Seção: Tutoriais Banda Larga

 

PLC/BPL: Interferências 1

 

Interferências na Radiodifusão Sonora Pública e Gratuita

 

Todas as faixas de radiodifusão em Ondas Curtas e Tropicais estarão ameaçadas se a ANATEL e ANEEL seguirem com a atual proposta PLC.

 

Como tais segmentos permitem que os sinais de rádio atinjam grandes distâncias, eles são utilizados tanto para comunicações regionais, nacionais ou além fronteiras, permitindo ao brasileiro olivre acesso a programação de estações internacionais em diversos idiomas – inclusive em português – como da Rádio Exterior de Espanha, Rádio Nederland (Holanda), RDP (Portugal), BBC (Reino Unido), Voz da América (EUA) , Rádio França Internacional, NHK Japão, Deutsch Welle (Alemanha), Rádio Canadá Internacional, Rádio China Internacional, Rádio Vaticano, Rádio Havana Cuba, Rádio Nacional da Venezuela, Rádio Argentina Exterior, apenas para citar algumas, todas recebidas no Brasil sem retransmissoras locais, rede intermediária, modem, mensalidades, apenas por ondas diretamente captadas por simples receptores de rádio.

 

A figura 5 apresenta a composição espectral da Rádio Internacional da China emitindo para a América do Sul em 13,7 MHz, faixa de rádio dos 22 metros, captada em São Paulo.

 

Figura 5: Espectro da Rádio Internacional da China captada em São Paulo.

 

As Ondas Curtas e Tropicais são também são utilizadas dentro do Brasil paracomunicações regionais: a Rádio Senado, por exemplo, oferece seu serviço em Ondas Curtas para sua audiência dispersa pelo nordeste. O mesmo acontece com a Rádio Nacional da Amazônia, emissora da Radiobrás que há anos presta serviços inestimáveis a todos os estados da região norte em Ondas Curtas nas faixas de 6 e 11 MHz com 250 kWatingindo mais de 50% do território nacional.

 

Estações como Rádio Cultura de São Paulo, Rádio Bandeirantes, Rádio Globo Rio, CBN, Rádio Record, Rádio Inconfidência, Rádio Gaúcha, Rádio Aparecida, Canção Nova, Rádio Nacional do Brasil, Rádio Mundial, entre muitas outras estão com suas licenças conquistas há anos em concorrências públicas, com investimentos efetivados e em pleno desenvolvimento nestas faixas, sendoescutadas em vários pontos do país e no exterior.

 

A figura 6 apresente o sinal da Rádio Inconfidência de Minas Gerais na faixa de rádio dos 49 metros, captada em São Paulo. Na parte superior é apresentada a análise espectral imediata convencional e na parte de baixo a perspectiva temporal em gráfico FFT. Este sinal será sumariamente interferido em locais que o PLC estiver em atuação.

 

Figura 6: Sinal da Rádio Inconfidência (MG) captada em São Paulo.

 

Apenas no Brasil são100 concessões de radiodifusão em Ondas Tropicais e Ondas Curtas em 20 estados brasileiros. No entanto os ouvintes terão dificuldades de recepção com a imposição de interferências altamente destrutivas que praticamente inviabilizarão os serviços.

 

Tratamos, portanto de um caso decensura eletrônica ocasionada por uma tecnologia poluidora de ampla ocupação espectral, um enorme malefício para quaisquer condições mínimas de recepção para ouvinte em região afetada pelo PLC.

 

A tabela 1 apresenta as faixas de radiodifusão no Brasil, sendo que todas foram liberadas para interferências PLC, segundo a Consulta Pública.

 

Tabela 1: Faixas de radiodifusão no Brasil.
MHz Denominação
2,3 – 2,495 Radiodifusão banda dos 120 metros
3,2 – 3,4 Radiodifusão banda dos 90 metros
3,9 – 4 Radiodifusão banda dos 75 metros
4,75 – 5,060 Radiodifusão banda dos 60 metros
5,730 – 6,295 Radiodifusão banda dos 49 metros
6,895 – 6,99 Radiodifusão banda dos 41 metros
7,1 – 7,6 Radiodifusão banda dos 41 metros
9,4 – 9,99 Radiodifusão banda dos 31 metros
11,5 – 12,16 Radiodifusão banda dos 25 metros
13,57 – 13,87 Radiodifusão banda dos 22 metros
15,030 – 15,8 Radiodifusão banda dos 19 metros
17,48 – 17,9 Radiodifusão banda dos 16 metros
18,9 – 19,02 Radiodifusão banda dos 15 metros
21,45 – 21,85 Radiodifusão banda dos 13 metros
25,67 – 26,1 Radiodifusão banda dos 11 metros

 

De acordo com as edições do boletim DX Listening Digest, durante o primeiro semestre de 2009,41 freqüências de Ondas Tropicais e Ondas Curtas ocupadas por estações brasileiras foram escutadas em14 diferentes países apenas no primeiro trimestre de 2009, entre os mais distantes na Austrália, Rússia e Suécia.

 

O ouvinte Paul Brouillete, da cidade de Geneve, Illinois, Estados Unidos, comentou sobre a Rádio Brasil Central em Ondas Curtas, em 31 de janeiro de 2009: “Ótimo programa local musical, em sua maior parte com material acústico, acordeons, guitarras e maravilhosos vocais harmônicos, seguidos de jingles e identificações da estação com chamadas ao programa recordação ou – em nosso idioma – nostalgia (...). E o sinal continuou forte às 01:15 após nova checagem, bem agradável para audiência musical! Foi umalocal saturday nite(24).

 

Dentro do Brasil há também comentários contundentes sobre a programação de rádio diferenciada encontrada nas Ondas Tropicais e Curtas, sem precisar pagar contas de provedor para dispor do conteúdo. Foi o caso de Jorge Freitas, de Feira de Santana, Bahia, ao comentar a programação da Rádio Nacional da Amazônia em 11780 kHz: “Uma coisa é certa: o pessoal da região norte tem uma rádio com uma programação de excelente qualidade, escuto agora às 0230 UTC o programa Madrugada Nacional (...). Uma excelente voz, com poesias, dicas de saúde, frases entusiastas, notícias e acima de tudo música nacional de qualidade, espero que a propagação não leve para lá o lixo de programação que paira na maior parte das rádios (...)” (25).

 

A figura 7 apresenta Parte do espetro correspondente a faixa de rádio de 31 metros, um dos segmentos destinados a radiodifusão. Cada traço representa uma estação de rádio captada às 21:10 LT em São Paulo. As interferências PLC são tão amplas que ocuparão todo esse espectro e as laterais simultaneamente, impossibilitando as escutas de todas essas estações hoje disponíveis ao ouvinte brasileiro.

 

Figura 7: Parte do espetro da faixa de rádio de 31 metros.

 

A ANATEL, por meio da consulta pública, indicou a necessidade de prévio aviso e identificação dos usuários de rádio se o PLC for implementado em suas vizinhanças. O que nos faz pensar: de que adianta avisar o engenheiro da possível implementação do PLC nas cercanias da sua estação de radiodifusão, se o ente efetivamente interferido, e não apenas o objeto de interferência, está difuso entre milhões de ouvintes, localizados dentro de milhares de quilômetros quadrados, ao redor e distantes do parque difusor? O ouvinte, que é um usuário passivo do espectro de rádio, que pode estar em cada casa, fazenda ou automóvel, todos serão avisados das interferências que o PLC causará? E como eles defenderão seus direitos de escutar suas estações de rádio?

 

A radiodifusão brasileira em geral necessita atualizar seu parque emissor. Isso já está em curso algumas estações nas Ondas Curtas, como a Rádio Cultura de São Paulo. José Carlos Moreno Escribano, Coordenador de Manutenção de RF: “Estamos passando por obras junto à nossa estação de ondas curtas, e houveram mudanças radicais nas características do solo, acreditamos que isso tenha resultado na perda de eficiência de nossas antenas de transmissão. Um novo projeto com novos transmissores e novas antenas e até um novo local está em andamento, e com isso poderemos substituir os transmissores que são muito antigos e de difícil manutenção e aumentar a qualidade de nosso sinal (...) atualmente nosso transmissor de 16 metros é um Philips de 1 KW. O Projeto prevê um transmissor de 10 KW. Particularmente, esta freqüência tem características de propagação peculiares, e atingem outros continentes (...). Atualmente os transmissores de 31 e 49 metros são de 7,5 KW, portanto não haverá aumento significativo de nível em dB, mas acreditamos que com novas antenas, mais eficientes, obtenhamos melhor desempenho” (26).

 

Como ficarão os investimentos já feitos e planejados do setor de radiodifusão frente à inviabilização de suas faixas pelo PLC? Não seria justa uma ação judicial de ressarcimento de gastos ao governo e as empresas promotoras do PLC frente à degradação do ambiente radioelétrico das Ondas Curtas e Tropicais?

 

A figura 8 apresenta os fortes sinais da Rádio Voz da América (esq) e Rádio França Internacional (dir) captadas em São Paulo nas faixas de rádio de 16 metros e 13 metros, emissoras que serão censuradas eletronicamente pelo PLC, uma restrição ao ouvinte brasileiro em seu acesso a informação pública e gratuita.

 

Figura 8: Sinais da Rádio Voz da América (esq) e Rádio França Internacional (dir)
captadas em São Paulo.

 

Outro agravante do PLC/BPL é seu avanço no espectro do VHF-baixo. Isso significa que até mesmo as comunicações auxiliares de radiodifusão e correlatos (SARC) em 42 MHz estarão susceptíveis às interferências.

 

Essas e outras inusitadas questões são praticamente insolúveis, pois os promotores do modelo PLC nunca consideram o lado mais fraco, dos ouvintes de rádio, como parte fundamental dessa história de imposição de uma tecnologia interferente.

 

Interferências Contra Novas Formas de Comunicação Digital

 

Curiosamente o argumento de democratização do acesso às comunicações digitais por fios PLC inviabiliza outras tecnologias gratuitas de comunicação sem fios.

 

O espectro de radiodifusão a ser bloqueado pelo PLC é campo de desenvolvimento do interessante Consórcio DRM, Digital Radio Mondiale, modelo deradiodifusão digital em escala mundial, multimídia, que serve tanto a grandes empresas de comunicação social como emissoras de baixa potência universitárias na Europa. Oferece múltipla programação na mesma freqüência, boa qualidade de áudio, transmissão de imagens e texto simultaneamente aos serviços de áudio. É um sistema em desenvolvimento por várias emissoras internacionais de rádio já citadas, além da indústria de equipamentos e codificadores como a Dolby, Fraunhofer, Harris, Hitachi, Nec, Nautel, Panasonic, Riz, Bosh, Sony, Thomson, Transradio.

 

A foto 3 apresenta o novo receptor digital DRM lançado na França em 2009 que utiliza as Ondas Tropicais e Curtas digitais. Esses avanços tecnológicos em radiodifusão que poderão ser inócuos no Brasil devido às interferências PLC (27).

 

Foto 3: Novo receptor digital DRM lançado na França em 2009.

 

O espectro de HF ainda oferece canais de difusão ao nosso país. Se bem organizado, poderia atender ao menos parte da demanda por emissoras comunitárias de baixa potência, bem como oferecer mais comunicações regionais e nacionais com qualidade digital.

 

Diariamente ocorrem mais de 100 transmissões DRM com audiência global em Ondas Curtas com uso de receptores experimentais e free-softwares. O sistema inclusive já foi testado no Brasil pela Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília e pela Rádio Nacional de Brasília (28).

 

A figura 9 apresenta a formação espectral da rádio CVC de Santiago, Chile em DRM com áudio digital pleno pelas Ondas Curtas, captada em São Paulo.

 

Figura 9: Formação espectral da rádio CVC de Santiago (Chile) captada em São Paulo.

 

Ouvintes brasileiros também monitoram os sinais internacionais DRM. Um exemplo é o radioamador e engenheiro Roland Zumerley que captou no início de 2009, além das mais potentes emissoras de DRM em Ondas Curtas, o sinal da IRTE em 26,010 MHz a 13,06 kbit/s EEP AAC, emitindo com apenas 100 watts da cidade de Andrate, Itália; e a All India Radio em 9,950 MHz com 13,96 kbit/s EEP AAC, com SNR maior que 20 dB, transmitindo com 50 kW de Khampur, Índia. Embora as transmissões fossem direcionadas a Europa, elas foram bem captadas no Brasil: “Impressionante qualidade de áudio. Uma pena que estão falando híndi”, comentou Roland (29).

 

A figura 10 apresenta a chamada da Rádio Exterior de España/Rádio Nacional para sua emissão em DRM. Apenas esta emissora emite em 13 diferentes freqüências para toda América do Sul em 18 serviços e 6 idiomas (português, espanhol, catalão, basco, galego, sefardí). Para toda a América são 27 freqüências incluindo os idiomas inglês e francês. Ela ainda emite o ponto de vista da sociedade espanhola para mais 5 targets: Europa, Oriente Médio, África, Austrália e Ásia, todos em Ondas Curtas e Tropicais. Estratégias semelhantes são utilizadas por várias estações internacionais (30).

 

Figura 10: Chamada da Rádio Exterior de España/Rádio Nacional para emissão DRM.

 

A Faculdade de Engenharia Mackenzie, diante da questão da digitalização do rádio brasileiro, já manifestou desejo de seguir com pesquisas envolvendo os diferentes modelos de digitalização do rádio. O DRM é a única proposta de digitalização multibanda que envolve as Ondas Tropicais e Curtas, facilitando decisões governamentais por digitalização híbrida, tal como considerado no Brasil unido ao IBOC. Empresas de receptores e mesmo transmissores já oferecem hardwares comuns para vários modelos digitais. Nações em desenvolvimento como Índia e Rússia deram fortes indicações no início de 2009 para adotar oficialmente o DRM (31).

 

Independente da decisão que o nosso país seguir, é evidente que entregar o espectro de radiodifusão em MF/HF para os empresários do setor elétrico e inviabilizar a radiodifusão nessas faixas caracteriza um descaso com um bem público valioso de integração nacional por meio da comunicação social.

 

A figura 11 apresenta o serviço experimental de texto “Journaline” transmitido junto com o sinal de rádio DRM da Voz da Alemanha. As manchetes são clicáveis em hierarquias de informações mais detalhadas. (32)

 

Figura 11: Serviço experimental de texto “Journaline” transmitido
pela rádio DRM da Voz da Alemanha.

 

Por que privar os radiodifusores atuais e potenciais, bem como o povo brasileiro ao acesso de uma nova tecnologia de difusão digital gratuita sem fios, de abrangência internacional, com um viés de livre experimentação técnica e de pesquisa aplicada universitária, podendo atender várias demandas de comunicação social, de maneira integrada com outros sistemas de digitalização? Devido a um serviço por fios cuja característica indelével e marcante é a sua imensa geração de interferências, um sistema que inclusive não é a única opção de integração e democratização digital pela popularização da banda larga?

 

O gráfico 3 mostra a representação da direta relação Sinal/Ruído para recepção do áudio digital de boa qualidade. Infelizmente o PLC gera tanto ruído em largo espectro que a relação é extremamente reduzida, impossibilitando qualquer desenvolvimento da radiodifusão digital nessas faixas. Neste caso se trata dos momentos finais da captação no Brasil da CVC de Santiago do Chile, sem a presença do PLC.

 

Gráfico 3: Relação Sinal/Ruído para recepção do áudio digital de boa qualidade.