercado de telecomunicações. Pois bem. A pergunta, de fato, é bastante pertinente. Por que é necessário regular telecomunicações?
As razões para regular telecomunicações podem ser divididas em dois tipos. As clássicas, similares às que justificam a intervenção estatal em vários segmentos da economia. E as específicas, que dizem respeito exclusivamente ao setor de telecomunicações. Vamos às específicas do setor.
Primeiro, a existência de recursos escassos. Em se tratando de telecomunicações há, pelo menos, dois recursos de natureza escassa. As radiofreqüências, na medida em que são limitadas, devem ser reguladas de modo que sua utilização se dê de forma adequada e eficiente. O outro recurso escasso é a numeração. Estes dois elementos pedem a intervenção e a regulação do estado, sob pena de, na falta de controle, tornar-se inviável a própria exploração de serviços de telecomunicações.
Segundo, a interconexão entre as redes. A utilidade das redes de telecomunicações está diretamente relacionada ao número de usuários que as compõem e à possibilidade de comunicação entre tais usuários. E é fundamental, especialmente no ambiente competitivo que se espera estimular, garantir que diferentes redes estejam conectadas entre si. Sem uma regulação firme sobre a interconexão, as redes teriam sua utilidade bastante reduzida.
Terceiro, é necessário controlar os equipamentos e softwares que compõem as redes, de modo a garantir a sua integridade e interoperacionalidade. Assim, a certificação de equipamentos é outro aspecto do setor que necessariamente deve ser regulado.
Estou certo que não foram estes pontos que motivaram as declarações dos CEOs em Barcelona. Até por que todos devem concordar que essa regulação é fundamental para um funcionamento ordeiro do setor de telecomunicações.
Quanto às razões clássicas, dentre as que se aplicam ao setor de telecomunicações em maior ou menor grau, reputo como principais as seguintes.
Conhecidas as razões clássicas que recomendaram a existência de uma regulação para o setor de telecomunicações, passemos a considerar, em uma breve análise, se há motivos para reduzir – ou mesmo eliminar – a regulação em vigor, em especial no caso que nos interessa, o mercado brasileiro.
Vamos começar pela continuidade e disponibilidade, conceito econômico com sentido jurídico claramente associado ao conceito de interesse público e que, no setor de telecomunicações, traduz-se na política da universalização. Não há dúvidas que telecomunicações é, e provavelmente sempre será, uma atividade de interesse da sociedade; e que, em regra, reclama algum tipo de controle pelo Estado para garantir que sempre estará disponível à população.
No que tange a este aspecto específico, as estratégias de intervenção estatal podem ser simplificadamente divididas em três alternativas. O Estado presta diretamente. O Estado delega a particulares a prestação, e supervisiona atentamente, para garantir o serviço adequado. O Estado presta concomitantemente, garantindo o que considera serviço básico e permitindo que particulares prestem os serviços não essenciais. Pois bem, das três possibilidades, já tivemos, no passado recente, a primeira e, se depender de alguns, caminhamos para a terceira. Por enquanto, temos a mais leve delas, ou seja, particulares prestam o serviço sob supervisão do Estado. Suprimir a regulação em uma atividade que a sociedade ainda considera essencial não parece uma alternativa viável. Daí que, parece-me, o melhor é ficar como está.
A existência de elevadas assimetrias de informação entre os agentes de mercado é uma constante no setor de telecomunicações. Veja-se que não se está tratando da assimetria entre os diferentes players de mercado (embora esta também exista), mas sim entre os fornecedores e os consumidores. É o mesmo tipo de assimetria que recomenda a existência de normas para a comercialização de medicamentos e alimentos.
O fato é que os consumidores não têm informação suficiente para avaliar a qualidade e o valor dos serviços de telecomunicações que adquirem. Não há parâmetros para avaliar os custos e, considerando a essencialidade do serviço, parece conveniente que o Estado regule para que o cidadão saiba o que está comprando e não sofra abuso quanto ao preço que paga. Em regra, a existência de competição mitiga esse problema, na medida em que a disputa entre os vários fornecedores modula o preço e a qualidade do serviço.
No caso de telecomunicações, há mercados com um razoável nível de competição e outros com pouca ou nenhuma competição. Ocorre que, curiosamente, mesmo em mercados com razoável nível de competição – como a telefonia móvel – é difícil afirmar que a qualidade dosserviços tem crescido ou que os preços têm se reduzido de forma relevante. Eis um caso de estudo para os economistas. Pois bem, a existência de assimetria de informação, parece-me, permanece sendo uma forte justificativa para a regulação no setor de telecomunicações, de modo que o consumidor tenha serviços com um mínimo de qualidade e a preços razoáveis.
A combinação das razões acima indica que há poder de barganha desigual entre firmas e usuários no setor de telecomunicações. Em outras palavras, no cenário atual, de competição limitada e complexidade tecnológica, resultam em um desequilíbrio extremo na relação entre usuários e operadoras, e, até mesmo, entre operadoras de diferentes portes. A regulação, também neste caso, permanece necessária para evitar um desequilíbrio ainda maior nestas relações.
Por último, vamos tratar da condição de monopólio natural e existência de essencial facilities, que já foi presente em praticamente todo o setor, mas atualmente está restrito a alguns segmentos, normalmente associados à rede de acesso local. O serviço de telefonia fixa local e os circuitos de acesso de baixa velocidade têm características de monopólio natural e se aproximam, por isso, do conceito de facilidade essencial, daí que é fundamental regular o acesso a tais redes para que haja uma competição saudável.
Mas esse é, provavelmente, o “calcanhar de aquiles’ da regulação nos dias de hoje, e certamente esse é esse o ponto que incomoda. Se a forma adequada de garantir o acesso às redes já existentes continua sendo uma dificuldade, a questão é ainda mais sensível no que se refere às novas estruturas que a sociedade demanda, e as empresas querem prover. De fato, o grande desafio dos reguladores é encontrar o equilíbrio entre a necessidade de investimento em novas redes e a garantia de que não se tornarão instrumentos para o exercício abusivo de poder econômico por parte de empresas que as detêm.
Finalmente, para concluir, é fácil entender os motivos para se regular telecomunicações e difícil concordar que a regulação não é mais necessária. A regulação continua sendo o melhor instrumento para que as telecomunicações se desenvolvam de forma a beneficiar toda a sociedade, e não apenas alguns grupos ou segmentos da população. Isso não quer dizer que não haja espaço para uma melhor regulação, que busque soluções criativas com menor ônus para as empresas e maiores ganhos para os usuários. É importante que as operadoras, cujo conhecimento técnico e de mercado é inegável e superior, muitos casos, ao dos próprios reguladores, sejam parceiras nesse processo.
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