06/12/2010
Forum Regulatório
Nesta página: Artigo de Silvia Melchior, advogada, sobre PGMU III – Banda Larga e STFC
EILD – Insumo essencial e regulação deficiente
Silvia Regina Barbuy Melchior
Advogada
EILD é a sigla para denominar a exploração industrial de linhas dedicadas, um serviço que é ofertado no mercado de atacado e não chega como oferta ao usuário final1. No entanto, ele é uma ferramenta importantíssima para que o usuário final possa ter alguma opção, embora ainda restrita, no mercado de telecomunicações, seja na área de dados, seja na telefonia fixa, pois permite que o competidor possa ter acesso a uma rede de ampla capilaridade. Nesse sentido, é elemento fundamental para a promoção da competição.
A EILD, cuja contratação era até 2005, orientada pela Norma nº 30/96 (que estabelecia valores teto para a sua contratação) hoje é objeto de uma resolução específica (Resolução nº 402, de 27 de abril de 2005). No entanto, os problemas enfrentados na sua contratação montam à privatização, em 1998. Com a rede nas mãos das concessionárias, a contratação passou a enfrentar problemas crescentes. Ao se avistar a entrada da nova década em 2000, os valores da tabela de referência estabelecida em 1996 já estavam defasados e eram altos demais, o que gerava uma distorção para ofertar produtos no varejo.
Além disso, como no processo de contratação é preciso que o competitivo indique exatamente onde está seu cliente, isso lança margem a um sem número de ações predatórias para ganhar esse cliente, sendo a mais óbvia a demora no atendimento daquele competitivo que solicitou a EILD e o favorecimento de empresas do mesmo grupo em detrimento das demais. Iniciou-se, com isso, um movimento de pressão por parte dos competidores das concessionárias para que houvesse a revisão da tabela e a implementação de mecanismos e procedimentos mais eficazes para a contratação.
A respeito, faz-se referência à cautelar concedida pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em processo promovido pela Embratel contra as demais concessionárias, que reconheceu a existência de price squeeze (ou esmagamento de margem no mercado de atacado) para o mercado de EILD2.
Reconheceu-se que a EILD era uma essential facility e que havia indícios de favorecimento de empresas do grupo. Nas licitações, por exemplo, objeto desses processos perante o Cade, a concessionária local ofertava EILD para as empresas competitivas em valor bem acima do que ofertava no varejo como preço para participar de uma dada concorrência. Determinou-se o tratamento isonômico das operadoras competitivas no acesso à rede e recomendou-se a revisão regulatória do tratamento dado a EILD.
Sobreveio a Resolução nº 402/05 que embora trouxesse conceitos e ideias importantes, acabou por não trazer a evolução almejada para esse mercado, nem em termos de acesso à contratação, valores ou mesmo garantias mínimas de prazo e condições de acesso às redes.
O mercado de EILD só se deteriorou e prova disso são as recentes determinações constantes da Anuência Prévia para a operação da aquisição do controle da Brasil Telecom pela Oi e a decisão do Cade sobre a aprovação dessa mesma operação sob a ótica concorrencial, na qual reconhece a fragilidade desse mercado. Nelas se encontra o reconhecimento de que medidas para trazer maior transparência nas contratações e definições de condições, prazos e valores, além das justificativas de negação de contratação, são imperativas.
Embora representem algum avanço com relação ao tema, essas medidas estão longe de serem efetivamente uma solução para esse mercado de atacado. Mesmo porque esse insumo não encontra hoje um substituto perfeito (ou mesmo imperfeito), ou seja, outras alternativas, que garantam o acesso às redes. Essas são ainda concentradas, sendo que as demais redes existentes oferecem baixo potencial de contestação por terem menor capilaridade.
Não se pode esperar por seu turno que os operadores competitivos promovam medidas perante o Cade ou mesmo a Anatel sobre o tema, pois a demora na resposta, a ausência de histórico de concessão de cautelares e o risco operacional de retaliação são razões mais do que suficientes para que não se promovam medidas administrativas ou judiciais.
É preciso entender que esse insumo é elemento essencial para a operação do competitivo e que uma prática de retaliação qualquer da concessionária ainda que por poucas horas pode comprometer a operação de toda uma empresa, sem que essa empresa possa obter prova do fato.
Por outro lado, a mera previsão da obrigação sem fiscalização, penalidade ou conseqüência e com brutal assimetria de informação, gera um sem número de medidas impeditivas de acesso à rede e negativas de contratação de EILD, sem previsão de expansão de redes, que apenas impedem o crescimento do mercado. Não existe praticamente oferta de EILD Padrão3.
No que concerne aos valores não se sabe quais os critérios usados para determinar o custo de uma EILD Especial4. Ao contrário costuma-se cobrar a construção do mesmo meio de mais de uma empresa em um ato que representa um atentado contra o operador competitivo.
Exatamente por todos esses problemas são necessárias medidas que permitam de fato que se implemente a obrigação de contratação de EILD, além da mera previsão geral.
É esse o cenário sombrio de acesso às redes no país.
Enquanto em outras jurisdições os usuários experimentam os benefícios do acesso às redes como um todo, incluindo a desagregação das redes e a adoção de modelos de separação funcional ou estrutural para promoção de governança corporativa, permitindo que de fato não haja a discriminação, aqui, não existe o acesso mais básico dos competidores à rede das concessionárias, uma rede pública, que é objeto inclusive de reversibilidade.
Obviamente que onde há rede alternativa o comportamento da concessionária é outro e os valores praticados também. Mas esses pontos são absoluta exceção no mercado de EILD num país de dimensões como o Brasil.
Sabe-se que a Anatel está debatendo o tema e promovendo estudos para rever a Resolução nº 402/05 e nessa revisão seria fundamental que:
Como se depreende são medidas para maior clareza e transparência. Esses são apenas alguns aspectos que merecem atenção. O fato é que enquanto não se fizer uma regulação adequada no mercado de atacado, os usuários não experimentarão melhorias em seus serviços no mercado de varejo.
Referências
1Resolução nº 402, de 27/04/05, que aprova o Regulamento de EILD, art. 2º, inciso IV: “IV – Exploração Industrial de Linha Dedicada (EILD): modalidade de Exploração Industrial em que uma Prestadora de serviços de Telecomunicações fornece a outra Prestadora de Serviços de Telecomunicações, mediante remuneração preestabelecida, Linha Dedicada com características técnicas definidas para constituição da rede de serviços desta última”
2Processos: 08700.003174/2002-19 (despacho do Conselheiro Cleveland Prates que adotou Medida Preventiva n° 08700.003174/2002-19 nos Autos do Processo Administrativo n° 53500.005770/2002) e 08700.000727/2003-62.
3Resolução nº 402, de 27/04/05, que aprova o Regulamento de EILD, art. 2º, inciso VI: “VI – EILD Padrão: Exploração Industrial de Linha Dedicada ofertada obrigatoriamente pelas entidades Fornecedoras pertencentes a Grupo detentor de PMS na oferta de EILD, nas condições deste Regulamento.”
4Resolução nº 402, de 27/04/05, que aprova o Regulamento de EILD, art. 2º, inciso V: “V – EILD Especial: Exploração Industrial de Linha Dedicada nas situações em que não se aplicam as condições estabelecidas para EILD Padrão.”
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