Seção: Tutoriais Rádio e TV

 

TV Digital I: Padrões e Histórico

 

Atualmente é possível observar o quanto a televisão digital tem se espalhado ao redor do mundo, e por trás de um sistema de difusão digital de áudio e vídeo existe um modelo bem definido envolvendo desde a geração de uma imagem de qualidade digital até a recepção da mesma em um aparelho de televisão, além de propor novos modelos de negócios até então inexplorados pelo mercado televisivo.

 

Os primeiros passos em busca da TVD, segundo Fernandes (2004), foram dados na década de 80 no Japão, onde foram realizados estudos para se desenvolver um modelo de imagem com qualidade superior à analógica, estas pesquisas resultaram no primeiro padrão comercial de televisão de alta definição, o MUSE (Multiple Sub-Nyquist Sampling Encoding). Assim como os japoneses, os europeus e os norte-americanos também iniciaram suas pesquisas para o desenvolvimento de seus próprios modelos de produção e transmissão audiovisual de alta qualidade.

 

Fernandes ainda afirma que:

 

Um sistema de televisão digital interativa deve adotar e integrar um conjunto de diferentes tecnologias de hardware e software para implementar suas funcionalidades. Conjuntamente, estas tecnologias permitem que um sinal eletromagnético, que transporta fluxos elementares de áudio, vídeo, dados e aplicações, possa ser transmitido para o STB (Set-top Box ou URD - Unidade de Recepção e Decodificação) e, então, que estes fluxos sejam recebidos, processados e apresentados aos usuários. (FERNANDES, 2004, p. 22).

 

Padrões Internacionais de Televisão Digital

 

Atualmente existem três modelos de TVD que mais se destacam, são eles: o ATSC, desenvolvido nos Estados Unidos, o DVB criado na Europa e o padrão japonês ISDB. As principais características que devem ser abordadas em um padrão de TVD são:

  • Imagens em alta definição (Padrão Standart ou Widescreen com alta definição);
  • Som com qualidade digital;
  • Interatividade (Permite o usuário final interagir com a estação transmissora de TV);
  • Portabilidade (Possibilita a recepção do sinal de TVD em quaisquer aparelhos eletrônicos portáteis);
  • Modulação digital (Envolve diretamente a qualidade do som e imagem e indiretamente a imunidade a ruídos).

 

Estas características devem ser ponderadas com cuidado durante a adoção de um sistema de TVD, pois os impactos gerados pela transição de um modelo analógico para a digital afeta não só as estações transmissoras, mas também todos os usuários finais que também terão de se adaptar a nova tecnologia. A figura 1 abaixo ilustra o panorama atual da TVD no mundo, incluindo além dos padrões já citados, o SBTVD e o DMB que representa o padrão Brasileiro e Chinês, respectivamente. O padrão brasileiro será melhor detalhado posteriormente e o padrão Chinês não foi abordado neste trabalho, pois este é um sistema incipiente no qual ainda se encontra em fases de testes.

 

Descrição: DTV WORLD MAP

Figura 1: Panorama mundial da TVD

Fonte: DTV STATUS

 

Padrão ATSC-T

 

Este padrão atualmente é utilizado nos Estados Unidos, Canadá, Taiwan, Coréia do Sul e Argentina, sua denominação é proveniente de uma organização de padronização americana, também com o nome ATSC, responsável por regulamentar todas as características deste modelo de TVD. O ATSC-T emprega a modulação 8-VSB (Vestigial Side Band), que de maneira simplificada, é a evolução das modulações utilizadas nos sistemas analógicos, porém este esquema de modulação apresenta dificuldades na recepção em antenas internas tornando inviável a utilização do serviço de portabilidade.

 

Uma característica interessante neste padrão é a possibilidade de transmissão audiovisual em qualidade HDTV (High Definition television), mas devido ao alto custo dos aparelhos receptores que ofereçam esta tecnologia, poucos usuários têm acesso às imagens em alta definição. Outra característica deste padrão é a possibilidade de operar com largura de banda de 6MHZ.

 

Padrão DVB-T

 

Este padrão é o mais difundido pelo mundo, sendo utilizado em diversos países da Europa, Oceania, Ásia, África e alguns países da América do Sul. “O projeto é um consórcio iniciado em setembro de 1993 e composto por mais de 300 membros, incluindo fabricantes de equipamentos, operadoras de redes, desenvolvedores de software e órgãos de regulamentação de 35 países” (FERNANDES, 2004, p. 23).

 

De acordo com Bolaño (2004) o DVB-T foi desenvolvido após a criação do padrão ATSC, desta forma alguns erros presentes no padrão americano foram evitados, tais como maior imunidade a ruídos através de um novo esquema de modulação, o COFDM (Coded Orthogonal Frequency Division Multiplexing), possibilitando também a recepção móvel do sinal de TVD, além de operar com canais de 6, 7 ou 8 MHZ. No entanto, o padrão DVB apresenta um bloqueio à introdução de HDTV em aparelhos receptores, mesmo este apresentando condições favoráveis ao uso desta tecnologia.

 

Padrão ISDB-T

 

Conforme descrito por Fernandes (2004), o padrão ISDB-T foi promovido através de um grupo denominado DiBEG (Japanese Digital Broadcasting Experts Group), formado por várias empresas e operadoras de televisão. Segundo Zuffo (2003), este modelo apresenta características semelhantes ao padrão Europeu, além de proporcionar um diferencial em relação ao sistema de segmentação no espectro do canal transmitido, viabilizando a alocação flexível de serviços de rádio, SDTV, HDTV e TV móvel. Diferente do padrão DVB-T, o ISDB-T emprega fortemente a tecnologia HDTV além de oferecer melhor imunidade a ruídos, além de oferecer o serviço de portabilidade, ou seja, será possível obter a recepção de conteúdo de alta qualidade tanto de imagem como de áudio através de equipamentos portáteis.

 

Breve Histórico da TV No Brasil

 

De acordo com Trindade (2004), a televisão tem sido um dos mais importantes meios de difusão de informações desde suas primeiras transmissões regulares ocorridas em 1941, nos Estados Unidos. Valim (1998) menciona que a primeira transmissão de televisão no Brasil ocorreu em 1939, na Feira Internacional de Amostras na cidade do Rio de Janeiro, utilizando equipamentos de origem alemã, mas a popularização da TV se deu a partir de 1950 quando Assis Chateaubriand distribuiu os primeiros aparelhos de televisão em diversas localidades na cidade do Rio de Janeiro. Desde então a televisão tem se tornado, segundo Zuffo (2003), um instrumento de integração nacional devido aos serviços de informação e entretenimento disponibilizados abertamente, onde o mesmo sinal analógico é transmitido por todo país rompendo qualquer fronteira cultural ou social.

 

Durante a década de 60, de acordo com Trindade (2004), o Brasil foi capaz de desenvolver seu próprio sistema de televisão a cores, o PAL-M modelado a partir do padrão europeu PAL (Phase Alternated Lines). A necessidade de criação de um próprio padrão ocorreu devido à frequência da rede elétrica brasileira ser de 60 Hz, diferente dos outros países onde a frequência é de 50Hz, característica esta, que influencia diretamente nas propriedades dos sistemas de cores como resolução e quadros por segundo. Conforme citado por Valim (1998), em março de 1972 o governo militar homologou o sistema PAL-M, e em 19 de Fevereiro de 1979 ocorreu a primeira transmissão oficial em cores. Desde então a televisão brasileira tem evoluído de tal forma a se tornar um modelo de produção audiovisual no mundo.

 

Televisão Digital no Brasil

 

A primeira iniciativa governamental a favor da implantação da televisão digital ocorreu em 1991, através do Ministério de Estado das Comunicações da Comissão Assessora de Assuntos de Televisão (COM-TV), propondo a atribuição de Televisão de Alta Definição ao nosso sistema. Esta iniciativa alavancou os estudos de implantação da TVD no país por um grupo formado pela Sociedade de Engenharia de Televisão (SET) e Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Com a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e consequentemente extinção da COM-TV, iniciou-se o processo de seleção do sistema de TVD Brasileiro através de uma publicação para expedição de autorização de testes com os padrões mundiais já existentes, com o intuito de determinar qual sistema seria mais adequado ao nosso. Em janeiro de 1999, a Anatel contratou a Fundação do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD) para assessorar tecnicamente as pesquisas realizadas com os padrões de TVD, e então tomou conhecimento das empresas credenciadas a participar dos experimentos e suas respectivas parcerias. A partir deste momento, o CPqD assumiu a responsabilidade de validar os materiais e métodos empregados nos testes realizados pelas entidades responsáveis pelo embasamento teórico e prático dos sistemas de TVD. À medida que os resultados foram divulgados, o órgão CPqD emitia relatórios validando os avanços e restrições encontrados no decorrer dos testes realizados pelas entidades civis. Um importante passo em busca do padrão que melhor se adaptaria ao nosso país foi a escolha da modulação a ser empregada. Os tipos de modulação testados foram a 8-VSB utilizada no sistema ATSC (Americano) e a modulação COFDM, adotados pelo padrão europeu DVB e japonês, ISDB.

 

O grupo Abert/Set divulgou através da Consulta Pública (CP) nº 216 de 17 de Fevereiro de 2000 as seguintes conclusões a respeito dos tipos de modulação avaliados:

 

A modulação COFDM, além de tecnicamente superior é mais adequada às condições brasileiras que a modulação 8VSB, e, portanto, propomos à ANATEL que o sistema de TVD a ser selecionado para adoção no Brasil utilize a modulação COFDM.  (Abert/Set, 2000).

 

Bolaño (2004) menciona que os argumentos que conduziram o grupo Abert/Set a chegar a tal conclusão são de que a modulação COFDM apresenta uma melhor performance em relação à imunidade a ruídos além de acarretar um custo superior às estações emissoras e consequentemente um custo inferior aos telespectadores, uma característica interessante, uma vez que os aparelhos de televisão estão presentes em mais de 90% dos domicílios brasileiros. Após escolhido a modulação que melhor se acomodaria em nosso sistema de difusão de TV, a próxima etapa seria a escolha entre os padrões DVB e ISDB. Então foram levadas em considerações as vantagens e desvantagens de cada sistema, e observou-se uma propriedade conveniente particular do sistema ISDB, que é o melhor desempenho na recepção do sinal em antenas internas, possibilitando a recepção de sinais audiovisuais em aparelhos móveis ou portáteis.

 

De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (2000), outro fator importante que favoreceu a escolha do padrão ISDB foi a possibilidade de criação de uma nova canalização no território brasileiro. Sendo assim, os novos canais disponíveis seriam utilizados para a transmissão do sinal digital, enquanto que os canais já utilizados atualmente continuariam transmitindo o sinal analógico por um determinado período de tempo, até a Anatel decretar o fim das transmissões de televisão por sinal analógico.

 

Bolaño (2004) ainda ressalta que uma das soluções mais atraentes para os consumidores, emissoras e fabricantes de TV, é a tecnologia HDTV, imagens em alta definição, que é um aspecto fortemente presente no sistema ISDB. No entanto, esta mesma característica desfavoreceu a escolha do DVB, pois mesmo suportando a exibição do HDTV, o mercado atual ainda não investiu em tecnologia para a produção de aparelhos que suportem esta tecnologia. A partir das conclusões obtidas através das pesquisas realizadas pelo grupo Abert/SET, a fundação CPqD reuniu todas as informações coletadas e também gerou relatórios para a Anatel e os publicou, como o Relatório Integrador dos Aspectos Técnicos e Mercadológicos da Televisão Digital, que simbolizou um marco de tudo o que foi feito e tudo que poderá ser feito para que ocorra uma transição de transmissão analógica para digital de maneira harmônica visando o mínimo impacto possível na sociedade, além de possibilitar:

 

A contribuição para a superação do problema da exclusão social na sociedade da informação; a contribuição para elevação do nível cultural e educacional da sociedade; a contribuição para a melhoria do nível de emprego no país; os benefícios para o telespectador; a contribuição para uma mais rápida transição para um ambiente totalmente digital; a abertura para novas aplicações no futuro. (CPqD, 2001, p. 138).

 

Conforme Tavares (2005), após a transição de governo no Brasil em 2002, novas políticas foram adotadas para dar andamento na definição do melhor padrão de TVD a ser adotado, e consequentemente implantar tal sistema em nosso país. Em 2003, foi lançado o Decreto n° 4.901 instituindo o Projeto do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) que listou a criação de um Comitê de Desenvolvimento, um Grupo Gestor e um Comitê Consultivo para analisar as possibilidades não só no âmbito de televisão, mas também o social, cultural, econômico além de promover a inclusão digital e o fluxo de informação por todo o país. O conselho gestor denominado FUNTTEL apresentou ao Comitê de Desenvolvimento em 17 de Dezembro de 2005 um relatório contendo todo o estudo já realizado sobre o SBTVD. Sendo assim, conforme descrito em Teleco (2007), restava somente um decreto oficial para validar as definições do modelo de referência do SBTVD, o padrão de televisão digital a ser adotado no Brasil, a forma de exploração do serviço de TVD, seu período e modelo de transição do sistema analógico para o digital.

 

De acordo com Teleco (2007), finalmente em 29 de Julho de 2006, foi publicado o decreto nº 5.820 dispondo “a implantação do SBTVD-T, estabelecendo diretrizes para a transição do sistema de transmissão analógica para o sistema de transmissão digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão”, adotando como base o padrão ISDB-T, além de incorporar novas tecnologias aprovadas pelo Comitê de Desenvolvimento, conforme Decreto nº 5.820 (2006). Este decreto também outorga a radiodifusão de sons e imagens para a transmissão somente em tecnologia digital a partir de 1º de julho de 2013. Como este prazo é curto tendo em vista os impactos que ocorrerão tanto nas estações transmissoras como nos receptores residenciais, o Ministro de Estado das Comunicações publicou a Portaria nº 652 de 10 de Outubro de 2006 definindo o cronograma de implantação do sistema de TVD definindo etapas a serem cumpridas pelas Emissoras de TV analógica se adequar ao novo sistema de transmissão terrestre.