Seção: Tutoriais Banda Larga

 

Banda Larga II: Brasil – Escolha do Modelo mais Adequado

 

Um aspecto que consideramos central nesta discussão, parte do princípio de que a competição será benéfica para a sociedade, com a queda nos preços, inovação e melhor atendimento aos clientes. Nos mercados regulados como o de Telecomunicações, uma forma de avaliar o nível de competição pode ser visualizada no diagrama a seguir do autor. Os mercados podem se dizer competitivos quando o usuário tem opção de escolha do prestador, os preços sofrem quedas e a inovação é uma prática usual para captura dos clientes.

 

Figura 1: Diagrama ilustrativo do processo de competição

Fonte: Elaboração própria

 

A questão então se resume a que medidas poderão ser tomadas visando à entrada de novas Empresas no mercado em condições competitivas com a Empresa Dominante estabelecida, visando estabelecer um ambiente de competição no mercado.

 

Opções de Modelos de Competição Escolhidas

 

A viabilidade de se estabelecerem novas Empresas com plataformas de rede completas competitivas depende fundamentalmente de fatores, tais como, a capacidade de investimento, o acesso à tecnologia o acesso às informações de clientes assim como a atratividade da oferta de serviço de forma competitiva, visto pelos clientes. A diferença fundamental no estabelecimento de ofertas competitivas pode ser verificada quando analisamos o caso das Concessionárias de Telefonia dominantes no mercado, que estabeleceram as suas plataformas de serviços de banda larga suportadas pela mesma rede telefônica e ofertam os serviços de banda larga aos seus já clientes de telefonia. Da mesma forma as redes de TV por assinatura usam a mesma estrutura da rede e de prestação de serviços para prestar os serviços de banda larga também aos seus clientes.

 

Recentemente as Prestadoras de Serviço Móvel Celular, que inicialmente prestavam exclusivamente telefonia, passam a prestar serviços de banda larga na mesma estrutura de rede. Outras iniciativas recentes, de investimentos específicos em acessos em fibra óptica se utilizam da mesma infraestrutura da rede de telefonia para viabilizar a solução. Em resumo pode-se dizer que a infraestrutura utilizada para prestação dos serviços de telefonia é o mais importante fator para viabilizar os serviços de banda larga, porque ela além de suportar a banda larga via DSL, também suporta os serviços móveis celulares e a banda larga via 3G e a infraestrutura das conexões de fibra óptica no acesso. .

 

O caminho da utilização da rede das Dominantes segue o princípio da viabilidade de entrada rápida de uma nova Prestadora de serviço que viabiliza um ambiente de competição pela captura de clientes e que pode evoluir para plataformas próprias de rede, na medida em que esta alternativa se caracterize mais atrativa para a Empresa entrante no mercado, do que se utilizar da rede da Empresa Dominante no mercado.

 

Em resumo, avaliadas as opções de Modelos de Competição, selecionamos os três caminhos para escolha em relação à principal tônica a ser adotada para os serviços de telecomunicações em banda larga:

  • A competição entre Plataformas de Serviços (Rede Telefônica com DSL, Rede de Cabos de TV por Assinatura com o “cabe modem”, Redes de Serviços Moveis Celulares na terceira geração - 3G e Redes de acesso em fibras ópticas). Este tipo de competição é também conhecido como INTERMODAL.
  • A competição prioritariamente realizada com o uso da Rede de Telefonia da Prestadora Dominante. Neste caso, a Prestadora de Serviço Entrante no mercado usa a Rede da Empresas Dominante e investe em equipamentos, sistemas e processos para gerar os serviços de banda larga. Este tipo de competição é também conhecido como INTRAMODAL.
  • A competição com uso da Rede da Prestadora Dominante nos mesmos moldes da opção anterior, sendo adotado o Modelo de Separação Funcional na organização administrativa da Prestadora de Serviços Dominante, separando as atividades de implantação e exploração da rede de telecomunicações (no atacado) das atividades de prestação do serviço ao usuário final (no varejo). Este modelo visa garantir que as regras de tratamento isonômico previstas na regulamentação do setor, sejam praticadas. Da mesma forma, como no caso anterior podemos considerar como INTRAMODAL.

 

Certamente existem prós e contras em cada alternativa, que vão depender da participação de cada agente neste processo de competição (Prestadoras de Serviço, Agência Reguladora e Consumidores), das suas respectivas atividades e comportamentos e, em última análise, dos resultados alcançados para a sociedade.

 

De forma a explicitar a visão dos agentes envolvidos, elaboramos um quadro qualitativo das posições que entendemos ser de cada um dos agentes envolvidos neste processo:

 

Tabela 2: Posicionamento dos Agentes em relação ao Modelo de Competição

adotado nos Serviços Telecomunicações em Banda Larga

Agentes Intermodal: Plataformas distintas Intramodal: Uso de rede sem separação funcional Intramodal: Uso de rede com separação funcional
Órgão Regulador Controles e fiscalização reduzidos*

Difícil controle, exige grande esforço do órgão regulador e custos elevados.

Controle mais efetivo com menores custos
Prestadoras de Banda Larga Dominantes em Telefonia Modelo preferido. Competidores têm que realizar investimentos em infraestrutura de grande porte. Não tem interesse em atender o competidor. Maior controle do órgão regulador. Competidor passa a ser cliente no atacado. Menor controle do órgão regulador.
Prestadoras Entrantes Mercado Banda Larga Requer investimentos em infraestrutura elevados sem garantia de clientes. Risco de não obter os recursos de rede da Dominante por falta de atuação do órgão regulador. Maior estabilidade na obtenção dos recursos de rede no atacado e tratamento isonômico como cliente.
Clientes de Serviços de Banda Larga Poucas opções de Empresas Prestadoras de Serviço. Maior número de Prestadores de Serviço, dependendo do Órgão Regulador. Muitas Empresas Prestadoras de Serviço atuando no varejo.

 

Fonte: Elaboração própria

 

Nota: * Atenção deve ser dada pela agencia reguladora nos casos em que a Prestadora de serviço detém mais de uma plataforma de serviços como Rede Telefônica Fixa, Rede Móvel Celular 3G e Rede de TV a Cabo de modo a impedir práticas de domínio do mercado por preço.

 

Resumo Analítico e o Processo de Avaliação

 

Nos países onde houve crescimento elevado da taxa de penetração dos serviços de banda larga, objeto da comparação que realizamos anteriormente, este crescimento da penetração do serviço foi acompanhado de um conjunto de políticas regulatórias que permitiram esta enorme mudança no cenário conforme comentaremos a seguir.

 

A partir de dados apresentados da OCDE (OECD COMMUNICATIONS Outlook 2007) e mais especificamente da experiência do Japão, da França e do Reino Unido na sua fase inicial de competição, podemos verificar que um conjunto significativo de países que participam da entidade tem adotado a política de regular o acesso às redes das Empresas Dominantes de Telefonia (incumbents) por meio do uso dos elementos de rede local de forma desagregada (Unbundling local loop – ULL) como forma de estimular a competição nos serviços de banda larga, viabilizando com isso a entrada de novas Empresas no mercado.

 

Um resumo analítico a partir dos dados apresentados nos permite montar o seguinte quadro comparativo em relação a países desenvolvidos e em desenvolvimento, no tocante a preços e penetração dos serviços de banda larga.

 

Tabela 3: Indicadores de competição em serviços nos países desenvolvidos e em desenvolvimento

Países Desenvolvidos Em desenvolvimento
Renda Elevada Baixa
Preços dos serviços de Banda Larga Menores Maiores
Nível de competição em número de Empresas Elevado Baixo
Nível de penetração do serviço de B.L. Elevado Baixo

 

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da OECD

 

Um aparente contra-senso desta análise indica que os países com maior renda por habitante que poderiam pagar mais pelo serviço, na realidade pagam muito menos. Por outro lado, de forma coerente nos países desenvolvidos, a penetração do serviço é elevada, se dá com um maior número de Empresas no Mercado e os preços praticados são bem inferiores e seguem uma tendência de queda, conforme dados apresentados de experiências de outros países membros da OCDE.

 

O avanço tecnológico que o setor de telecomunicações vem experimentando gera enormes quedas de custos (tanto no núcleo das redes quanto nos equipamentos e terminais periféricos), o que viabiliza a redução dos preços ao consumidor final de serviços de banda larga.

 

Outra questão sobre a evolução da penetração e preços dos serviços de banda larga refere-se ao nível de competição que possa existir entre diferentes plataformas de redes e serviços, como é caso da rede de telefonia versus a rede de cabos de TV por assinatura e, mais recentemente, as redes de serviços celulares que produzem soluções de serviços de banda larga e que teoricamente estariam promovendo a competição com a queda dos preços.

 

O aspecto fundamental a se considerar é sobre a questão da propriedade destas redes que, em muitos casos, como no Brasil, pertencem ao mesmo grupo econômico. Nesses casos a Empresa Dominante em telefonia fixa local pertence ao grupo que também explora o serviço de banda larga com a tecnologia DSL e presta o mesmo serviço com a tecnologia móvel 3G e também tem rede da TV por assinatura (cabo ou radiofreqüência). Esta situação, sem dúvida, independente dos custos associados a cada solução tecnológica, faz com que os preços dos serviços aos clientes finais sejam mantidos num mesmo patamar. Medidas no sentido de impedir que Empresas do setor de telefonia atuem nos serviços de TV por assinatura e vice-versa cada vez mais se tornam inócuas dado o processo de integração das redes, conforme já amplamente explorado neste trabalho.

 

A competição entre diferentes plataformas tecnológicas de serviços de banda larga está, portanto sujeita ao risco de práticas anticompetitivas, reduzindo a competição no caso dos detentores destas plataformas serem dos mesmos grupos econômicos.

 

Diante de situações como a descrita acima, a prática de uso de rede com a desagregação dos elementos de rede como forma de atrair novas Empresas para o mercado reduz a concentração nos serviços prestados no varejo e gera uma efetiva competição calcada em inovação e preços e, portanto, ganha mais força na escolha do modelo.

 

A alternativa de separação funcional, bastante desenvolvida neste trabalho e com a aplicação descrita em detalhes no caso do Reino Unido, decorre fundamentalmente das situações nas quais a prática de uso de rede das Empresas Dominantes no mercado não propiciou os efeitos desejados, particularmente pela não adoção de condições isonômicas no fornecimento destes recursos de rede para as Empresas Entrantes no mercado.

 

Ainda como uma diretriz para a escolha de um modelo para desenvolvimento dos serviços de banda larga, é importante buscar uma referência sobre as principais tendências futuras para as tecnologias e serviços de telecomunicações. Na nossa pesquisa encontramos o trabalho de Bob Larribeau, analista principal da TELECOM VIEW, publicado em 2008 (Telecom 2020 Transfomations Strategies - www.telecomview.info) sobre as tendências das telecomunicações. Deste trabalho destacamos:

  • A questão relativa à necessidade de simplificação dos serviços e redes de telecomunicações, como forma de facilitar o entendimento dos consumidores, e desta forma prover serviços que melhor atendam às suas necessidades;
  • O ambiente atual é cercado por uma diversidade de tecnologias de redes que tendem a convergir e se consolidar. Uma forma de simplificar a organização do mercado é permitir a consolidação destas redes, incluindo redes com e sem fio (wireless), mas promover a separação do acesso a estas redes do provimento de serviços aos consumidores finais que seriam atendidos com muitos prestadores de serviços;
  • A maior fonte de tráfego nas redes será originária de novas aplicações, como vídeo pela Internet (IPTV – Internet Protocol - Televisão).
  •  

As previsões do autor do citado estudo indicam que o tráfego de dados nas redes no período até 2020 deve crescer a um fator de 100 vezes e o custo de transporte destes dados por Gbit/s deve decrescer a uma taxa 100 vezes.

 

Estas são, em síntese, um conjunto de variáveis que podem orientar as escolhas dos modelos e melhores políticas para o desenvolvimento do setor neste segmento de serviços de telecomunicações em banda larga.

 

Portanto, observando os diversos pontos de vista, uma análise criteriosa deve ser realizada em cada caso, de modo a se configurar um modelo mais adequado às condições de cada país.

 

Como analisado, as três opções de modelos selecionados para geração de competição no mercado de serviços de banda larga são:

  • Competição entre plataformas;
  • Competição com o uso da rede das Empresas Dominantes no mercado pelas entrantes por meio da desagregação dos elementos de rede;
  • Competição com uso da rede das Empresas Dominantes com a adoção da separação funcional das atividades de rede (atacado) das de prestação de serviço (varejo) em unidades organizacionais distintas.

 

Um método para escolha da melhor alternativa consiste em responder a um conjunto de questões que formulamos a seguir:

  • Existem Plataformas de serviços concorrentes em escala suficiente (cobertura e número de terminais) para gerar competição nos serviços de banda larga?
  • O mercado é atendido por vários prestadores de serviços de banda larga?
  • Os preços dos serviços de banda larga têm apresentado quedas significativas nos últimos anos?
  • A desagregação dos elementos de rede das Empresas Dominantes já é adotada e várias Empresas Entrantes no mercado se utilizam deste recurso para prestar serviços de banda larga?
  • A Agência Reguladora realiza uma gestão adequada do fornecimento e dos preços dos recursos de rede das Empresas Dominantes para uso pelas Empresas Entrantes no mercado?

 

Se a resposta a este conjunto de questões for SIM para todas, estamos diante de um modelo de efetiva competição no mercado de serviços de banda larga. Caso a resposta a estas mesmas questões seja NÃO para todas, estamos diante de uma situação de falta de competição e ineficácia da Agencia Reguladora na gestão das Empresas Dominantes e no processo de competição.

 

A partir de um fluxograma “Processo de avaliação da competição no mercado de serviços de banda larga” apresentado a seguir, podemos reproduzir de forma sistemática o conjunto de questões que devem ser respondidas e com isso orientar as ações das autoridades responsáveis pelo desenvolvimento das telecomunicações na escolha do melhor Modelo a ser adotado.

 

Figura 2: Fluxograma “processo de avaliação da competição no mercado de serviços de banda larga”

Fonte: Elaboração própria

 

Neste fluxograma introduzimos basicamente nas questões a serem respondidas apresentadas anteriormente, um ponto adicional de verificação (benchmarking internacional, cujas informações podem ser obtidos nas publicações da OCDE e da UIT) dos preços e da penetração do serviço de banda larga em outros países. A comparação entre os resultados de outros países com os obtidos no Brasil resultaria em referências para fixação de metas que deveriam ser atingidas no país e o modelo escolhido para o Brasil estaria inserido num contexto mundial competitivo.

 

Exercício para o Caso Brasileiro

 

Não resta dúvida quanto aos objetivos que se pretende atingir em relação à disseminação dos serviços de telecomunicações em banda larga por toda a sociedade, haja vista a enorme contribuição para o desenvolvimento econômico e social que eles propiciam.

 

A disseminação do serviço de banda larga, por sua vez, pode ser medida pelos indicadores de penetração do serviço medido pelo número de acessos por 100 habitantes, redução dos preços e inovação medida pela capacidade de transporte de dados medida em bit/segundo (bit/s) atingidos no Brasil. Ao comparar os indicadores brasileiros com os resultados obtidos em outros países, pode-se fixar metas e avaliar a evolução dos resultados.

 

Como ponto de referência para nossa análise, apresentamos os dados relativos ao Brasil comparando-os com os dos países da OCDE:

  • 14,8 milhões de acesso no Brasil (junho de 2009) comparados com a média dos países da OCDE de 21,3 milhões (junho de 2008).
  • Penetração do serviço no Brasil de menos de 8 acessos por 100 habitantes (junho de 2009) comparados com os países desenvolvidos que estão acima de 22 (junho de 2008).
  • Velocidade média (capacidade de transporte em bit/s) no Brasil em torno de 1,1 Mbit/s (2007) comparados com a média da OCDE de 13,7 Mbit/s (2007).
  • Faixa de preços por Mbit/s no Brasil de US$ 107,53 comparada, com os países da OCDE que variam desde o grupo de países como Coréia do Sul, Reino Unido, Japão, França e Itália na faixa de US$ 3 a 5 por Mbit/s, passando por Noruega, Alemanha, Suíça e Luxemburgo na faixa de US$ 7 a 9,8 por Mbit/s até países com economias menos favorecidas como México, com US$ 63,3 por Mbit/s, e Turquia, com US$ 97,4 por Mbit/s, conforme mencionado anteriormente.

Para avaliar a penetração da banda larga no Brasil, vamos identificar os fatores que influenciam este movimento. Os dados apresentados anteriormente relativos aos países da OCDE mostram a clara evolução da queda dos preços com o conseqüente aumento da penetração do serviço de banda larga. A simples extrapolação destes dados para o Brasil levaria a conclusões semelhantes para o caso brasileiro. Entretanto a potencialidade do mercado, medida pelo baixo poder aquisitivo da população, pode ser um limitador para o crescimento da demanda de serviços de banda larga e, sempre se traduz numa dúvida em todos os estudos neste campo.

 

Em relação aos fatores que podem afetar o mercado de banda larga, existem estudos na literatura, mas a maioria se limita a fazer uma análise comparativa de diversos mercados (nacionais) de banda larga, procurando encontrar padrões que se repetem e afetam o desenvolvimento da banda larga. O estudo de Cava-Ferreruela e Alabau-Muñoz [2006] faz uma análise empírica dos determinantes da oferta e demanda por banda larga com base em dados de países da OCDE (ver, por exemplo, OECD [2001] e Wu [2004] e Picot and Wernick, 2007).

 

Os resultados desse estudo indicam que os principais fatores que impactam o desenvolvimento da banda larga são a concorrência em infraestrutura, isto é, a existência de mais de uma rede (diferentes tecnologias) capaz de oferecer serviços de banda larga, o baixo custo de implantação de novas redes, e a predisposição da população a usar novas tecnologias.

 

O estudo de Cava-Ferreruela e Alabau-Muñoz [2006] usa dados para os anos de 2000 a 2002, quando o mercado de banda larga ainda era incipiente, mesmo nos países mais desenvolvidos da OCDE.

 

COUTINHO 2008 no seu trabalho realizou um teste empírico, com base em dados mais recentes, buscando a validade da tese de que a concorrência entre infraestruturas é um dos principais motores do desenvolvimento da banda larga. O estudo se concentrou basicamente na questão da concorrência da plataforma de telefonia DSL com a de TV por assinatura via cabo, concluindo que a competição entre estas infraestruturas seria essencial para o desenvolvimento da banda larga no Brasil.

 

No nosso ponto de vista não é surpresa que os assinantes de TV a cabo assinam o serviço de banda larga da mesma empresa e que esta seria uma forma de crescimento do serviço e da competição. Entretanto, conforme já exposto neste trabalho, este número de assinantes de TV por assinatura via cabo no Brasil é pouco representativo e sofre concorrência de um mesmo serviço na tecnologia via satélite. Este serviço via satélite não cria obviamente a infraestrutura de uma rede de cabos para a banda larga, o que reduz o potencial de clientes de banda larga na infraestrutura da rede de cabos. O número de assinantes de TV por assinatura no Brasil em abril de 2009 apresentou ligeira queda, passando de 6,61 milhões para 6,58 milhões. Os dados são da ANATEL que apontam a redução da predominância da tecnologia de cabos, que detém 60,13% do mercado. As TV’s por assinatura via satélite aumentaram a sua participação no mercado de 32,62%, em março para 33,57% em abril de 2009. Os assinantes de TV por assinatura via satélite se utilizam basicamente de serviços de banda larga na tecnologia DSL providos pelas Concessionárias de Telefonia Local.

 

Portanto, apesar de concordar com o incentivo a esta concorrência, proposto no estudo de COUTINHO 2008, não acreditamos que a rede de cabos decorrente do serviço de TV por assinatura possa influenciar efetivamente numa queda de preços e no aumento significativo da penetração da banda larga no país.

 

A seleção dos três modelos de competição com suas características diversas quanto ao processo de gestão visa identificar os caminhos que poderão ser seguidos pelas autoridades de cada país com vistas a atingir estes objetivos e permite avaliar o relacionamento entre o regulador e as Empresas reguladas.

 

O desenvolvimento do nosso trabalho, em face das características do setor, tem como premissa que o setor de telecomunicações evolui de um modelo de monopólio para um de competição regulada (mercado de concorrência imperfeita).

 

Como exercício para escolha do modelo mais adequado à realidade brasileira, pretendemos nos orientar naquele que propicie um maior nível de competição de modo a obter os melhores resultados para aquele conjunto de indicadores. Nosso posicionamento é sustentado por inúmeras análises de governos e autoridades regulatórias descritas no trabalho (vide, por exemplo, entrevista do Senador Stephen Conoy, Ministro da Banda Larga, Comunicações e Economia Digital da Austrália – 23/out/2009, e Atila Souto, Diretor de Serviços de Universalização do Ministério das Comunicações do Brasil - 18/out/2009, disponíveis em www.teletime.com.br), que consideram a competição como fator chave para redução dos preços para o consumidor e para a inovação com o conseqüente aumento da penetração do serviço de banda larga.

 

Outro recurso que vamos utilizar para escolha do melhor modelo para o Brasil é a partir dos Planos e perspectivas de crescimento do serviço, realizados pelos agentes responsáveis ou interessados neste desenvolvimento, que são as autoridades governamentais e os atuais prestadores de serviço de banda larga no país. Em relação ao Governo, encontra-se em fase de gestação um Plano Nacional de Banda Larga, mas ainda sem estratégias e metas fixadas para os próximos anos. A TELEBRASIL, entidade que congrega um conjunto de Empresas do setor de telecomunicações, incluindo a indústria e prestadores de serviços, apresentou uma proposta conhecida como carta de Guarujá (disponível em www.telebrasil.org.br). A TELEBRASIL propõe atingir até o ano de 2014 a marca de 150 milhões de pessoas com acesso à Internet em banda larga, o que representa uma penetração do serviço de 75 acessos por 100 habitantes. A proposta elaborada pelas Empresas de Telecomunicações condiciona esta meta à desoneração tributária do serviço e de alguns insumos, facilidades para uso das vias públicas para instalações técnicas e alocação de radiofreqüências em condições menos onerosas. Em resumo, a proposta pretende sair de um cenário de aproximadamente 15 milhões de acessos em 2009 para mais de 100 milhões em 2014, isto é, no período de 5 anos. A proposta do ponto de vista de desafio é compatível com o que tem se observado nos planos de países desenvolvidos membros da OCDE. Vale destacar que hoje estes países estão num estágio bem mais avançado em termos de penetração e queda dos preços dos serviços de banda larga. Um breve resumo destes planos dos países desenvolvidos com as principais metas é apresentado no anexo 5, como referência para analise da proposta da TELEBRASIL.

 

Recuperando e comparando os dados dos países da OCDE, constantes do anexo 2 podemos visualizar a situação de cada país com relação aos preços de 1Mbit/s e a penetração do serviço apresentada no gráfico a seguir:

 

Gráfico 1: Gráfico comparativo de penetração e preços do serviço de banda larga

Fonte: OCDE, TELECO e COUTINHO 2008

 

A análise do gráfico comparativo demonstra uma grande diferença entre a maioria dos países membros da OCDE em termos de preços e penetração do serviço em relação aos resultados obtidos no Brasil. A observação do gráfico permite concluir que, salvo pequenas exceções, para preços abaixo de US$ 20 por Mbit/s a penetração do serviço de banda larga supera os 20 acessos por 100 habitantes. Estas relações podem servir como referência básica para o caminho a ser percorrido em qualquer projeto para o Brasil.

 

Considerando dados mais recentes publicados no jornal Estado de São Paulo (16/11/2009) de um grupo menor de países desenvolvidos, retirados das fontes: ANATEL, TELECO, HUAWEI, Barômetro CISCO e Development INDEX, assim como os do Brasil, pudemos atualizar alguns indicadores que apresentamos a seguir:

 

Tabela 4: Comparativo de preços, penetração e capacidade do acesso

nos serviços de banda larga – dados do primeiro semestre de 2009

Países Preço em US$ / Mbit/s Penetração do serviço / 100 hab. Capacidade média (acessos em Mbit/s)
Brasil 25,00*1 7,7*2 <1*3
Japão 0,27 64,0 60,0
Suécia 0,63 69,0 18,0
França 1,64 70,0 17,6
USA 3,33 80,0 4,8
Coréia do Sul 5,96*4 97,0 46,0
Finlândia 13,46*4 80,0 22,0
Itália 4,61*4 50,0 -
Suíça 8,71*4 90,0 -

 

Fonte: Jornal Estado de São Paulo 16/11/2009

 

Notas:

  • *1- Preço restrito aos grandes centros como Porto Alegre. Em Manaus o preço de 1 Mbit/s é de US$ 147,00.
  • *2 - Penetração do serviço considerando acessos fixos é de 5,8. Adicionando 4 milhões de acessos moveis que não constam da fonte de dados citada, a penetração atinge 7,7 acessos por 100 habitantes.
  • *3 - 51% dos acessos na capacidade até 512 kbit/s, 20% de 1 a 1,9 Mbit/s e acima de 2 Mbit/s 16%.
  • *4 - Por falta dados atualizados de preços de 1Mbit/s para estes países indicados, utilizamos a referência anteriormente apresentada admitindo que seja improvável que os preços tenham subido. Na realidade o mais correto seria considerar uma queda nestes preços.

A comparação direta dos dados do quadro acima indica que o Brasil, com um preço mínimo de 1Mbit/s de US$ 25, uma penetração de 7,7 acessos por 100 habitantes e uma concentração de acessos com capacidade inferior a 1Mbit/s, está muito distante dos países desenvolvidos, portanto, qualquer proposta de recuperação deste atraso, implica em um esforço de todos os agentes envolvidos neste processo.

 

Notar que estas comparações internacionais devem ser feitas com reservas, pois segundo a UIT banda larga é considerada a partir de 1,5 Mbit/s e a OCDE considera a partir de 256 kbit/s. Portanto se considerarmos a referência da UIT teríamos uma penetração de 1,8/100 habitantes e se considerarmos a referência da OCDE teríamos uma penetração de 4,6/100 habitantes, o que coloca o Brasil em uma situação ainda mais defasado em relação ao resto do mundo

 

Certamente se adotado o Plano proposto pela TELEBRASIL para o desenvolvimento da banda larga no país medidas de grande impacto no setor vão ser necessárias, requerendo:

  • Novos investimentos em grande escala nas redes de telecomunicações para suportar este crescimento do serviço, que entendemos, deveriam ser realizados por um grande número de Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações.
  • Disponibilidade de todos os recursos de rede, de forma não discriminatória, de modo a atrair e motivar a participação de novas Empresas Entrantes no mercado.
  • Níveis de preços dos serviços aos consumidores finais mais próximos dos praticados nos países desenvolvidos, que teriam de ser obtidos pela maior escala, competição e redução da carga tributária aplicada a este serviço.

Entendemos que a competição na prestação do serviço é uma peça fundamental em todo processo de modo a obter melhores condições para os consumidores. Entretanto considerando as características geográficas do país, associadas a uma população de mais de 190 milhões de habitantes, com uma elevada concentração de renda, atingir uma penetração do serviço de banda larga em níveis próximos aos atingidos nos países desenvolvidos vai requerer recursos adicionais. Estes recursos podem ser obtidos através de fundos para universalização do serviço, que poderiam ser captados nas tarifas dos serviços de telecomunicações e aplicados em áreas carentes de baixa renda.

 

Exemplificando ainda para o caso brasileiro no sentido da escolha do melhor modelo, vamos ter que considerar um conjunto de hipóteses com relação a 3 aspectos:

  • Grau de verticalização dos serviços;
  • Grau de concentração da oferta do serviço;
  • O processo de gestão do setor de telecomunicações realizado pela Agência Reguladora.

Quanto ao grau de verticalização, verifica-se no mercado brasileiro de banda larga predominância da verticalização de serviços como fato marcante nas soluções de serviços de banda larga, inclusive com a prática de venda casada, procedimento este ilegal (conforme confirma a ANATEL), mas adotado no país. A título de exemplo, temos os serviços de banda larga sobre a rede telefônica que são vendidos exclusivamente para os usuários de telefonia local.

 

Com relação à verticalização dos serviços, vale dizer que, os serviços de banda larga prestados pelas Concessionárias Locais de Telefonia se utilizam da rede telefônica adicionando a tecnologia DSL. Os serviços de banda larga prestados pelas Empresas de TV por assinatura se utilizam da mesma rede de cabos destinada aos serviços de TV. Os serviços de banda larga prestados pelas Prestadoras de serviço móvel celular se utilizam da mesma infraestrutura de rede com a tecnologia 3G

 

Em relação à concentração de mercado, o que se observa é que a prestação dos serviços de telefonia fixa local em regime de domínio do mercado e dos serviços moveis celulares são realizadas por Empresas do mesmo grupo econômico e, portanto, a banda larga se encontra altamente concentrada, mesmo que os serviços sejam prestados por diferentes plataformas. Esta concentração pode ser verificada pelo número de acessos em banda larga existente em junho de 2009. De um total de 14,8 milhões de acessos, temos 7,8 milhões em DSL (rede telefônica) e 4 milhões em 3G (rede móvel celular). Vale lembrar que a participação da banda larga via rede de cabos do serviço de TV por assinatura é pouco representativa no mercado, da ordem de 20%, quando incluímos a rede móvel celular nesta comparação.

 

Com relação à gestão do órgão regulador, um possível indicador da sua atuação seria com relação ao efetivo combate às práticas anticompetitivas, o que não observamos na nossa pesquisa, como verificamos em outros países que tem situações de serviços semelhantes e que aplicaram punições e multas por estas práticas. Outra forma seria através de medidas previstas na legislação do setor que incentivem a competição, como é o caso do uso das redes das Empresas Dominantes (as Concessionárias de Telefonia Local) pelas Empresas Entrantes no mercado, medida esta que não foi implementada. Portanto, não são adotadas práticas de tratamento isonômico no fornecimento de recursos da rede de telecomunicações no país.

 

Ao adotarmos o processo de avaliação proposto neste trabalho, utilizando o questionário e o fluxograma decorrente apresentado na seção anterior, acreditamos que o modelo de competição baseado na separação funcional das atividades de exploração da rede de telecomunicações (venda no atacado) das atividades de prestação dos serviços aos clientes finais (venda no varejo) na estrutura organizacional das Concessionárias de Telefonia é a alternativa que pode criar um ambiente de efetiva competição e gerar resultados mais favoráveis para o país em relação aos indicadores selecionados, pelas razões expostas a seguir:

  • Poucas Empresas estão atuando no mercado de prestação de serviços de banda larga com uma participação concentrada.
  • A principal plataforma de rede utilizada para prestação de serviços de banda larga é a rede telefônica seguida da rede celular. Ambas as plataformas são de propriedade dos mesmos grupos econômicos. Esta plataforma utilizada para prestação do serviço de telefonia é de caráter público e sob regime de concessão e suporta praticamente todos os demais serviços de telecomunicações.
  • A participação da rede de TV a cabo por assinatura é pouco representativa no mercado de banda larga, assim como as demais soluções ofertadas por Empresas Entrantes neste mercado.
  • Os dados do benchmarking internacional confirmam a posição do Brasil muito abaixo da média do conjunto de países avaliados, assim como o Plano proposto pelas Empresas associadas à TELEBRASIL para crescimento da penetração do serviço nos próximos 5 anos revelam a necessidade de medidas extremas para recuperação do atraso.
  • A Agência Reguladora dispõe dos instrumentos legais para garantir o tratamento isonômico nas relações entre as Empresas Dominantes nas redes de telecomunicações e as Entrantes no mercado, mas por motivos diversos, como, por exemplo, falta de recursos e condições de fiscalização, não implementou a desagregação dos elementos da rede local de telefonia, não existindo também processos em andamento de penalidades impostas às Empresas Dominantes pelo não fornecimento destes recursos em condições isonômicas.
  • Em suma, a separação funcional na estrutura organizacional das Concessionárias de Telefonia, altera o quadro concorrencial na banda larga na medida em que as demais Empresas Entrantes no mercado, prestadoras de serviço, passam de concorrentes para clientes destas Concessionárias, eliminando os incentivos à discriminação no fornecimento dos recursos da rede de telecomunicações, com a oferta destes recursos na forma de venda por atacado.

Entretanto, em face da evolução constante dos processos de gestão do setor de telecomunicações, recursos adicionais poderiam ser alocados à Agência Reguladora e, portanto, variantes desta alternativa de separação funcional podem ser adotadas, como por exemplo, se a opção de uso de redes pela desagregação da rede das Dominantes ainda não foi implementada, esta seria uma alternativa que dependeria da Agência Reguladora ter capacidade de gestão de garantir um comportamento isonômico e não discriminatório por parte das Empresas Dominantes no fornecimento e preços dos elementos de rede desagregados.

 

Outra hipótese é se as Plataformas alternativas de serviços, como a terceira geração de sistemas celulares (3G), ainda não são representativas para a competição nos serviços de banda larga, mas existe uma perspectiva de, em curto prazo, esta solução de banda larga em plataformas distintas se tornar competitiva, gerando novos prestadores de serviços e queda nos preços. Neste caso, caberia uma atenção especial da Agência Reguladora de impedir práticas anticompetitivas na questão da oferta e preços por parte dos grupos econômicos. Poder-se-ia então definir um prazo para avaliação e verificar as condições de competição neste segmento de serviços e após este período tomar as decisões necessárias.

 

Nosso posicionamento em relação à escolha do modelo de separação funcional é sustentado também pelo novo regulamento das telecomunicações da Europa (disponível em www.telecomonline.com.br/boletins/05-de-Nov-de-2009), aprovado em 2009, com o objetivo de aumentar os direitos dos usuários e a competição na oferta de serviços. O atual Órgão Regulador Europeu “European Regulators Group – ERG” passa a se chamar “Body of European Regulator for Eletronic Communications”, ampliando o seu espaço de atuação para uma visão mais atualizada. Dentre o conjunto de 12 novas medidas aprovadas por este Órgão, cabe destaque a questão das garantias de uma rede aberta e neutra, de forma a impedir que as operadoras degradem a qualidade de serviços, a independência dos órgãos reguladores nacionais das estruturas dos governos e a separação funcional que dão mais ferramentas para que os países obriguem as operadoras a adotar a medida quando necessário para incentivar a competição. A reforma enfatiza em particular o uso do espectro radioelétrico e encoraja o investimento em redes de próxima geração para disseminação da banda larga.