27/10/2011

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Nesta página: Artigo de Silvia Melchior, advogada, sobre PGMC

PGMC
Uma Dívida com a Sociedade

 

Silvia Regina Barbuy Melchior

Advogada

 

O PGMC, ou Plano Geral de Metas de Competição, em uma abordagem bastante simples é uma medida que foi prevista por ocasião da renovação dos contratos de concessão da telefonia fixa, ocorrida em 2002 (ver cláusula 16.5 dos contratos de concessão do STFC Local, LDI e LDN) e que busca estabelecer de fato um ambiente competitivo entre empresas prestadoras de serviços de telecomunicações pela adoção de medidas de prevenção ao exercício do poder econômico, em especial no mercado de atacado. O objetivo final, no entanto, não é promover um mercado concorrencial em si, mas sim atingir os efeitos benéficos aos consumidores que derivam de um mercado concorrencial saudável.

 

Observem que a competição ao longo de toda a exposição de motivos da LGT tem o sentido de meio para alcançar a política pública definida para o setor, ou seja, maior número de ofertas, opções e serviços para o consumidor a preços, qualidade e condições razoáveis e é exatamente essa a tônica do PGMC.

 

Na época de sua proposição já estavam consolidados os Planos de Universalização (com suas revisões periódicas) e o Plano de Qualidade do serviço concedido (tendo os planos de qualidade sido ampliados para os demais serviços com o tempo). Faltava tratar do último pilar que sustenta o modelo adotado pela Lei Geral de Telecomunicações (Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997, doravante LGT), a competição. É a parte final do tripé universalização-qualidade-competição que está sendo tratada e submetida à Consulta Pública através da CP 41/2011 que traz a proposta de um PGMC.

 

Portanto, o PGMC é uma dívida para com toda a sociedade brasileira que espera ver como efeito concreto o real alcance dessa política plasmada no art. 2º da LGT.

 

Toda a base da proposta do PGMC apresentada está fundada na avaliação de agentes de mercado que possuem potencial de exercer o poder de mercado (prestadoras ou grupo com PMS) para determinado produto e em determinada área geográfica. No caso, exercer o poder de mercado significa risco de abuso desse poder no sentido de impor condições desfavoráveis aos usuários ou discriminar competidores para dominar ou manter artificialmente (e não pela sua própria eficiência empresarial) o poder de mercado que já lhes pertence.

 

Essa forma de tratar o mercado nada mais é do que uma metodologia que a Anatel elegeu para aplicar remédios mundialmente aceitos e experimentados e que trouxeram, nos países que os adotaram, efeitos concretos sobre os serviços para toda a população. Mais do que isto o PGMC é uma proposta de transparência de como a Anatel agirá para definir remédios, o que já lhe competia.

 

Muito tem alardeado as concessionárias sobre o PGMC ser ilegal, ilegítimo e não encontrar base em estudos ou na realidade vigente.

 

No entanto, o problema é que a premissa de toda a tese por elas utilizada é insustentável. Partem do pressuposto que a Anatel somente pode exercer sua função de definir regras para serviços e estabelecer condições mínimas para as empresas, sem que possa ela definir regras ex ante para organizar o mercado, que conta com recursos escassos, entre eles a radiofreqüência e a parte da própria rede de telecomunicações. Essa seria uma função apenas do CADE que poderia corrigir erros existentes ou agir em casos de concentração do mercado. No entanto, a Agência existe para REGULAR mercados, integra a sua essência o processo de organizar estes mercados. Chama-se agência reguladora não por acaso, mas porque uma de suas funções primordiais é avaliar o mercado, identificar falhas e suprir esse mercado com remédios em dosagens específicas para que ele tenha produtos e serviços em condições efetivas e razoáveis para fruição dos cidadãos. Assim ocorre no mundo todo quando se está diante especialmente de mercados com recursos valiosos ou escassos. Dizer que não cabe à Agência esse tipo de regulação é ignorar a Constituição e a própria LGT, com sua exposição de motivos.

 

Ora, chega a ser desesperado o argumento de que a Anatel não deve prevenir práticas predatórias ou de abuso do poder de mercado, pois atenta contra a própria lógica reguladora e de existência da Agência.

 

Do ponto de vista legal essa abordagem da Anatel está plenamente amparada na Constituição Federal e nos princípios que devem nortear a ação do Estado (arts. 173, 4º, 170, III e IV e o próprio caput do art. 5º que estabelece a isonomia de tratamento). Não se pode também esquecer que telecomunicações são serviços cuja prestação é atribuída à União (art. 21, XII) que pode explorar o serviço diretamente ou mediante concessão, autorização ou permissão e a quem também incumbe legislar sobre a matéria (art. 22, IV).

 

Na LGT a base está:

  1. no art. 6º que enuncia que os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras, devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica;

  2. no art. 19, que define as competências da Anatel com especial destaque para o inciso XIX que determina que compete à Anatel exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica. No caso do PGMC, é exatamente este artigo que expressamente consagra a competência da Agência na regulação concorrencial ex ante;

  3. por fim, as medidas que a Anatel impõe como remédios têm todas elas base no art. 155, que estabelece que para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo deverão, nos casos e condições fixados pela Agência, disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo. Esse artigo respalda a adoção de medidas de transparência, gestão de ativos e desagregação de redes que integram o PGMC.

E nem há o que se falar de erro de interpretação quanto a esses artigos, visto que a Exposição de Motivos da LGT trouxe a dimensão da finalidade e dos limites do desenho institucional da Agência que se propunha. A propósito duas citações que amparam a interpretação quanto à extensão do poder da Agência na adoção de medidas assimétricas no mercado:

 

 

“O órgão regulador difere de outros organismos governamentais porque, em vez de simplesmente prestar um serviço ao público, tem de tomar decisões QUE PRESSUPÕEM O EXERCÍCIO DE PODER DISCRICIONÁRIO.”

“O modelo tradicional de pessoa jurídica de direito público implica necessária submissão a regime jurídico incompatível com atuação mais desenvolta do órgão regulador, que se quer dotado de independência e de flexibilidade gerencial indispensáveis à consecução de melhores resultados, de que aquele regime, no mais das vezes, é inibidor, porque acentuadamente burocrático. Demais disso, a unidade de regime jurídico entre o órgão regulador e a Administração Pública seria imprópria, pois aquele tem poderes inclusive sobre esta - basta mencionar que o Governo ainda manterá, durante certo tempo, embora curto, o controle de empresas de telecomunicações, que estarão sujeitas à jurisdição do órgão regulador”

...

Esse acentuado grau de independência do órgão regulador justifica-se em razão das graves responsabilidades que se lhe atribuem1.

 

 

E nem há que se dizer que a Anatel não pode regular por meio da adoção do critério de poder de mercado, pois a própria Exposição de Motivos2 já continha previsão de regulação tarifária de operadores dominantes.

 

Também sob o foco da legitimidade os argumentos das concessionárias perdem força. A abordagem da Anatel não é nova. O mercado europeu tem larga experiência no assunto de regulação por assimetria em razão do poder de mercado e na adoção de remédios para evitar o abuso do poder de mercado. Do mesmo modo as medidas que a Agência está tomando, em especial a desagregação de redes, também não são novidade ou desconhecidas quanto aos efeitos. Daí decorre que nada do que é proposto no PGMC é ilegítimo. Ao contrário, são medidas que chegam muito tardiamente ao país.

 

A tendência do agente regulador brasileiro ao longo dos últimos anos foi de promover a regulação por meio de normas e ação fiscalizatória focadas no mercado do varejo, no serviço ao usuário final, sem perceber que tal medida é absolutamente insuficiente quando as empresas podem agir independentemente de seus competidores, agência e usuários, abusando de sua posição. E foi exatamente o que ocorreu, conquistando o setor de telecomunicações níveis elevados de insatisfação quanto aos serviços, preços e qualidade, apesar de toda a vasta experiência estrangeira e local a demonstrar que seria muito mais eficiente promover a regulamentação do mercado de atacado para fomentar a competição e com isso gerar mais benefícios aos usuários.

 

E por fim quanto ao fato da prevenção não estar aderente à realidade brasileira, pois não existem dados sobre abusos, não se pode ver de outra forma essa assertiva senão como risível. É sem dúvida uma tentativa de esconder a realidade denunciada ao longo de anos por consumidores e competidores que sofrem sistematicamente pelas práticas predatórias.

 

Sem dúvida nenhuma, a abordagem do PGMC tende a proporcionar grandes benefícios para a população brasileira quanto aos serviços de telecomunicações se bem adotada e efetivamente implementada.

 

E nesse sentido ainda remanescem sugestões à proposta apresentada pela Consulta Pública nº 41/2011 para o aprimoramento das medidas. O grande problema no mercado de atacado refere-se à transparência. Os competidores ou mesmo a Anatel não tem informações que lhes permita contestar a negativa/atraso/classificações de acesso a insumo pelas dominantes. Nesse sentido, impõe elevada barreira para que as demais empresas cheguem ao usuário. Por isso, é primordial que a proposta do PGMC avance ainda mais em especial quanto à transparência da capacidade ociosa de rede das prestadoras com PMS, das ofertas de referência, e da necessidade de adoção de uma separação funcional real, caminhando para uma separação estrutural caso não sejam atingidos os objetivos do PGMC. A entidade supervisora também precisa concentrar sua atuação com maior detalhe em procedimentos de contratações, haja vista que não é só a dificuldade de obter o contrato que atravanca a vida das operadoras competitivas, mas também a entrega do que é contratado, no prazo, condições e qualidade devidos.

 

Do mesmo modo, o acesso à rede não pode ignorar os acessos de fibra ótica, focando exclusivamente no par de cobre. A experiência internacional é farta no sentido de se evitar criar outro mercado monopolizado, de forma que feriados regulatórios não são desejáveis.

 

Quanto à avaliação em si dos mercados, também existem sugestões de atualização do estudo apresentado em 2009, de aprimoramento de análise com uso do teste do monopolista clássico e avaliação com maior granularidade geográfica em especial no caso do acesso às linhas dedicadas (EILD).

 

Enfim são sugestões que representam correção de rota e aprimoramento para que se alcance efetividade da ação regulatória, mas que certamente em momento algum tira do PGMC sua a importância, premência, legalidade ou legitimidade.

 

 

 

1Exposição de Motivos 231/MC, pgs. 15, 30 e 31.

2Exposição de Motivos 231/MC, p. 16:

“Com relação às regras básicas para assegurar que a competição seja justa, elas podem ser resumidas nas seguintes:

interconexão obrigatória das redes que prestam serviços destinados ao público em geral;

acesso não discriminatório dos clientes aos prestadores de serviços que competem entre si;

plano de numeração não discriminatório;

possibilidade de acesso dos concorrentes às redes abertas em condições adequadas;

eliminação dos subsídios cruzados entre serviços;

regulação tarifária dos operadores dominantes;

direitos de passagem não discriminatórios;

resolução dos conflitos entre operadores pelo órgão regulador”.

 

 

 

 

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Nota: As informações expressadas nos artigos publicados nesta seção são de responsabilidade exclusiva do autor.

 

 

 

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