01/05/2011
Forum Regulatório
Nesta página: Artigo de Silvia Melchior, advogada, sobre as entidades administradoras
Entidade Administradora Necessária e Urgente
Silvia Regina Barbuy Melchior
Advogada
A tendência do agente regulador brasileiro de promover a regulação por meio de normas e ação fiscalizatória focadas no mercado do varejo ainda prevalece apesar de toda a vasta experiência estrangeira e local a demonstrar que seria muito mais eficiente promover a regulamentação do mercado de atacado para fomentar a competição. Sem dúvida, essa abordagem proporcionará grandes benefícios para a população brasileira quanto aos serviços de telecomunicações.
Sob a ótica local, a experiência demonstra que as regulamentações por mais restritivas que sejam têm produzido efeitos muito limitados sobre a percepção do usuário, que ainda é muito negativa em todos os aspectos: volume e nível das ofertas (extremamente baixo), preços (ainda bastante elevados se comparados aos praticados no exterior), condições gerais de fruição dos serviços e qualidade de atendimento (ainda muito aquém do aceitável). Isso se aplica indistintamente aos diferentes serviços apesar dos esforços em se estabelecerem rígidas obrigações de prestação dos serviços, qualidade, atendimento, regras para call centers, etc.
Sob a ótica internacional, regulamentações estruturadas voltadas ao mercado de atacado têm produzido efeitos muito concretos no incremento de ofertas, melhoria do nível de qualidade dos serviços e atendimento, bem como na queda dos preços, permitindo que maior número de pessoas usufrua dos diversos serviços de telecomunicações.
Por que ignorar a realidade local e estrangeira?
Independentemente da resposta, o fato é que ainda é possível a reversão desse quadro. Depende não só de interesse da população (já manifestados por intermédio de suas associações), de parte da iniciativa privada (também já manifestado por intermédio de associações, entre elas a TelComp) e de estudos técnicos (muitos já realizados pelo mercado e pela própria Anatel), mas sobretudo de empenho político e de ações concretas do regulador para de fato se colocar o Brasil rumo a um mercado verdadeiramente competitivo local e internacionalmente, promovendo mudanças concretas na regulamentação do mercado atacadista.
Importante, nesse processo, é não cair no faz-de-conta de que há uma regulamentação sobre determinado insumo no mercado de atacado, mas torná-la efetiva, vinculante e capaz de mudar a realidade.
Nesse caminho existem algumas medidas possíveis para que se imponha determinada conduta aos agentes de mercado dominantes (que detêm a infraestrutura necessária para prestar serviços e fazem-na chegar à casa dos usuários) e se reduza o abuso de posição dominante derivado essencialmente da assimetria de informações da sociedade e da própria Anatel frente às operadoras fornecedoras de insumos.
Uma dessas necessárias medidas seria a separação estrutural ou funcional, mas descartada pela Anatel. Na sua ausência, outras medidas são imperativas e uma delas, sem dúvida, é a criação de uma entidade administradora imparcial (independente e neutra) para gerir as relações no mercado de compra e venda de serviços atacadistas de telecomunicações e manter a transparência das informações nesse mercado.
A recente Consulta Pública nº 50/10 que propõe alterações na regulamentação de EILD (exploração industrial de linhas dedicadas), um insumo de extrema relevância para ampliar a oferta de serviços de telecomunicações, sugere a opção pela entidade administradora. Referida Consulta recebeu inúmeras contribuições no sentido de ser necessária a criação de uma entidade administradora e não opcional, para contratações desses recursos sob pena do regulamento não decolar do papel, como já ocorre atualmente.
Não adianta a mera imposição de regras. A fiscalização não conseguirá reprimir abusos vivenciados de longa data pelos compradores desse insumo, simplesmente porque da forma como está a proposta continuará a existir uma enorme diferença entre as informações a que a Anatel tem acesso pelas empresas dominantes e a realidade, de forma que o espaço para o arbítrio e abuso são imensos. E nem poderia ser diverso, já que não se pode esperar que uma entidade detentora de poder de mercado significativo não vá discriminar seus competidores e maximizar seus lucros; seria no mínimo infantil tal suposição. A situação é simples: a entidade que pede um insumo (o acesso a um serviço ou infraestrutura) informa todos os dados do cliente que vai atender, a tecnologia, etc. De posse desses dados a empresa que recebeu esse pedido e detém os insumos aborda o cliente diretamente e impede que qualquer concorrente entre no mercado. Tão simples assim.
O voto do Conselheiro João Rezende, relator no processo da Consulta Pública de EILD, reconhece que é a assimetria informacional que propicia a prática de atos predatórios à concorrência, como a recusa de venda, a elevação artificial de preços, entre outras e a própria manipulação do mercado1. A portabilidade numérica que foi implementada com sucesso é suportada por uma entidade administradora, neutra e independente, o que demonstra o grande êxito que pode ter uma entidade dessa natureza no mercado de insumos.
Mas ao contrário senso, a Secretaria de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda não caminhou nessa direção nos seus comentários e como nenhum argumento racional econômico e concorrencial acompanhou a sua posição, não se pode atinar ou concluir o que motivou tal posição.
O fato é que a perpetuação da inércia histórica de não regular o mercado atacadista não pode continuar.
Nessa direção, a medida de criar uma entidade administradora com independência administrativa, autonomia patrimonial e neutralidade decisória capaz de acompanhar todo o processo de contratação entre empresas prestadoras de serviços de telecomunicações é urgente e reduziria significativamente essa assimetria de informações e dados, razão pela qual deve não só ser imperativa e obrigatória para o mercado de EILD, mas para a aquisição de todo e qualquer insumo, inclusive elementos de rede desagregados.
1 Voto Conselheiro João Rezende, n º 793/2010, pgs. 07; 11; 14 e 22
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