Seção: Tutoriais Banda Larga

 

Banda Larga I: Telecomunicações e o Brasil

 

A privatização das telecomunicações e a implementação de um modelo de competição são eventos recentes em todo mundo e em particular no Brasil.

 

Notadamente, a adoção do modelo de reestruturação do setor foi cercada de inúmeras incertezas quanto aos seus resultados efetivos, no que diz respeito principalmente à introdução da concorrência nos segmentos ditos competitivos e ao alcance das metas de universalização. De fato, a Exposição de Motivos nº 231, de 10 de dezembro de 1996, que encaminhou o Projeto da LGT ao Congresso nacional, descreve com clareza as alternativas consideradas, o grau de incerteza e as estratégias para superar e evoluir com a legislação de modo a estar permanentemente atualizada com o desenvolvimento da indústria.

 

Segundo a Exposição de Motivos, de modo a alcançar seus dois objetivos primordiais, a LGT visava:

  • O fortalecimento do papel regulador do Estado e eliminação do seu papel como empresário, contemplando a promoção de um grau adequado de supervisão sobre o setor e conseqüente privatização das empresas sob controle acionário da União, bem como a outorga de novas licenças para que operadores privados prestassem serviços de telecomunicações no país;
  • A expansão e melhoria da oferta de serviços via diversificação da oferta e melhoria dos padrões de qualidade;
  • A criação de oportunidades atraentes de investimentos na indústria e renovação tecnológica sob ambiente competitivo, via atração de capitais privados, construção de um ambiente que propiciasse o desenvolvimento da competição justa no mercado e facilitasse a consolidação de novos participantes e, finalmente, gerando condições que estimulassem a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico e industrial;
  • A harmonização do desenvolvimento da indústria de telecomunicações com as metas de desenvolvimento do país via redução das disparidades de cobertura dos serviços de telecomunicações intra-regionais e entre as diversas faixas de renda; criação de condições para a prática de tarifas razoáveis e justas para os serviços de telecomunicações; promoção de serviços de telecomunicações que incentivem o desenvolvimento econômico e social do País; e alcance de metas específicas de universalização;
  • A maximização do valor de venda das empresas estatais da indústria sem prejuízo aos objetivos acima listados.

 

Uma vez fixados em lei, tais objetivos orientariam todo o processo de reforma do setor até a sua implementação, em especial, na privatização das empresas do Sistema Telebrás, que era vista como fundamental para atingir os objetivos preconizados.

 

Naquele momento, os serviços públicos de telecomunicações no Brasil eram explorados pelo Sistema TELEBRAS – Telecomunicações Brasileiras, um sistema composto de uma empresa holding TELEBRAS, por uma empresa de serviços de longa distância nacional e internacional que também explorava os serviços de comunicação de dados e telex, EMBRATEL – Empresa Brasileira de Telecomunicações e por 27 empresas de âmbito estadual ou local. Existiam quatro empresas independentes, sendo três Estatais (a CRT no Rio Grande do Sul, a SERCOMTEL em Londrina e a CETERP em Ribeirão Preto) e uma Empresa privada que atuava no triangulo mineiro, no nordeste de São Paulo, no sul de Goiás e no sudeste de Mato Grosso (CTBC).

 

O Sistema TELEBRAS detinha, à época da reforma, cerca de 90% da planta de telecomunicações existente no País e atuava em uma área em que viviam mais de 90% da população brasileira. A União Federal detinha o controle acionário da TELEBRAS, com pouco mais de 50% de suas ações ordinárias, que representavam cerca de 22% da totalidade do capital. A maior parte das ações era de propriedade particular, com cerca de 25% em mãos de estrangeiros e o restante pulverizado entre milhões de acionistas. Ainda, o atendimento à população se concentrava nas classes A e B, com cerca de 80% dos terminais residenciais, demonstrando que as classes menos favorecidas não dispunham de atendimento nem na solução coletiva, dado que o número de telefones públicos era insuficiente e mal distribuído. Conforme apresentado, tal desproporção na cobertura de serviços tanto entre níveis de renda como em localização geográfica era um dos grandes desafios do programa de reestruturação da indústria.

 

Para enfrentar esse desafio, uma das principais características da reestruturação da indústria nacional foi sua divisão geográfica e por linhas de negócios. Embora essa tenha sido a linha mestra da reforma, na Exposição de Motivos, consideraram-se os prós e contras da continuação de uma estrutura de monopólio em comparação com uma estrutura de monopólios regionais (Resenha ver MATTOS, 2002). Dentre os argumentos listados pela continuação do monopólio nacional, o mais importante era a criação de uma empresa com economias de escala e escopo grandes o suficiente para gerar uma empresa de porte internacional, capaz de competir no mercado internacional mais rapidamente do que empresas de menor porte. Outra vantagem seria a pujança financeira para incorrer nos investimentos necessários para renovação e expansão da infraestrutura nacional, e o atendimento das metas de universalização e qualidade dos serviços almejados pelo governo.

 

No que tange aos argumentos favoráveis à divisão em monopólios regionais, foram considerados a atratividade das empresas ao capital privado, em especial o capital internacional, tendo em vista a importância da transferência dessas empresas à iniciativa privada e as necessidades de financiamento externo do governo à época. Em complemento as estes argumentos, adiciona-se a possibilidade de maior arrecadação com a venda de 3 unidades e a maior facilidade de venda por envolver menores valores do que uma venda única. Outro aspecto que foi considerado foi o potencial de competição que seria criado entre estas Empresas Regionais, quando elas fossem prestar serviços fora da sua área de monopólio, hipótese esta que não se confirmou.

 

A decisão do governo, objeto do decreto número 2.534 de 02 de abril de 1998, foi pela regionalização e foram criadas quatro regiões (Decreto Presidencial número 2534, disponível em www.anatel.gov.br).

 

Passados mais de dez anos desta reestruturação, apesar dos avanços em várias áreas e serviços, pouco se fez para se atingir uma efetiva competição na prestação de serviços ao consumidor final no que diz respeito à banda larga, ficando o mercado dependente das ofertas das Concessionárias de Serviços de Telefonia Local.

 

Diante deste quadro, um novo desafio se estabelece na medida em que as demandas da sociedade se deslocam para a necessidade de serviços de telecomunicações em banda larga, dada a influência da rede Internet neste contexto da sociedade, requerendo a oferta diversificada de acessos a este serviço de forma rápida eficaz e a preços acessíveis a maior parte da população. Portanto, este novo desafio, mais uma vez de natureza regulatória, requer a adoção de regras já estabelecidas na Lei Geral de Telecomunicações, complementadas por novos instrumentos, seguindo caminhos já estabelecidos em outros países que demonstraram ser efetivos.

 

As justificativas para um novo impulso na indústria de telecomunicações encontram suporte nos importantes avanços tecnológicos em várias áreas ligadas à tecnologia da informação e comunicação. O processo de digitalização avançou em diversos setores criando os circuitos digitais, telefones celulares, satélites, cabos de fibra óptica, os softwares que realizam o roteamento de circuitos e dados, além de outras funções ligadas à prestação dos serviços de telecomunicações.

 

O conseqüente aumento da complexidade dos serviços ofertados determinou o ritmo de obsolescência de algumas regras regulatórias, cuja rigidez implicava um tratamento desigual das diferentes linhas de negócios de diferentes empresas.

 

Este quadro recomenda uma revisão regulatória e exige uma sofisticação em todo o processo de supervisão das facilidades consideradas essenciais para o desenvolvimento da competição no setor de telecomunicações, em particular, no serviço de banda larga.

 

Conforme ressaltado por Laffont & Tirole (2000), um aspecto importante da indústria de telecomunicações é a presença de um grande número de concorrentes ativos e potenciais. Além dos tradicionais operadores de telefonia fixa e móvel, outros operadores, como de TV – Televisão a cabo, proprietários de malha ferroviária, distribuidoras de eletricidade, gás ou água, também podem fazer uso de suas infraestruturas para prover os mesmos serviços de telecomunicações. Da mesma forma, empresas na área de software podem contribuir fortemente para evolução dos serviços ofertados pelo setor. A busca por sinergias (ou economias de escopo) e a perspectiva de desregulamentação do setor de telecomunicações explicam em parte um novo movimento de reestruturação observado (Para maiores detalhes, ver LE BLANC & SHELANSKI, 2003).

 

Há, portanto, potencial para estabelecer competição, dependendo fundamentalmente da regulamentação que pode incentivar novos investimentos nos serviços de banda larga e, em especial, da atuação dos órgãos reguladores responsáveis pela gestão deste processo de competição conforme estabelecido na LGT.

 

Ao avaliarmos os últimos dez anos, encontramos novas mudanças no setor que continuaram a ocorrer em todo o mundo. Movimentos de consolidação entre empresas em diversos países geraram inúmeros estudos por parte dos órgãos reguladores e autoridades de defesa da concorrência. Em alguns países, reformas na organização regulatória foram adotadas, como é o caso da OFTEL (Órgão Regulador das Telecomunicações no Reino Unido) que passou a ser OFCOM (Órgão Regulador das Comunicações) como forma de se adaptar a este novo cenário.