14/06/2010
Forum Regulatório
Nesta página: Artigo de Silvia Melchior, advogada, sobre o desagregação de redes.
Desagregação de Redes: cai o mito da sua ineficácia
Silvia Regina Barbuy Melchior
Advogada
Ao longo dos vários anos após a privatização muito se ouviu sobre o fato de ser o acesso às redes por meio da desagregação uma medida que, embora lógica, seria muito pouco eficiente e não traria qualquer efetividade em termos de promoção de competição. Mostravam-se dados que demonstravam ser pouco o efeito sobre a redução do monopólio existente nos países que a adotaram; a Agência relegou esse instrumento e ao longo de anos deixou de dar tratamento regulatório ao tema; além de ser comum a citação de que os Estados Unidos da América havia optado pelo seu fim.
Na contramão dessas posições a associação das operadoras competitivas, a TelComp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas), defendia entusiasticamente a adoção dessa ferramenta no país, mostrando que mesmo que inicialmente pequena a conquista de mercado pelas novas entrantes era significativa, sendo a medida importantíssima ao longo do tempo pois teria efeito benéfico para todo o mercado.
Passou a demonstrar que embora em termos numéricos fosse pequeno o ganho de mercado, ele de fato existia e representava até 20% para as operadoras competitivas nos primeiros anos de sua adoção. Além disso, o problema enfrentado nos EUA com a desagregação era uma questão constitucional, que não existia no Brasil.
Ao contrário aqui existe a previsão da função social da propriedade e da reversibilidade dos bens das concessionárias dado o regime em que prestam o serviço. Mais do que isso, Tratado da Organização Mundial para o Comércio que visa a abertura dos mercados de telecomunicações, datado de 1997, recomendava que: “As operadoras dominantes devem permitir acesso à sua infra-estrutura tão logo quanto possível e em todos os pontos físicos das redes”.
Pois os fatos têm demonstrado que os operadores competitivos estavam certos. Façamos uma retrospectiva.
O nó górdio das telecomunicações sempre foi a infraestrutura, especialmente aquela que chega à casa do usuário conhecida como última milha. Por ocasião da desestatização as concessionárias locais do STFC (serviço telefônico fixo comutado) herdaram em 1998 uma rede singular, construída ao longo de muitos anos e com capilaridade que permitia o serviço chegar à casa dos cidadãos.
Pois bem, os operadores competitivos, não tinham como duplicar a infraestrutura de acesso local das dominantes em sua totalidade e em tempo razoável. Além disso, infraestruturas alternativas, como redes de TV a cabo, satélite e serviços sem fio, geralmente, não oferecem a mesma funcionalidade e não estavam disponíveis para serem adquiridos (faixas de freqüência que poderiam ser usadas hoje com nova tecnologia ainda permanecem sem ser outorgadas e não há outorgas de TV a cabo em mais do que 300 cidades).
Com isso, as novas entrantes não tinham como acessar a casa do usuário o que justificava a luta pela implementação da desagregação das redes, ou seja, o acesso a todos os elementos das redes das concessionárias do STFC - local que são necessários à prestação de serviços de telecomunicações por outras prestadoras de serviços de telecomunicações que tenham como objetivo atender a coletividade (interesse coletivo). Diga-se implementação, pois sua previsão legal existe desde 1997 na Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97 - LGT) que prevê o estímulo à expansão do uso das redes e a adoção de medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços (LGT, art. 2º II e III). Além disso, especificamente o acesso às redes está previsto nos arts. 154 e 155 da LGT.
O problema na adoção da desagregação, portanto, nunca foi de natureza legal. A Agência já detinha o poder-dever de implementá-la, mas foi só por provocação de uma operadora entrante que ela se manifestou sobre o tema por meio de um despacho concedido no âmbito de um processo administrativo1. Nesse despacho estabeleceu valores para o line sharing e o full unbundling (duas das modalidades de desagregação), que implicavam o pagamento no atacado de valor maior do que as operadoras (obrigadas a fornecer a desagregação) cobravam de seus usuários finais. A realidade é que a desagregação nunca foi efetivamente implementada no país.
Voltou ela a ser mencionada no PGR - Plano Geral de Atualização das Regulamentações no Brasil - aprovado pela Resolução nº 516, de 30 de outubro de 2008, publicada em 11 de novembro de 2008. Consta especificamente do item V.10 do PGR, como uma das ações previstas para ser implementada no curto prazo (até dois anos, que se encerram em 10/11/2010).
A desagregação é essencial para cumprimento da meta II.5 do PGR – Propiciar a Competição e Garantir a Liberdade de Escolha do Usuário – e para atingir o objetivo de massificar a banda larga, universalizar os serviços e ampliar o uso dos serviços e redes de telecomunicações, garantindo níveis adequados de competição (itens III.1, III.4 e III.7 do PGR).
Mas embora a Agência tenha previsto em regulamento a sua adoção, a realidade é determinante na conclusão da urgência necessária. Com o lançamento da agenda digital da Comunidade Européia no mês de maio, dados demonstraram que hoje na Europa as novas entrantes já ultrapassaram as concessionárias na oferta de banda larga. Sem dúvida alguma, reconheceu-se que a desagregação foi o principal instrumento para que essa realidade se tornasse possível e permitiu que 74% das linhas DSL ofertadas no mercado fossem de operadoras competitivas2.
Afinal contra fatos não há argumentos. Não é à toa que estudo recente do Berkman Centre for Internet & Society, da Universidade de Harvard3 realizado a pedido da FCC (Federal Communications Comission) sobre o plano de banda larga proposto pelo governo dos EUA recomenda a adoção da desagregação de redes como essencial para promover a competição e alcançar as metas previstas de ampliação da banda larga naquele país, como se fez no modelo europeu.
A realidade do Brasil é de concentração de mercados e necessidade premente de adoção de instrumentos para promoção da competição, para que seja possível reverter o quadro setorial que se vivencia hoje. Estudo também recentíssimo do IPEA chega a essa conclusão e recomenda a adoção da desagregação para garantir a competição no setor4:
“Um estudo anterior ao do Ipea (DE SOUZA et al., 2009) concluiu que, devido a limitações estruturais, o mercado brasileiro de banda larga não chegará ao patamar de densidade socialmente desejado sem que haja ações externas. Por este motivo, recomenda-se que seja implementado um programa nacional de massificação do uso e do acesso à infraestrutura de telecomunicações em banda larga.
Esse mesmo estudo sugere quatro instrumentos de política pública, que por sua vez poderiam fazer parte de tal programa. O primeiro é o fomento à competição e ao desenvolvimento tecnológico, por meio da promoção de novas tecnologias e do incentivo a pequenos provedores de acesso. O segundo são os instrumentos legais e regulatórios para atribuição de novas concessões de TV por assinatura, distribuição de novas frequências e efetiva implementação da
desagregação de redes de acesso.
O terceiro diz respeito ao investimento público por meio da desoneração "scal de equipamentos e serviços, do uso do FUST e de subsídios. Finalmente, a capacitação deve ser considerada para utilização, geração de conteúdo, suporte e manutenção (DE SOUZA et al., 2009)”.
Se o histórico e o presente demandam a providência da adoção da desagregação e o futuro? Apenas reafirma essa necessidade. A Comissão Européia reunida em junho de 2010 decidiu aceitar a proposta do regulador do Reino Unido (Ofcom) de obrigar a operadora histórica de telecomunicações BT a prover o acesso virtual à sua infraestrutura de fibra ótica aos operadores competitivos.
Portanto, é mais do que urgente a ação do órgão regulador para implementação da desagregação das redes no país não só estabelecendo regras para tanto, mas atuando firmemente para fiscalização e resolução de conflitos que venham a surgir.
Referências
1Despacho nº 172/2004/PBCP/SPB dado pelo Superintendente de Serviços Públicos da ANATEL, nos autos do Procedimento Administrativo n.º 53500.005336/2001, consistente em Denúncia formulada por Intelig Telecomunicações Ltda., referente à ausência de oferta de condições técnica e economicamente viáveis para uso de meios desagregados de rede da Telemar Norte Leste S.A. – TELEMAR, Brasil Telecom S.A. – BRASIL TELECOM e Telecomunicações de São Paulo S.A. – TELESP.
2Dados extraídos da Publicação semanal da Momento Editorial no 244 • 02 de junho de 2010.
3“Next Generation Connectivity: a review of broadband internet transitions and policy from around the world” – Outubro de 2009.
4Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Eixos do Desenvolvimento Brasileiro – Comunicados do IPEA nº 57 – Desafios e Oportunidades do Setor de Telecomunicações no Brasil, 27/05/2010 – pg.72.
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