25/10/2010
Forum Regulatório
Nesta página: Artigo de Silvia Melchior, advogada, sobre PGMU III – Banda Larga e STFC
PGMU III – Banda Larga e STFC
Silvia Regina Barbuy Melchior
Advogada
A Anatel em 1º de setembro último submeteu à comentários a Consulta Pública nº 34/10, denominada Proposta de Atualização do Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado prestado em regime público – PGMU 2011-2015.
Essencialmente a CP 34/10 tem por objeto atualizar e definir novas metas de universalização. Essa determinação é importante na medida em que é preciso que o país avance o atendimento do usuário e amplie de fato o acesso à prestação do serviço de telefonia fixa comutada no país que ainda é insuficiente (do ponto de vista da abrangência), concentrado (do ponto de vista geográfico) e caro (em decorrência da ausência de competição). Ainda é indispensável que as metas de universalização do STFC sejam claras e suficientemente transparentes para evitar problemas futuros relacionados a um serviço objeto de concessão, com garantia de equilíbrio econômico-financeiro e remunerado por tarifa.
Nesse sentido, o primeiro ponto de alerta está na definição daquilo que deve ser universalizado e que não pode fugir ao próprio conceito e essência do STFC. Esse é um ponto de natureza conceitual, mas igualmente jurídico, já que se está diante de um contrato de concessão que vigorará até 31 de dezembro de 2025 e pressupôs todo um processo licitatório com base em um determinado conceito e serviço. Qualquer proposta que implique alteração no serviço em si será ilegal e não terá amparo.
Lembra-se que por ocasião da licitação foi pago um valor para explorar e obter a clientela e ativos de um determinado serviço – o objeto da licitação. Diversos operadores participaram do processo e fizeram propostas balizadas em complexas avaliações de risco, inclusive quanto à subsistência temporal dos serviços. Qualquer mudança que possa privilegiar agora as concessionárias transformando a concessão do STFC num outro serviço implicará uma inaceitável violação ao sistema jurídico positivado, no alijamento de outros interessados em prestar o mesmo serviço e em transferência de monopólio de um mercado para outro, sem licitação.
Apenas para lembrar, a confusão que ora se vislumbra quanto às metas (se de STFC ou de outro serviço como o SCM – Serviço de Comunicação Multimídia) decorre historicamente do fato das concessões do STFC terem sido outorgadas e em conjunto ter seguido uma licença denominada SRTT (Serviço de Rede e Transporte de Telecomunicações) definido como o serviço destinado a transportar sinais de voz, telegráficos, dados ou qualquer outra forma de sinais de telecomunicações entre pontos fixos.
Nos termos do art. 207, § 3º, da Lei Geral de Telecomunicações, Lei nº 9.472 de 16 de julho de 1997, doravante simplesmente LGT, após 60 dias da publicação da lei seria assinado o contrato de concessão e em relação aos demais serviços prestados pelas entidades seriam expedidas as respectivas autorizações.
Certamente esse artigo deve ser lido em conjunto com a obrigatoriedade de se ter uma empresa concessionária cujo único objeto social deveria ser a prestação do serviço concedido, conforme previsto na LGT:
Art. 86. A concessão somente poderá ser outorgada a empresa constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País, criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão
Parágrafo único. A participação, na licitação para outorga, de quem não atenda ao disposto neste artigo, será condicionada ao compromisso de, antes da celebração do contrato, adaptar-se ou constituir empresa com as características adequadas.
Uma interpretação integrativa, como deve ser feita, indica que necessariamente as concessionárias de STFC deveriam ter constituído outra empresa para prestar os serviços de SRTT, objeto de autorização. Mas isso não foi feito. Em afronta direta à LGT a situação ainda agravou-se por ocasião da publicação do Regulamento de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução nº 272, de 09 de agosto de 2001, que simplesmente previu a possibilidade de conversão do SRTT em SCM:
Art. 68. As autorizações para prestação de Serviço Limitado Especializado nas submodalidades de Rede Especializado e Circuito Especializado, bem como as autorizações do Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações, compreendendo o Serviço por Linha Dedicada, o Serviço de Rede Comutada por Pacote e o Serviço de Rede Comutada por Circuito, todos de interesse coletivo, poderão ser adaptadas ao regime regulatório do SCM, desde que atendidas pelas empresas interessadas as condições objetivas e subjetivas estabelecidas neste Regulamento.
Isso significa que a mesma empresa concessionária explora o STFC sob o regime de concessão e o SCM sob o regime de autorização. Portanto ao impor metas essas somente podem ser fixadas sobre o objeto da concessão e não outro.
Mas o SCM que em 2001 podia não representar muita relevância em termos de abrangência e popularidade, tornou-se a mola mestra para prover banda larga. Ele é por excelência o serviço de acesso internet banda larga.
Então como se pode estabelecer obrigações direcionadas à banda larga num contrato de STFC?
Essa situação está sob discussão inclusive judicial. E embora o imbróglio já exista a Agência vem novamente e em segunda tentativa por meio da inserção de um substantivo não explicitado – backhaul – fixar mais metas para investimento numa rede de banda larga que serve de suporte para o STFC.
Veja que pelo conceito proposto na Consulta Pública o backhaul seria a infraestrutura de rede de suporte do STFC para conexão em banda larga, interligando as redes de acesso ao backbone da operadora. Mas em verdade a rede deveria ser do STFC que serve de suporte a outros serviços, incluindo a banda larga.
O que poderia essa atitude significar do ponto de vista da banda larga? Ora pode ser muito bem vista como uma tentativa da Agência de entregar a exploração da banda larga, que é um serviço diverso do STFC, às concessionárias como se serviço telefônico fixo comutado fosse, em regime de altíssima concentração e sem licitação.
Essa posição é inaceitável, intransigível e ilegal e violaria o direito de todos os usuários do STFC, dos que investiram no Serviço de Comunicação Multimídia e participaram da licitação para a concessão do próprio STFC.
Em verdade o conceito de backhaul como proposto gera margem larguíssima de dúvidas significativas quanto à vinculação do mesmo ao STFC, o acesso de competidores à rede, além de poder constituir problema sério em termos de determinação de reversibilidade, como já ocorreu com a revisão anterior1.
Sem dúvida alguma, as questões sobre o futuro, o desenvolvimento da tecnologia e suas conseqüências legais são relevantes e precisam ser debatidas, mas não se pode sem transparência aprovar uma mudança de tal magnitude no âmago de uma proposta para alterar metas (ou seja, num documento que é um acessório ao contrato de concessão), sem debate, estudos com clareza sobre os impactos de cada caminho possível e legalidade.
Como já destacado esse é um serviço que opera sob o manto de uma concessão e com garantia de equilíbrio econômico financeiro. Não se pode afastar a sociedade da discussão do que será o futuro da concessão ou dos bens reversíveis e inclusive quanto à vontade e disposição da mesma em assegurar e pagar a conta final.
Ademais o PGMU jamais poderá se converter em livre passagem para concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) explorarem outro serviço em regime público ou privado que não seja efetivamente o Serviço Telefônico Fixo Comutado e ainda utilizarem a mesma infraestrutura afeta à reversibilidade para o provimento de outro serviço, sem que esse fator seja um item redutor de tarifas para o assinante do STFC e que seja dado o acesso às redes aos demais operadores em regime de isonomia plena.
Não obstante a prerrogativa que assegura a supremacia do interesse público sobre o privado nos contratos de concessão, há cláusulas nos contratos administrativos intocáveis, pois se destinam a manter um certo "equilíbrio contratual" e a aferir a moralidade e legalidade da administração pública junto aos demais participantes de uma licitação.
O objeto é aspecto essencial e primeira exigência de contratos de concessão. Ele não pode ser alterado posteriormente, muito menos por meio de um Anexo, ou melhor, um acessório seu, como é o PGMU.
A alteração do objeto da concessão para que ela abranja serviços que não estavam previstos no edital é uma forma de elidir o princípio da obrigatoriedade da licitação positivado no artigo 37, XXI da Constituição Federal.
No caso da outorga de concessão para a prestação de serviço de telecomunicação, a lei determina de forma clara e explícita que a licitação é obrigatória, conforme se lê no artigo 88 da LGT. Por conseguinte, nenhum serviço de telecomunicações prestado no regime público pode ser outorgado sem licitação. Uma situação de privilégio certamente indicaria a ilegal advocacia administrativa em favor das concessionárias.
Não é possível admitir que os contratos de concessão sejam aditados para a inclusão de serviços outros que não haviam sido contemplados no edital.
Outro ponto não menos sensível é a ausência de divulgação de estudos referentes aos custos efetivos do projeto de universalização proposto, nem mesmo avaliando como essas metas interagem com o aspecto tarifário e seu impacto para o consumidor.
Esse fato de gravidade ímpar coloca a Agência em peculiar situação de fragilidade na medida em que questionamentos de usuários quanto aos deveres de pagar a assinatura básica, bem como o seu valor podem ser facilmente colocados em xeque, já que ele poderá questionar se deverá pagar a assinatura para subsidiar a expansão da banda larga (serviço não objeto de universalização). São questões que não podem ser ignoradas pelo regulador.
Por outro lado, a sociedade não poderá furtar-se da necessária discussão quanto ao futuro. Qual o serviço que deverá ser objeto de universalização e garantia pelo Estado? Como evoluirá o STFC, o SCM, o SMP e outros serviços de telecomunicações? Será adotada a licença única como em vários outros países já ocorre? Como compatibilizar essas mudanças com contratos de concessão? Quais os bens que serão devolvidos em 2025? Eles estarão atuais e aptos ao uso pelo Estado? Seria melhor ter outro serviço a ser universalizado? Como garantir o equilíbrio econômico-financeiro de um eventual novo serviço a ser universalizado? Quais as contas e cálculos subjacentes? Quais os benefícios de novos processos licitatórios para novos serviços? Essas as discussões que deveriam estar sendo levadas a público de forma transparente.
Referências
1Regulamento do Plano Geral de Metas para Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado em regime público – PGMU, aprovado pelo Decreto nº 4.769, de 27 de junho de 2003, alterado pelo Decreto nº6.424, de 4 de abril de 2008”, implementado pela Resolução 539, de 23 de fevereiro de 2010 (“Resolução nº 539/10”).
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Prezada Sílvia, Tendo em vista os questionamentos a respeito da característica pública do STFC versus a obrigações impostas pelo PGMU de investimentos (privados) em backhaul, aliados à escassez de tempo para uma versão final do PGMU, é factível que na negociação das metas restem apenas as metas de Tup's e acesso coletivo (cf. densidade)?
A obrigação de universalização prevista na LGT foi necessária quando da implementação do modelo estabelecido pela citada lei e a primeira revisão prevista para o final dos primeiros cinco anos. O desenvolvimento do mercado poderia levar a gradativa redução da necessidade de intervenção do Estado levando a bom termo os respectivos contratos de concessão.
A integração dos serviços fixo e móvel seria uma natural vertente para que a universalização dos serviços de voz pudesse ocorrer naturalmente. A definição dos serviços fixo e móvel não vinculada a tecnologia ou técnica utilizadas é outro elemento importante que tornaria as discussões em tela nos PGMUs desnecessárias.
A Internet faz uso de qualquer serviço de telecomunicações as condições técnicas das redes tornam diferentes as possibilidades de uso.
O STFC é utilizado para acesso à Internet, o SMP é utilizadao para acesso à Internet e o SCM pode ser utilizado para acesso à Internet, assim como, todos os demais serviços de interesse restrito.
Hoje o que ocorre é uma opção não por regular o serviço, mas regular a tecnologia de rede.
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