Seção: Tutoriais Banda Larga
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A ANATEL convocou a sociedade em setembro de 2008 para avaliar a Consulta Pública n.38 sobre a regulamentação do PLC, Power Line Communications (também chamado de BPL, Broadband over Power Line ouPLT Power Line Telecommunications). No início de abril de 2009, mesmo desconsiderando a maioria de posições contrárias à sua implementação, o Conselho Diretor da ANATEL cometeu o grave equívoco de previamente aprovar o PLC, tecnologia hoje questionada no judiciário brasileiro.
A principal motivação alegada pela agência é a promessa de oferecer internet de banda larga pela rede de energia elétrica. Assim, promover-se-ia a democratização no acesso a comunicação digital através da rede convencional idealmente presente em pontos onde não há acesso à internet, especialmente em áreas mais afastadas. Outra razão alegada é o smart grid.
Na prática a idéia do PLC não tem nada de novo, é considerado no Brasil há mais de dez anos e sempre tem enfrentado um desafio gravíssimo: a notória, importante e destrutiva geração de interferências no espectro de rádio (1).
As redes de energia elétrica na maior parte do paísnão foram concebidas para transmitir dados da maneira proposta, não atuam como a comunicação de cabos coaxiais ou fibras óticas. As fiações são vulneráveis, as redes são antigas, mal conservadas, apresentam grandes atenuadores de sinais e diferenças de impedância, sem dizer as conexões piratas.
Os fios de energia elétrica (inclusive em instalações caseiras) em um ambiente PLC se comportam como antenas, irradiando uma sujeira de rádio freqüência com enorme ocupação espectral. Resultado final: um sistema que representa atualmente, em termos conceituais de engenharia espectral, o que de mais retrógrado e poluidor pode ser encontrado como proposta de comunicação digital.
A figura 1 apresenta um diagrama de irradiação cujos lóbulos obtidos na rede convencional de energia elétrica quando em operação PLC demonstram que essa rede atua de fato como uma antena com ganho de 1,3 dBi em 5 MHz. A tendência é aumentar o ganho e a interferência com aumento de freqüência na mesma fiação (2).
![]() Figura 1: Lóbulos de irradiação da rede energia elétrica com PLC.
Os defensores do PLC esquecem – ou omitem – as informações que os agentes dessa proposta são atores empresariais num modelo de negócio indireto, com a internet ainda oferecida pelos mesmos provedores privados, que a proposta digitalização demandará um custo ao consumidor sequer especificado, e que há outras alternativas espectrais e financeiras de comunicações digitais muito mais razoáveis e menos polêmicas. O smart grid também não é sinônimo de PLC em HF (3).
Como a tecnologia PLC inviabiliza o efetivo uso das freqüências por ela interferidas, se trata na prática de umaapropriação indireta não-onerosa pelas empresas do setor elétrico de imensas porções do espectro eletromagnético já em utilização por outros serviços de comunicações.
A proposta original contempla uso do PLC na imensa maioria do espectro entre 1,705 MHz e 50 MHz, ou seja, cobre parte das MF (Medium Frequencies), todo HF (High Frequencies) e parte do VHF (Very High Frequencies).
A figura 2 apresenta uma imagem de uma parcela do espectro de HF demonstrando suas múltiplas atribuições e diferentes serviços a serem interferidos pelo PLC (tabela NTIA).
![]() Figura 2: Parcela do espectro de HF interferido pela tecnologia PLC (tabela NTIA).
Como é de se imaginar, há um imenso volume de serviços prioritários, protegidos e de uso primário nestas faixas, inclusive mediante acordos internacionais no qual o Brasil é signatário na esfera da UIT (União Internacional de Telecomunicações) e CITEL (Comissão Interamericana de Telecomunicações).
Em outras palavras: as interferências PLC colocam em questão a manutenção e desenvolvimento em nosso país de 20 serviços de telecomunicações dispostos neste espectro, entre eles as comunicações da marinha, aeronáutica, rádio faróis de navegação aérea a marítima, exército, radiodifusão e seus serviços auxiliares, radioamadorismo, faixa do cidadão, sinais padrões da ITU, equipamentos de radiação restrita, babás eletrônicas, rádio táxi, telefones sem fio, radioastronomia, operação especial e demais serviços experimentais e científicos.
Deve-se ainda acrescentar as características únicas da propagação nestas faixas. Os sinais de rádio ali emitidos são influenciados pelas camadas mais altas da ionosfera, obtendo uma área de cobertura nacional e mesmo internacional com sistemas relativamente modestos e baixa potência.
Isso permite que uma estação de rádio atinja uma comunidade distante ou uma área enorme sem a necessidade de uma retransmissora, de um canal via satélite, e muito menos de uma conexão de internet via PLC.
O mapa 1 apresenta uma previsão computadorizada de propagação internacional para um sinal de rádio emitido de São Paulo na faixa dos 90 metros em período de baixa atividade solar durante o gray-line (HFProp).
![]() Mapa 1: Propagação para um sinal de rádio emitido de São Paulo (faixa dos 90 m).
A faixa alta de MF e o HF também oferecem aos pilotos de aviões que sobrevoem regiões onde a rede de VHF não alcança a comunicação direta com as autoridades aeronáuticas e com as centrais de rádio das empresas aeronáuticas em solo.
Habilita também que embarcações, mesmo milhares de quilômetros distantes de suas bases, navegando pelos oceanos ou atracados nos portos nacionais, se comuniquem diretamente pelo rádio, sem intermediários, obtendo inclusive cartas meteorológicas em HF do Brasil e exterior.
Tal perspectiva vale tanto para as comunicações civis como as militares e governamentais, em unidades fixas ou em movimento nos campos, rios, mares e cidades.
Essa característica fantástica tão bem aproveitada pelos serviços de rádio agrava opotencial de dispersão das interferências PLC/BPL em níveis, distâncias e áreas não avaliadas diante das condições específicas e sazonais de propagação no Brasil, incluindo a presença da Anomalia Magnética do Atlântico Sul.
David Summer, CEO da ARRL (American Radio Relay League), caracterizou conceitualmente muito bem a situação: “Há um óbvio paralelo entre poluição atmosférica e a poluição no espectro de rádio. Como a atmosfera, o espectro de rádio é um recurso natural precioso compartilhado por todos. Como a poluição, as ondas de rádio não respeitam fronteiras (...). Supostamenteas redes de energia elétrica não deveriam emitir energia RF. Se o fazem é porque há algo de muito errado (...). E a poluição eletromagnética também pode ser resultado de uma RF que está onde não deveria existir. Ela será emitida a partir do momento que qualquer condutor for induzido a isso, a menos que o condutor esteja protegido e balanceado. Portanto qual a razão de alguém deliberadamente colocar RF em um condutor que não é nem isolado e nem balanceado, se não há desejo de irradiar? (4)”
Willian Blair, do Instituto de Pesquisa em Energia Elétrica em Palo Alto, Califórnia, declarou na revista Scientific American: “Nós desenvolvemos um sistema eficiente para transmitir energia elétrica em 60 hertz. Mas se você utilizar as mesmas linhas para tentar colocar sinais de comunicações, isso será um desastre. (5)”
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