Seção: Tutoriais Banda Larga
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Os Direitos do Consumidor
Os press relases espalhados na internet e geralmente reproduzidos acriticamente por blogs e sites de tecnologia, advogam a possibilidade da internet por banda larga via rede de energia elétrica e assim a democratização do acesso, como se um novo player estivesse se consolidando.
Mas qual será o preço que o consumidor final irá pagar? Qual o modelo de negócios a ser proposto? Qual a velocidade vendida e a velocidade real para o consumidor final?
As respostas – quando existentes – são vagas, revestidas de caráter político, criando uma falsa expectativa diante da imensa demanda no Brasil por banda larga.
Nos Estados Unidos, seguidos governos municipais e estaduais estão abandonando o PLC/BPL. Em 2008 eram apenas 27 cidades comprovadamente em testes para uma potência comercial como os EUA, ainda antes da recessão, em uma rede pública de energia elétrica infinitamente melhor preservada que a brasileira. No entanto dessas iniciativas, 13 serviços estavam sob investigação da FCC por interferirem em faixas teoricamente consideradas protegidas.
Outros 37 testes foram realizados e definitivamente encerrados nas cidades americanas, 20 deles comproblemas insolúveis de interferências. Há ainda outras 16 cidades que inicialmente chegaram a planejar o PLC em seus horizontes de digitalização, mas consideraram o sistema caro e gerador de interferências; redirecionando seus recursos a outras tecnologias de comunicação digitais mais eficientes (41).
A administração da pequena cidade de Mannassas, no interior rural dos EUA, um dos primeiros focos da indústria elétrica, da FCC e da FERC, reassumiu no último semestre de 2008 o controle de sua rede experimental PLC para manter temporariamente apenas as medições smart grid, em vista de ser substituída por sistema wireless. Para tanto a comunidade teve que realocar mais de 100 mil dólares de seu fundo municipal, além dos 640 mil dólares já investidos nas empresas que testaram até então a rede local PLC. Foi o preço pago por um early adopter público ao investir inadvertidamente em induções de mercado e modismos comercias (42).
No meio das incertezas e segredos industriais no Brasil, começaram as indicações do viés comercial do negócio PLC ao invés da plena democratização digital.
Vinícius Cherobino abordou a questão em seu artigo Por que o PLCnão vai revolucionar o acesso à internet: “(...) a banda larga pela rede elétrica não vai alterar drasticamente o panorama do acesso a internet. E o grande culpado disso é o modelo de negócios escolhido pelas concessionárias de energia. As duas empresas que revelaram seus planos indicaram, com clareza, quenão vão oferecer o acesso a internet diretamente para consumidores ou empresas. Tudo indica que esta será a tônica de todas as companhias. Com isso, o PLC será apenas mais uma tecnologia de acesso oferecida aos provedores de internet. As mesmas empresas que hoje dominam o mercado atuando com cabo ou ADSL. Na prática, isso significa que a vantagem de preço, a velocidade maior e taxas iguais de upload e download serão oferecidos conforme o interesse do provedor de acesso.Quem esperava que o PLC nascesse derrubando os preços e trazendo mais competição a esse mercado, se enganou” (43).
Outro ponto crítico: como o consumidor será devidamente informado das instabilidades do sistema e suas limitações? Como explicar ao consumidor que seu único e aparentemente inofensivo dispositivo PLC, quando em escala, criará um nível de ruído suficiente a prejudicar outros serviços de telecomunicações? Qual qualidade de serviço será contratada? Qual a confiabilidade do sistema? Uma rede no estado X ou cidade Y atuará da mesma maneira do que na região Y, a ponto de considerar-se padrões uniformes de funcionamento?
Como o governo pode autorizar um sistema tão incerto ao consumidor e associá-lo a democratização? Apenas devido a capilaridade da rede, que por sinal é imprópria para o serviço nessas faixas de freqüências?
O Jornal da Globo exibido na madrugada de 15 de novembro de 2008 noticiou as quedas no fornecimento público de energia elétrica em Belo Horizonte, cujo restabelecimento do serviço levou 18 horas para ser concluído. Isso em uma capital de um importante estado. O que dizer do interior, em zonas rurais ou estados periféricos tão citados pelos defensores do PLC?
Já na noite de 16 de março de 2009, o Jornal da Band noticiou sobre as quedas diárias de energia elétrica em Inhumas, Goiás, que chegou a prejudicar a tradicional produção econômica nas granjas da região.
No total a ANEEL recebeu mais de 100.000 denúncias a respeito de grandes atrasos abusivos no restabelecimento de energia apenas entre janeiro e outubro de 2008.
Como pode um sistema que é questionado no que basicamente se propõe a fazer, distribuir adequadamente energia, avançar em outra atribuição tão séria de telecomunicação? Como ficariam usuários de banda larga após 18 horas sem internet? Quem pagará pela conta e retornará o dinheiro ao consumidor brasileiro pela ausência de serviço?
Democratização?
Uma das promessas do PLC/BPL é levar banda larga em áreas carentes onde a princípio sequer há disponibilidade de internet. O exemplo mais dramático dessa realidade social está nas comunidades isoladas da Amazônia, com mais de 1 milhão de domicílios e ao redor de 4 milhões de brasileiros que vivem sem rede de energia elétrica convencional.
Apenas 0,7% das comunidades isoladas do Estado do Amazonas têm energia elétrica via concessionária. Na maioria destas residências as poucas horas de energia são providas por geradores de diesel ou gasolina, além de pilhas. Com uma renda familiar oscilando entre 85 reais e 302 reais, há comunidades onde quase metade do pouco que ganham são despendidos para custear a energia por pilhas, baterias e geradores. Imagina-se o estado deplorável da fiação de distribuição, quando existente.
Situação semelhante ocorre no semi-árido nordestino. O estudo de campo realizado por Heitor Scalambrini Costa e Ricardo Bezerra Pimentel (UFPE) identificou em 70% de residências nas áreas rurais não eletrificadas de 12 municípios pelo interior pernambucano, uma renda familiar menor ou igual a 1 salário mínimo.
Se a razão é democratizar a comunicação digital, o modelo proposto do PLC contempla tais comunidades isoladas com populações em condições paupérrimas, onde até a promoção da comunicação analógica e da tradicional educação, sem computadores, é recebida de bom grado?
Quais os testes brasileiros que foram feitos com fazendas afastadas, pontos de conexão realmente isolados entre si, ou seria o custo tão alto a ponto de inviabilizar tal rede?
Vale ressaltar que para tais casos a disponibilidade racional de energia elétrica pode ser mais eficiente e barata por meio de fontes limpas e autônomas, de baixo impacto ambiental, com unidades de energização solar fotovoltaica, como aplicada nos vários países em desenvolvimento (44).
Como ficaria pois a formação de uma rede de comunicação centralizada PLC se o próprio modelo de rede de energia elétrica pode ser um conceito ultrapassado, ineficiente e não ecológico para áreas carentes?
Várias pesquisas atestam a importância da rádio comunicação para a população rural, eletrificada ou não. É uma questão cultural, de hábito de comunicação e de serviço público.
No exemplo pernambucano, entre as posses de eletrodomésticos, mais de 60% das famílias tinham receptores de rádio e pouco mais de 15% televisão, sendo o uso de pilhas e baterias fatores para a popularização do rádio em sua portabilidade (45).
Carlos Alexandre do Santos Nogueira, do Núcleo de Eficiência Energética da UFAM, em estudo de campo sobre as comunidades do Alto Solimões, percebeu a necessidade do desenvolvimento do rádio – e não seu enfraquecimento – em áreas afastadas dos grandes centros: “O isolamento e dificuldade de comunicação com a cidade e outras comunidades foi outro item de necessidade [identificado]. Com a implantação de um sistema de rádio para comunicação, será possível avisar de qualquer problema de saúde com comunitários (...). A rádio-comunicação terá grande importância na superação das barreiras naturais que envolvem a região compreendida pelas comunidades, destacadamente direcionando sua utilização para os processos de comercialização, saúde e intercâmbio comunitário” (46).
Mesmo nas grandes cidades do sudeste, onde há maior densidade de PCs, redes, e mesmo de maior renda relativa, há dificuldades para que novas tecnologias sejam implementadas adequadamente, uma realidade social e financeira muito além da idealização de inclusão digital e da propaganda empresarial, que se nutre da carência para condicionar novos negócios com tecnologia questionável e custos incertos.
O texto de Luciana Benatti no jornal Diário de Comércio demonstra o problema em São Paulo, na instalação de um teste PLC no CDHU da Mooca:
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