Seção: Tutoriais Regulamentação

 

Bloqueadores de Celular I: Reforma e Regulação no Brasil

 

A Reforma do Estado e a Atividade Regulatória no Brasil

 

No Brasil e em muitos países, como exposto anteriormente, as agências reguladoras se inserem num enorme projeto proposto de reforma do Estado e da Administração Pública.

 

Essas reformas foram paulatinamente provocadas e postas no ordenamento com o objetivo de inovar a institucionalidade pública para a concretização de seus objetivos – interesse público, eficiência etc. A criação das agências decorreu de situações econômicas, políticas e democráticas, resultado das quais indicou a necessidade de se conferir maior participação e controle na Administração Pública (CARDOSO, 2006).

 

Conforme Coimbra (2000), com a falência do Estado desenvolvimentista – que durou dos anos 30 até meados da década de 80, em que o governo estimulava o desenvolvimento da nação na forma de um Estado interventor – fez-se necessária a redefinição do papel do Estado no Brasil. Essa redefinição nada mais foi do que uma tentativa de estancar a política econômico-social que gerou o crescimento da dívida, principalmente na década de 80, em que pese tenha sido um momento no qual a estatização da economia alcançou o seu maior incremento de empresas e que atuavam em setores estrategicamente relevantes. Contudo, a gestão orçamentária dessas empresas não se preocupava com os reflexos sobre o gasto público em geral.

 

Importante ressaltar que a partir desta década, com o crescimento vertiginoso da economia capitalista, o próprio cenário mundial incentivou a busca da competitividade em razão da abdicação em adotar a política de intervenção intensa nas atividades privadas, cuja configuração econômica, por característica ideológica, abandonara a opção concorrencial.

 

Da mesma maneira, salientam Guerra e Monteiro (2007) que o fracasso estampado do modelo do Estado Social adotado no Brasil permitiu o estabelecimento de novos questionamentos e ideias. A manifesta incapacidade de o Estado prestar inúmeras atividades e serviços de sua competência à população, bem como para fiscalizar efetivamente a qualidade e eficiência da prestação desses serviços, desenvolveu-se imperativo o redimensionamento da função estatal.

 

Além do sucateamento dos serviços públicos, outro dos importantes fatores que provocaram a necessidade dessa reforma foi a enorme velocidade com que as inovações tecnológicas foram sendo operacionalizadas, especialmente em tecnologias que, em razão da área, exigiam específicos conhecimentos dependendo da área, como da telefonia celular.

 

A partir da implantação da ideologia neoliberalista pelo governo Fernando Collor, que foi o primeiro presidente brasileiro a adotar as privatizações como parte de seu programa econômico, a reforma do Estado passou a figurar como necessária e prioritária.

 

Com o objetivo de sistematizarmos nosso raciocínio, expomos a fundamentação de Alexandrino e Paulo (2008), a partir da qual refere que a orientação político-econômica neoliberalista, ainda que muito criticada por especialistas nos campos da Economia e do Direito, trouxe, no princípio, a ideia de que o Estado é muito menos eficiente do que a atuação pelo setor privado quando desenvolve diretamente as atividades econômicas em sentido amplo, abrangendo especialmente a prestação de serviços públicos.

 

Nesse sentido, a proposta de modelo econômico trazida por Collor – com medidas econômicas para visando a abertura das importações, privatizações, modernizações industriais e tecnológicas - objetivara a implantação de uma concorrência no país. Tinha-se a ideia de que, dessa maneira, haveria uma efetiva prestação do serviço público, muito criticada na época por ser sustentada por um modelo extremamente burocrático, centralizado e rígido, que não atendia mais de forma competente os reclames dos cidadãos.

 

Desta maneira, a partir da flexibilização de monopólios estatais e da redução das barreiras ao capital estrangeiro e com o reconhecimento constitucional do princípio da livre iniciativa – contido nos artigos 1º, IV, e 170 (VILLELA SOUTO, 2003), e paralelamente ao processo de abertura da economia e com o abandono das técnicas tradicionais de intervenção pelo Estado, é engendrado no Brasil um enorme processo de desestatização e privatizações e incentivo à concorrência, especialmente em setores mais representativos da economia, como energia elétrica, telecomunicações, petróleo etc.

 

No princípio da década de 90, a partir da implantação da ideologia neoliberal no Brasil – cuja ideia propunha reduzir o intervencionismo do Estado e a alterar a sua atuação na economia (muitos doutrinadores falam em “desregulação” e “re-regulação”) – e constatando que a prestação do serviço público que envolvia diversos setores da economia estava definitivamente defasada, o Estado com características de ente regulador começou a tomar espaço dentro do direito administrativo brasileiro.

 

O Brasil implementou um célere processo de reforma administrativa, da qual o marco inicial foi o advendo do Plano Nacional de Desestatização pela lei federal nº 8.031/90. Dentre as medidas adotadas, constara o afastamento das distinções entre empresas brasileiras e estrangeiras, o que foi importante para o ingresso de capital estrangeiro para a aquisição de empresas estatais por empresas estrangeiras (CARDOSO, 2006).

 

Um exemplo elucidativo desse cenário foi a aquisição de parte da Companhia Riograndense de Telecomunicações – CRT pela empresa Telefônica Celular, da qual compunham grupos econômicos da Espanha e Portugal.

 

Acerca da desestatização, especificamente objetivada por essa reforma do Estado, explica Maria D’ Assunção Costa Menezello (apud CARDOSO, 2006, p. 133) que:

 

Quando esse mesmo Estado decide repassar a exploração de serviços públicos ou atividades econômicas para os particulares, utiliza-se do instituto jurídico da desestatização e da privatização, ou seja, busca parcerias com a iniciativa privada, tornando privado o que antes era público. Persegue a fórmula do mercado concorrencial em que o consumidor deve balizar o padrão na prestação de serviços públicos.

 

No entanto, em muitos casos, o Estado busca apenas parcerias com a iniciativa privada, desestatizando parte daquele setor. Assim, numa simples classificação do genérico, poderíamos dizer que desestatização é o gênero do qual privatização é espécie, criando inúmeras parcerias com a iniciativa privada. Com a execução desses programas, constatamos haver renovação do Poder Público, obrigando-o à readequação de procedimentos.

 

No mesmo passo, a transformação decorrente desse processo teve também como importante documento o Plano Diretor da Reformulação do Estado – elaborado em 1995 pelo então Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – cujas propostas objetivaram, fundamentalmente, o estímulo a uma sociedade mais competitiva e com uma prestação de serviços mais eficiente e bem menos burocrática (ALEXANDRINO; PAULO, 2008).

 

Em tese, desse modo, quanto maior fosse o grau de competitividade no setor, melhor seria o resultado no atendimento às demandas.

 

Ao encontro disso, assim dispõe o inciso III do artigo 3º da Lei federal nº 9.074/95, que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências:

 

(...) III - aumento da eficiência das empresas concessionárias, visando à elevação da competitividade global da economia nacional;

 

No início da execução desse programa de desestatização, de acordo com Carvalho (2002), o Brasil contava apenas com regulações do Banco Central, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, e da manutenção de estoques produtivos, cujas regulações eram emanadas, basicamente, com o fito de aumentar ou diminuir a incidência de impostos para beneficiar determinados setores da economia.

 

Contudo, Aragão (2003) estatui o entendimento de que nenhum desses órgãos ou instituições tinham – ou têm – o perfil de independência frente ao Poder Executivo, afirmado pelas leis criadoras das agências reguladoras.

 

Após a instituição do programa, no ano de 1997, foram criadas a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, a Agência Nacional do Petróleo – ANP e a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, todas elas criadas para regularem e exercerem o controle de atividades até então exercidas precipuamente pelo Estado na forma de monopólio (MEIRELLES, 2000).

 

Como destacam Arnold Wald e Luiza Rangel de Moraes (apud MORAES, 2002, p. 18):

 

Desatrela-se, assim, o Poder Público das tarefas de execução das obras e serviços públicos para assumir a elaboração e execução da política regulatória de todos os setores da economia em que as empresas estatais assumiam o papel de concessionárias de serviços públicos.

 

Exigiu-se, portanto, uma mudança extremamente radical na maneira de gerir os serviços públicos, impondo-se uma maior descentralização, que Di Pietro (2003, p. 351) conceitua como sendo a distribuição de competências de uma para outra pessoa – física ou jurídica –, explicando que esta descentralização por serviços “verifica-se quando o poder público cria uma pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela atribui a titularidade e a execução de determinado serviço público”.

 

Moraes (2002) complementa, nesse passo, afirmando que o Poder Público passaria a concentrar-se exclusivamente na elaboração de projetos e metas, e na política regulatória e fiscalizatória dos setores da economia, descentralizando a realização desses serviços. Dessa forma, o Estado manteria a “centralização governamental”(regulação), contudo, exigiria maior “descentralização administrativa” (agências reguladoras).

 

Essa tendência é apontada pelo autor italiano Giorgio Pastori (apud MORAES, 2002, p. 19), informando que:

 

Respeitando a unidade do poder político-governamental, dentro da área da administração, verifica-se, desde o início do século, o recurso, cada vez mais generalizado, a órgãos e a empresas autônomas, ao mesmo tempo que o Governo, pouco a pouco, mediante intervenção, anexa novos campos de ação e coloca novas exigências de promoção operacional nos diversos setores econômico-sociais. A organização interna de tais estruturas não se diferencia substancialmente da ministerial, da qual reproduz as principais disfunções sem assegurar as vantagens desejadas, seja de ordem a uma maior correspondência política, seja em ordem a uma maior eficiência administrativa.

 

O Estado, assim, passou a corporificar contornos de ente normatizador dos setores regulados, iniciando uma importante mudança de modelo ideológico, consequência da qual viria a assumir uma competência diversa do que preponderante e historicamente desempenhava. Essa nova normatização foi produzida, a princípio, por uma larga escala de normas técnicas que acompanhavam as inovações tecnológicas, ao mesmo tempo em que combinava a sua atuação norteando sempre a proteção do interesse público (FONSECA, 2003).

 

Portanto, objetivando o atendimento às exigências de especialidade técnica, uma vez que o Estado não acompanharia de maneira adequada os avanços propostos pela tecnologia, surgiu a necessidade de se criarem órgãos reguladores específicos, aos quais seriam atribuídas competências de acordo com a matéria ou setor da economia envolvido.

 

Como pontuado por Cardoso (2006), em relação a essa readequação na maneira de intervenção estatal indireta, a partir da última década, especificamente em países que optaram por amplos processos de privatização dos serviços básicos, houve uma clara tendência pela criação de órgãos de regulação ou mesmo por conferir maior autonomia ou poderes aos já existentes.

 

A partir da redução do volume de normas que limitavam a atividade econômica – que acabavam por reduzir os entraves burocráticos que elevavam os custos das transações, entendeu-se por bem atribuir legalmente a um órgão competência para estabelecer diretrizes, a partir das quais dar-se-ia a normatização sobre determinada atividade (VILLELA SOUTO, 2003).

 

Deste modo, regular e articular essa intervenção estatal no mercado, operada em vista do novo modelo de intervenção econômica pelo Estado, tornou-se imperativo. Conforme Aragão (2002), essa necessidade de transformação das estruturas econômicas obrigou à revisão de regras administrativas, cuja procedimentalização necessitava essencialmente de um instrumento de intercomunicação que envolveria os sistemas jurídico e econômico.

 

Nesse sentido, leciona Tércio Sampaio Ferraz Junior (apud CARDOSO, p. 86):

 

Factualmente, as agências, no Brasil, surgem por conta de um processo de privatização e da disciplina das concessões. Neste sentido, aparecem como um novo instrumento do Estado no domínio econômico.

 

Oportunamente, cumpre-nos indicar, a fim de auxiliar na elucidação do tema, o conceito de regulação trazido por Justen Filho (2006, p. 470), intimamente relacionado com a ideologia adotada pelo Estado regulador:

 

A regulação consiste na opção preferencial do Estado pela intervenção indireta, puramente normativa. Revela a concepção de que a solução política mais adequada para obter os fins buscados consiste não no exercício direto e imediato do Estado de todas as atividades de interesse público.

 

(...)

 

O Estado Regulador reserva para si o desempenho material e direto de algumas atividades essenciais e concentra esforços em produzir um conjunto de normas e decisões que influenciem o funcionamento das instituições estatais e não-estatais, orientando-as em direção de objetivos eleitos.

 

Da mesma forma, para Paulo Ferreira Motta (apud CARDOSO, 2006), a regulação nada mais é do que um conjunto de técnicas normativas de intervenção pública no mercado, devendo ser entendida como um controle fiscalizatório a ser exercido por uma agência pública sobre determinada atividade de relevância para a coletividade.

 

Em decorrência da transferência da prestação dos serviços públicos ao setor privado por meio de contratos de concessão de longo prazo, com ou sem processos de privatização de estruturas preexistentes (FONSECA, 2003), como consequência reflexa, surgiu a necessidade de regular a atuação dos concessionários, o que fez com que esses contratos fossem acompanhados e fiscalizados pelo Estado, sendo adaptados às novas realidades mediante aplicação dos princípios e regras inerentes.

 

Conforme anotado por Barros Tojal (apud MORAES, 2002), as funções de prestação e regulação de serviços que antes eram desempenhadas e concentradas no mesmo ente – empresas estatais – separaram-se, passando os serviços públicos a serem concedidos ou autorizados a empresas privadas ou privatizadas, e o papel da regulação desses serviços, a cargo das agências reguladoras.

 

Assim sendo, por sua vez, o Estado, antes prestador, passa a ser responsável por regular o fornecimento desses serviços. Leciona Tércio Sampaio Ferraz Junior (apud CARDOSO, p. 86):

 

Diz-se que as agências representam a substituição do modelo de gestão com base em controles formais (legalidade e motivação fundamentada) e na intervenção direta (estado empresário), pelo modelo gerencial, com base em avaliação de desempenho (eficiência) e intervenção condicionante da eficiência (regulação). Ou seja, nem o estado mínimo – protetor das liberdades (estado de direito liberal), nem o estado promotor de benefícios sociais e econômicos (estado social), mas sim o estado regulador que contribuiu para o aprimoramento das eficiências do mercado.

 

Certo é que, por meio dos constantes avanços tecnológicos e tendo em vista a inegável ineficiência da prestação e organização de determinados setores da economia vinculados aos serviços públicos, a privatização foi uma maneira encontrada de modificar considerável e beneficamente a qualidade dessa prestação, que via de regra traz consigo vultuosos investimentos do setor privado.

 

Nesse sentido, Aragão (2002, p. 266) considera que:

 

As agências reguladoras no momento da desestatização resultaram em grande monta das ‘sugestões’, às vezes bastante incisivas, de investidores estrangeiros interessados nos serviços públicos, e das instituições multilaterais que financiavam o processo de desestatização.

 

Com o objetivo de viabilizar a implantação da nova gestão administrativa, a criação das agências reguladoras – instituições com competências normativas e com atribuições organizacionais – está intimamente ligada ao amplo processo de reconfiguração estatal nas duas últimas décadas no Brasil.

 

Comentam Alexandrino e Paulo (2008) que o país seguiu uma tendência de retirada do Estado brasileiro das atividades de produção direta de bens e prestação de serviços, abandonando uma postura de Estado-empresário, desvinculando-se de uma intervenção estatal direta.

 

Não obstante, com a desestatização dos serviços públicos e a imposição da prática da competição como busca de maior efetividade na prestação, esse cenário trouxe-nos, por via de consequência, novos desafios na maneira de conduzir, de forma eficaz, o tema regulatório no Brasil, tendo em vista o reposicionamento do Estado face à economia.

 

As Agências Reguladoras no Brasil e suas Características

 

Surgidas num ambiente de privatizações recentes em razão da orientação política e econômica implantada no país no início da década de 90, as primeiras agências reguladoras do Brasil tiveram a missão de regular setores da economia ainda pouco explorados, dos quais um deles foi o da prestação de serviço público.

 

Conforme Fonseca (2003), as agências foram criadas tanto para regular setores que possuem como titular o Estado, quanto para exercer a regulação setores privados, que abarcam atividades econômicas em sentido estrito.

 

A criação das agências reguladoras é resultado da proposta de assegurar que a disciplina dos serviços públicos fosse norteada por critérios não exclusivamente políticos, como exposto por Justen Filho (2006), como corriqueiramente percebíamos que ocorria no regime militar.

 

Em contrapartida, importante referirmos que, conforme Di Pietro (2003) afirma, existem, desde longa data, entidades com função reguladora, ainda que não sob a denominação de agência. Citando em sua obra Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que realizou trabalho sobre o papel das agências reguladoras, menciona que, no início do século passado, foram criados institutos com perfis de autarquias econômicas com a finalidade de regular o comércio e a produção, exemplo do Comissariado de Alimentação Pública (1918), Instituto do Açúcar e do Álcool (1933), Instituto Nacional do Mate (1938), Instituto Nacional do Sal (1940), dentre outros.

 

Para o eficaz deslinde do raciocínio, buscamos conceitualizar as agências reguladoras.

 

Aragão (2002, p. 275), de forma completa, conceitua e, após, acrescenta:

 

Podemos conceituar as agências reguladoras independentes brasileiras como sendo as autarquias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à Administração centralizada, incumbidas do exercício de funções regulatórias e dirigidas por colegiado cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República, após prévia aprovação pelo Senado Federal, vedada a exoneração ad nutum.

 

(...)

 

As agências reguladoras são, em essência, organismos típicos do “estado de bem-estar”, voltados a monitorar a intervenção da Administração no domínio econômico, atividade que realizam através do poder regulamentar que lhes é atribuído, mas também através de função contenciosa e de fiscalização.

 

Já no entendimento de Leila Cuéllar (apud CARDOSO, 2006, p.143), com um conceito também aprofundado, a autora define as agências reguladoras como sendo:

 

Pessoas jurídicas de direito público, criadas por lei e que somente por lei podem ser extintas. Exercem atividades e serviços administrativos (regulação e fiscalização da atividade econômica em sentido amplo), possuem capacidade administrativa, autonomia patrimonial, mas permanecem sob o controle e tutela do Estado quanto a sua organização, administração e fiscalização financeira.

 

Alexandre e Paulo (2008, p. 157) consideram que:

 

Se trata de entidades administrativas com alto grau de especialização técnica, integrantes da estrutura formal da Administração Pública, instituídas como autarquias sob regime especial, com função de regular um setor específico de atividade econômica ou um determinado serviço público, ou de intervir em certas relações jurídicas decorrentes dessas atividades, que devem atuar com a maior autonomia possível relativamente ao Poder Executivo e com imparcialidade perante as partes interessadas.

 

Com o fito de não nos aprofundarmos nem esgotarmos o tema, o que de fato não é o objetivo desta monografia, ater-no-emos a identificar e elencar as principais características das agências reguladoras com competências para normatizar e fiscalizar setores da prestação de serviços públicos. Após, comentaremos de forma sucinta a atuação da ANATEL. Justificamos a escolha dessa agência em específico, vez que guarda relação direta com o tema proposto pelo trabalho, e um estudo sobre as demais existentes demandaria exaustivas e individualizadas considerações.

 

Em relação às suas atribuições, destacadas ao longo desta monografia, Guerra e Monteiro (2007) afirmam que fora o objetivo de regular a prestação de serviços públicos e de algumas atividades economicamente relevantes, o novo modelo de Estado busca e se preocupa em manter, ainda que indiretamente, o controle desses serviços e atividades, norteando garantir estabilidade e segurança aos cidadãos.

 

Conforme caracterizadas por Aragão (2002, p. 290), as agências reguladoras podem ser agrupadas e classificadas em razão de vários critérios, segundo destacamos abaixo:

 

Quanto à esfera federativa a qual pertençam: agências federais, estaduais e municipais. Quanto à especialização setorial, podem ser unissetoriais, como a totalidade das agências da União, ou multissetoriais, a exemplo da maioria das agências estaduais. No que se refere à autonomia organizacional, temos as agências que podem editar o seu próprio Regimento Interno (ex.: ANATEL), e as que o têm emitido pela Administração Pública central (ex.: ANEEL e ANP).

 

Há ainda agências reguladoras com referência constitucional, ainda que mediata (ANATEL e ANP), e as com referência exclusivamente legal (todas as demais).

 

Todavia, o mesmo autor destaca que a classificação mais relevante é a que se dá segundo a atividade regulada. Assim, teríamos as agências reguladoras de serviços públicos (ex.: ANATEL), de exploração de monopólios públicos (ex.: ANP), de exploração de bens públicos (ex.: ANA) e de atividades econômicas privadas (ex.: ANVISA e ANS). Salienta, ao mesmo tempo, que o enquadramento da agência nesse critério de classificação considera as atribuições e competências mais importantes da agência.

 

Pontua Alexandrino e Paulo (2008, p. 161), após a observação de pontos levantados pela doutrina e das disposições constantes nas leis que instituíram as mais relevantes agências, que as características comuns encontradas na maior parte dessas entidades, indicam que:

 

1) exercem função regulatória sobre determinado setor da atividade econômica ou concernente a determinadas relações jurídicas decorrentes das atividades econômicas em geral;

2) contam com instrumentos, previstos em lei, que asseguram razoável autonomia perante o poder Executivo;

3) possuem um amplo poder normativo no que concerne às áreas de sua competência; e

4) submetem-se, como qualquer outra entidade integrante da Administração Pública, aos controles judicial e parlamentar plenos.

 

De forma mais sucinta, e que sobre as quais teceremos considerações pertinentes ao seguimento do raciocínio sem pretender, de forma alguma, esgotar esses pontos, para Carlos Ari Sundfeld (apud FONSECA, 2003), as características marcantes são: a autonomia, a natureza jurídica autárquica e o poder normativo.

 

Tendo em vista que o trataremos de maneira específica no tutorial parte II, deixaremos de comentar a característica atinente ao poder normativo, e traremos considerações acerca da autonomia e da natureza jurídica autárquica das agências reguladoras.

 

Uma das principais características das agências reguladoras no Direito brasileiro é a autonomia de que gozam. Antes de aprofundarmos o tema, necessário citarmos Aragão (2002, p. 313), que nos ensina que “etimologicamente, autonomia significa a possibilidade de um ente jurídico estabelecer as normas da sua própria conduta”.

 

Depreende-se da citação acima que o seu conteúdo guarda íntima relação com a margem limitada de liberdade de atuação conferida pelo ordenamento jurídico às pessoas públicas ou privadas.

 

De acordo com Fonseca (2003), a autonomia é atributo que visa garantir às agências reguladoras desvinculação de influências políticas que são próprias do poder Executivo.

 

Aliás, conveniente relembrarmos que a partir das acentuadas influências políticas entre 1965 e 1985, o sistema regulatório americano viu a atuação das agências serem desvirtuadas de suas finalidades, perdendo assim a autonomia que tinham.

 

Oportunamente, Di Pietro (apud FONSECA, 2003, p. 151) descreve a autonomia das agências nos seguintes termos:

 

Costuma-se afirmar que as agências reguladoras gozam de certa margem de independência em relação aos três poderes do Estado: (a) em relação ao Poder Legislativo, porque dispõem de função normativa, que justifica o nome de órgão regulador ou agência reguladora; (b) em relação ao Poder Executivo, porque suas normas e decisões não podem ser alteradas ou revistas por autoridades estranhas ao próprio órgão; (c) em relação ao Poder Judiciário, porque dispõem de função quase-jurisdicional no sentido de que resolvem, no âmbito das atividades controladas pela agência, litígios entre os vários delegatários que exercem serviço público mediante concessão, permissão ou autorização e entre estes e os usuários dos serviços.

 

Em que pese considerar a aparente autonomia em relação aos três Poderes estatais, existe a ressalva de que os limites dessa autonomia devem ser compatíveis com os preceitos constitucionais, consubstanciados em regras e princípios.

 

Ainda sobre o tema, Fonseca (2003) salienta que a estabilidade dos dirigentes, a autonomia financeira em alguns casos, e a revisão de seus atos por órgão da administração direta, são, também, formas de fundamentar essa autonomia às agências reguladoras.

 

Guerra e Monteiro (2007, p. 30), às formas acima, de maneira oportuna, esclarecem que:

 

São independentes por possuírem autonomia na tomada de decisões sem a necessidade de acatarem ordens da Administração central; por serem definitivas, no âmbito administrativo, as decisões por elas proferidas; por ser livre a escolha dos objetivos almejados com a atividade de regulação e por adotarem livremente os métodos e instrumentos para a realização da regulação.

 

Contudo, observa Célio de Vieira Borja (apud CARDOSO, p. 143) que essa autonomia é relativa, conquanto:

 

A tutela administrativa sempre existirá, sempre há possibilidade de recorrer a um órgão que supervisiona, como por exemplo nos casos de evidente mal feito por essas comissões, em que o poder Executivo há de intervir ou impedir que se consumem, ou concessões, permissões ou autorizações, ou proibições que atentam contra o Direito e às vezes até contra a moralidade pública.

 

Então, a inexistência de um controle e a autonomia absoluta, como se pretende, parece-me excessivo.

 

Di Pietro (apud CARDOSO, 2006) descarta a ideia dessa aparente absoluta autonomia, porquanto a agência até pode dirimir conflitos em última instância, mas desde administrativa, e essa competência não atribui nem poderia ter o condão de impedir o controle de suas decisões pelo poder Judiciário. Ainda sobre o tema, o autor salienta que a atuação das agências reguladoras estão adstritas ao controle financeiro, contábil e orçamentário pelo Tribunal de Contas da União, constando a relativa autonomia daquelas.

 

No Brasil, as agências reguladoras, tanto destinadas ao controle de um setor específico da atividade econômica como à prestação de serviço público, foram instituídas com natureza jurídica de autarquia especial.

 

Conforme Cardoso (2006, p. 141), o termo ‘autarquia’ é utilizado por se relacionar com a realização de atividade típica estatal (regulação, fiscalização e intervenção em serviços públicos e atividades econômicas), e ‘especial’, dá-se em razão de se atribuir às mesmas um plus em relação às demais autarquias.

 

Muito embora não haja no ordenamento jurídico pátrio lei geral que uniformize a “especialidade” de seu regime em relação às demais, observa Odete Medauar (apud CARDOSO, 2006, p. 143) que “por vezes a especialidade está no modo de escolha ou nomeação do dirigente; por vezes está na existência de um mandato do dirigente, insuscetível de cessação por ato do Chefe do Executivo”.

 

No mesmo passo, Bandeira de Mello (2003) salienta que o único ponto peculiar em relação a essa generalidade das autarquias encontra-se no que se dispõe em relação à investidura e fixação dos mandatos dos dirigentes dessas agências reguladoras.

 

Conforme percebemos, a mesma “estabilidade dos dirigentes” que é apontada por muitos autores como fator fundamental à autonomia, também serve para justificar a “especialidade” do regime das autarquias em relação às demais agências.

 

Aragão (2003) traz o caráter técnico da atuação das agências reguladoras como importante característica, do qual se revela a partir da disposição legal que impõe necessidade de formação técnica de seus dirigentes, principalmente, e como não poderia deixar de ser, em razão dos seus atos e normas demandarem conhecimentos técnico-científicos especializados.

 

Quanto ao fundamento constitucional e legal, pelo o que se depreende da leitura da Constituição Federal, não é utilizado o termo “agência reguladora” em seu texto originário. Seu texto, contudo, em decorrência das alterações propostas pelas Emendas Constitucionais nº 8 e nº 9, ambas de 1995, destaca, em dois artigos, a nomenclatura “órgão regulador”.

 

Conforme Moraes (2002, p. 24), a Constituição, em seu artigo 37, inciso XIX, estatui que somente por lei específica poder-se-á criar autarquia, que, em face do princípio da especialidade, não poderá afastar-se das suas finalidades e objetivos determinados na lei que a instituiu.

 

A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)

 

Segundo comentam José Prata, Nirlando Beltrão e Teiji Tomika (apud ARAGÃO, 2002), existiram dois documentos internacionais que foram importantes no processo de criação da ANATEL: a publicação do World Telecommunications Development Report (1994) e o The Changing Role of Government in na Era of Deregulation (1995) ambos produzidos pela União Internacional de Telecomunicações – UIP.

 

As primeiras interpretações acerca das alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 8 no artigo 21, inciso XI, da Constituição Federal foram bastante ousadas. A princípio, o aludido órgão regulador seria nomeado de “Ofício Brasil de Telecomunicações” e, o que foi certamente foi o que gerou polêmicas, seria um órgão independente frente aos três Poderes, não integrando nem a Administração Pública Direta e nem a Indireta (ARAGÃO, 2002, p. 268).

 

Analisando-o organizacional e institucionalmente, percebe-se que esse órgão autônomo seria muito similar, por exemplo, aos Tribunais de Contas e ao Ministério Público.

 

Com efeito, o artigo 21, inciso XI, da Constituição, prevê que a lei disponha sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação de um órgão regulador e demais aspectos institucionais. Assim, foi publicada a lei federal nº 9.472/97, a qual instituiu a ANATEL.

 

Zimmer Júnior (2008) esclarece que a sua atividade é regular e fiscalizar a exploração do serviço de telecomunicações, ou seja, o exercício do poder regulamentar e do poder de polícia administrativa marcam a sua atuação. Especificamente em relação ao serviço de telecomunicações, o poder concedente é a União, contudo, cabe à ANATEL expedir tanto normas relativas à delegação, quanto à prestação e fruição dos serviços públicos de telecomunicações, bem como celebrar e fiscalizar contratos e controlar tarifas cobradas pelas concessionárias e permissionárias (regime público), além de expedir regulamentos sobre exploração do serviço pelas autorizatárias (regime privado).

 

Acrescenta Aragão (2002) que, além das competências elencadas acima, a ANATEL possui a atribuição específica de implementar a política nacional de telecomunicações, inclusive, incluindo a normatização dos padrões dos equipamentos utilizados pelas prestadoras de serviços e competência para expedir normas que assegurem a interconexão entre as redes, como instrumento a garantir a concorrência no setor. Percebemos que, a partir dessas competências, há uma relevante atuação em regulamentar eminentemente sobre normas técnicas (tema que será tratado no tutorial parte II).

 

Conforme Alexandrino e Paulo (2008), a agência foi criada sob o regime de autarquia especial, sendo vinculada ao Ministério das Telecomunicações, conceitual e unanimemente possuindo atribuições de funções típicas de Estado, portanto, descritas como pessoas jurídicas de direito público e integrantes da Administração Pública Direta.

 

Acrescenta os mesmos autores que a designação de “regime especial” é utilizada em razão de possuir razoável independência em relação ao poder Executivo, bem como não existir uma definição legal e uniforme sobre essa denominação. Para exemplificar reproduzimos os artigos abaixo, os quais compõem o texto legal da lei que institui a ANATEL, que, de forma geral, dentre as demais agências, é considerada a que possui “mais independência”:

 

Art. 8º, §2º - “A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandado fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.

 

Art. 9º - “A Agência atuará como autoridade administrativa independente, assegurando-lhe, nos termos desta Lei, as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de sua competência.

 

Conclui Zimmer Júnior (2008), concordando com o acima exposto, que a natureza de autarquia especial é caracterizada pela independência administrativa, pela ausência de subordinação hierárquica e pelo mandato fixo. Contudo, a estabilidade dos dirigentes, que se perfaz por um período fixo de mandato, é o verdadeiro diferencial em relação às demais agências autárquicas em regime comum.

 

Sintetizando e como salientou Cardoso (2006) em sua obra, a alteração substancial do papel do Estado, com a implementação da política que transferiu para o setor privado a execução da prestação dos serviços públicos e reservou à Administração Pública atribuições fiscalizatória e regulatória sobre essas atividades, passou a exigir a presença de uma nova instituição que pusesse em prática os objetivos públicos perseguidos pelo Estado. A partir desses motivos, as agências reguladoras foram inseridas no Brasil.

 

Demonstrada de forma sucinta a trajetória e o panorama sobre a inserção, influências e características das Agências Reguladoras no direito brasileiro, importa examinar, no tutorial parte II, o exercício da sua função normativa, objeto de constantes debates no campo jurídico, bem como um estudo acerca do instituto da responsabilidade civil quando da ocorrência da hipótese sugerida neste trabalho.